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 36 ENTREVISTA
das populações”. O Tribunal de Contas emitiu
um relatório em 2021 que diz que as PPP geraram centenas de milhões de poupança e tiveram níveis de excelência clínica. Contudo, o programa eleitoral do Bloco diz que as PPP foram prejudiciais. E em relação às ULS, o Bloco não acredita nessa solução?
BM – É preciso perguntar aos especialistas da área exatamente o que é que aquilo significa. Eu passo a explicar: mitos sobre as parcerias público-privadas. Em primeiro lugar, elas não acabaram porque
o Partido Socialista não as quis, elas acabaram porque os parceiros privados não quiseram renovar o contrato. Para os valores que o Estado oferecia, que eram aqueles que podia pagar e que permitiam a tal poupança de que fala o Tribunal de Contas, os parceiros privados disseram: não queremos.
Segundo mito que convém desfazer... É evidente que os hospitais em parceria público-privada pouparam dinheiro, mas é preciso ler o relatório do Tribunal de Contas. Aliás, são vários relatórios, há um relatório em 2009, há um em 2016 e
há agora este, e em todos eles, para além da poupança em termos de dinheiro, está lá explicado muito bem porque é que esse dinheiro foi poupado.
Por exemplo, o Tribunal de Contas diz claramente que a contratualização de serviços entre o Estado e o Hospital de Braga ficou 26% abaixo daquilo que eram as necessidades da população que o hospital servia. Ninguém fala disto na comunicação social, mas está lá escrito. Quer dizer que o Grupo Mello, naquele caso, e o mesmo aconteceu nas outras parcerias público-privadas, contratualizou menos serviços que aquilo que ia ser solicitado a fazer, portanto poupou dinheiro, claro. Esses 26% dos cuidados de saúde que não foram contratualizados pelo parceiro privado – erro do Estado também, obviamente – foram desviados para hospitais públicos vizinhos. Por exemplo, os doentes que
não eram atendidos no Hospital de Braga, para vários procedimentos, por exemplo tratamento de AVC agudo, que no início eles recusavam-se a fazer, ou, no caso de Cascais, tratamentos de VIH e tratamentos oncológicos, eram desviados para hospitais públicos. Por exemplo, o Hospital de Braga desviava estes doentes para o Porto, que eram doentes caros. Um tratamento de um AVC agudo é dispendioso.
Isto está comprovado em quatro multas que a ARS do Norte passou ao Hospital de Braga. São quatro multas de dois milhões de euros cada, precisamente pelo Hospital de Braga desviar doentes da área para o Hospital de São João. Assim é muito fácil poupar dinheiro, quando nós desviamos os doentes mais caros para o hospital público. Portanto, o Estado pode ter poupado dinheiro em Braga, mas foi gastá-lo no Hospital de São João do Porto. O Tribunal de Contas faz uma avaliação de cada uma das PPP, mas não faz uma avaliação global daquilo que poupa ou não poupa para o Estado aquele esquema.
Isto é difícil de explicar, é preciso algum tempo para nós, com os dados que temos, conseguirmos explicar isto às pessoas. Mas a direita não está preocupada em explicar nada às pessoas. A
direita está preocupada em entregar a gestão
dos hospitais públicos à sua clientela de grandes grupos económicos privados e, portanto, não quer fazer esta discussão. O Reino Unido, nos anos 90, teve PPP na saúde, que voltaram atrás pelo mesmo motivo, o parceiro privado não quis continuar.
As PPP não são rentáveis para o parceiro privado quando são bem feitas. Portanto, a direita só tem uma forma de fazer PPP, é pagar muito mais do que aquilo que já se pagou ao parceiro privado,
e aí não há poupança para ninguém, nem para
o Estado, nem para aquela região, nem para o Serviço Nacional de Saúde.
HN – E em relação às ULS?
BM – O Bloco nunca tomou uma posição frontalmente contra as ULS porque para nós o
que é evidente é que, embora seja um tema importante, sobre o qual nós temos que falar, não é aí que está o problema e não é na organização que vamos resolver os nossos problemas. Os nossos problemas são de recursos humanos. A organização em ULS não vai trazer nenhum tipo de resolução. Já há sete ULS no país e não têm menos problemas do que os hospitais geridos em EPE. O Governo gosta muito de usar o exemplo da ULS
de Matosinhos, que é um bom exemplo, tem bons resultados, mas depois há outras seis ULS que o Governo não usa como exemplo porque sabe que não têm os mesmos bons resultados.
Portanto, a questão das ULS é uma questão de organização. Pode ter vantagens, nomeadamente os centros de saúde ou as USF poderem fazer exames complementares de diagnóstico no hospital, em vez de terem que contratualizar com o privado; pode ser mais fácil uniformizar os processos informativos entre hospital e centro de saúde (espero que isso se traduza na prática); no entanto, a ULS não resolve o problema principal do Serviço Nacional de Saúde, que é a falta de recursos humanos.
HN – Quer destacar outras medidas para financiar o SNS?
BM – Nós defendemos um Serviço Nacional de Saúde financiado pelo Orçamento de Estado. Das experiências internacionais que existem, é isto que tem os melhores resultados. Os sistemas mais privatizados têm mais problemas; são mais caros e têm piores indicadores de saúde. Portugal tem problemas, o Serviço Nacional de Saúde
tem problemas, mas não é desistindo do Serviço Nacional de Saúde, que é o que propõe a direita com a entrega de uma parte importante aos privados, que os vamos resolver; pelo contrário, é só uma morte mais rápida.
Nós estamos a dizer para olharmos para os problemas atuais e aplicarmos as soluções que já sabemos que existem, que foi isso que o Partido Socialista não fez durante este período de maioria absoluta. Não quis negociar com o Bloco nenhuma das questões da saúde e não quis implementar nenhuma das soluções, que não somos nós que apresentamos, é uma parte importante dos administradores e dos profissionais de saúde
que têm falado nisto: valorizar as carreiras dos profissionais para os conseguir fixar e reter no Serviço Nacional de Saúde.
HN – Propõem regular o funcionamento do setor privado. Que tipo de relação entre público e privado defende o Bloco?
BM – O setor privado sempre existiu. Já existia antes do Serviço Nacional de Saúde e tem funcionado – ou inicialmente a ideia era essa, quando se criou o SNS – em complementaridade. Está correto, faz sentido. Aquilo que tem acontecido ao longo das últimas décadas é
a substituição da complementaridade por parasitismo, ou seja, houve um momento em que, para além da complementaridade, aquilo que aconteceu foi que o setor privado começou a contratar cada vez mais profissionais de saúde, começou a criar as condições no Serviço Nacional de Saúde para que o Estado pudesse fazer cada vez mais convenções, contratasse cada vez mais serviços ao privado.
Isto neste momento é um círculo vicioso, porque o privado investe em contratar profissionais de saúde, o SNS perde profissionais para o privado, fica a falhar em muitas áreas, nomeadamente nas listas de espera para consultas e cirurgias,
e é obrigado a contratualizar ao privado aquilo que está em falta ou em atraso; o privado, com essas contratualizações, ainda investe mais, ainda vai buscar mais profissionais de saúde ao SNS. É preciso parar, e só o conseguimos se investirmos no Serviço Nacional de Saúde, contratando
  



































































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