Proposta da UE para ambientes livres de fumo gera debate

23 de Setembro 2024

A Comissão Europeia apresentou recentemente uma proposta para reforçar as medidas contra a exposição ao fumo passivo e aerossóis de produtos emergentes de tabaco e nicotina, está a gerar  um intenso debate entre especialistas e decisores políticos.

A proposta, divulgada a 17 de setembro através do site oficial da Comissão, visa fortalecer a proteção da saúde pública, mas está a ser questionada por aparentemente não considerar as diferenças entre os produtos de tabaco tradicionais e os emergentes.

Contexto da Proposta:

A iniciativa tem as suas raízes no Plano Europeu de Luta Contra o Cancro, lançado em Bruxelas a 3 de fevereiro de 2021, que estabeleceu o objetivo de criar uma “Geração Livre de Tabaco” até 2040, com menos de 5% da população a consumir tabaco. O processo que levou a esta proposta específica incluiu várias etapas importantes, desde a publicação do primeiro relatório de implementação da Diretiva dos Produtos do Tabaco em junho de 2022 até à apresentação da proposta final pela Presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, em setembro de 2024.

Contradições Emergentes:

A principal controvérsia surge da aparente discrepância entre a proposta e os dados recentes sobre padrões de iniciação ao consumo de nicotina. O Relatório Especial Eurobarómetro n.º 506, publicado em fevereiro de 2021, afirma que não há “praticamente nenhuma iniciação ao consumo de nicotina através de produtos de tabaco aquecido e apenas muito pouca iniciação ao consumo de nicotina através de cigarros eletrónicos”.

Análise dos Dados:

Iniciação ao Tabagismo: O Eurobarómetro nº 506 indica que 98% dos utilizadores de produtos de tabaco aquecido e 97% dos utilizadores de cigarros eletrónicos eram ex-fumadores ou fumadores atuais.
Prevalência de Uso: A proposta cita dados do Eurobarómetro de 2023, indicando uma prevalência de uso de cigarros eletrónicos de 3% e de produtos de tabaco aquecido de 2%, em contraste com a prevalência de tabagismo tradicional de 24%.
Inquéritos Nacionais: Um estudo realizado em França em 2022 corrobora os dados do Eurobarómetro, mostrando que menos de 1% dos utilizadores de cigarros eletrónicos eram não-fumadores antes de iniciar o uso.

Dados de Consumo em Portugal:

O III Inquérito Nacional ao Consumo de Substâncias Psicoativas na População Geral, realizado pelo SICAD em 2022, revela:

  • tabaco convencional: 25,7% da população consumiu nos últimos 30 dias
  • Cigarros eletrónicos: 3,3% da população utilizou nos últimos 30 dias
  • Produtos de tabaco aquecido: 3,7% da população utilizou nos últimos 30 dias
  • Estes números contrastam com os dados do Inquérito Nacional de Saúde de 2019, que indicava que 16,8% da população com 15 ou mais anos fumava diariamente e 3,2% fumava ocasionalmente.

Implicações para as Políticas:

Proporcionalidade: Questiona-se se as medidas propostas são adequadas e necessárias face aos dados disponíveis, uma vez que a proposta parece tratar os produtos emergentes de forma semelhante ao tabaco convencional, apesar das diferenças nos padrões de iniciação e uso.
Impacto na Cessação Tabágica: Há preocupações de que a política proposta possa inadvertidamente desencorajar fumadores de fazer a transição para alternativas potencialmente menos nocivas, reduzir as opções disponíveis para aqueles que procuram deixar de fumar, e potencialmente aumentar o número de pessoas que continuam a fumar cigarros convencionais.
Adaptabilidade das Políticas a Novas Evidências: Questiona-se a flexibilidade das políticas de saúde pública para se ajustarem a realidades em mudança e a velocidade com que as novas evidências são incorporadas na formulação de políticas.
Considerações Adicionais:

Diversidade de Contextos Nacionais: Os padrões de consumo e as atitudes em relação aos produtos de tabaco e nicotina variam significativamente entre os Estados-membros da UE, como evidenciado pelo último relatório do Observatório Europeu das Drogas e da Toxicodependência (OEDT) de junho de 2024.
Evolução Rápida do Mercado: O mercado de produtos de tabaco e nicotina está em constante evolução, exigindo políticas suficientemente flexíveis para abordar estas mudanças.
Equilíbrio entre Prevenção e Redução de Danos: Existe um debate contínuo sobre como equilibrar as estratégias de prevenção com as estratégias de redução de danos para fumadores adultos.
A discrepância entre os dados do Eurobarómetro e a abordagem proposta pela Comissão sublinha a complexidade de desenvolver políticas de saúde pública eficazes e baseadas em evidências no domínio do tabaco e da nicotina. À medida que a proposta avança para consideração no Parlamento Europeu, é provável que estas questões sejam objeto de intenso debate.

A Comissão Europeia anunciou que realizará uma audição pública sobre o tema em outubro de 2024, oferecendo uma oportunidade para que todas as partes interessadas apresentem as suas perspetivas e evidências. Esta discussão continuará a ser crucial para moldar políticas que equilibrem eficazmente a proteção da saúde pública com estratégias de redução de danos baseadas em evidências.

NR/HN/MMM

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