Quando daqui a muitos anos nos debruçarmos sobre o tempo que hoje vivemos, há uma imagem que se destacará de todas as demais na memória coletiva: a das conferências de imprensa COVID-19, que durante todo o tempo que durou a pandemia nos confrontou, à hora de almoço, com os números, muitas vezes sinistros, do evoluir da doença e com as recomendações baseadas na evidência (pelo menos foi assim que sempre foram anunciadas) para que pudéssemos percorrer ilesos o difícil caminho.
Não há como não reconhecer que foram úteis. Muito úteis mesmo, pese frequentemente renegarem a evidência em que garantiam sustentar-se.
Um dos exemplos mais flagrantes deste confronto entre o “achar” e o “ser de facto” foi o da utilização das máscaras de proteção.
Num primeiro momento, respondendo aos jornalistas sobre se a utilização obrigatória de máscaras de proteção deveria ser implementada, à semelhança do que já acontecia noutros países, a Senhora Diretora Geral da Saúde, Graça Freitas (no que foi secundada pela Ministra), desaconselhou a medida afirmando que a mesma não garantia o efeito desejado e que usá-la poderia originar “uma falsa sensação de segurança”, algo que não se desejava. Que a única medida eficaz era o distanciamento social.
É verdade que por esses dias, abundavam os especialistas recomendando o mesmo, como o diretor geral de saúde dos Estados Unidos da América, o médico Jerome Adams, que afirmou que o uso das máscaras poderia até aumentar o risco de infeção se fossem utilizadas de forma incorreta. “O risco de contração aumenta com o uso da máscara se a pessoa não for um profissional de saúde. As pessoas tendem a tocar na cara com as mãos bastantes vezes porque não sabem colocar a máscara e isso aumenta o risco de alastrar o vírus”, explicou Adams à “CNN”. É claro que a opinião tem de ser enquadrada num contexto de escassez dos populares dispositivos no mercado internacional, com implicações diretas na segurança dos profissionais de saúde, os quais, esses sim, tinham mesmo que os ter disponíveis.
Isto em março. E sempre caucionado, garantiam-nos, por evidência científica.
O problema é que, como todos sabemos, a evidência científica em Portugal assenta mais vezes do que seria recomendado no chamado “Consenso”. E um “Consenso”, como muitos reconhecerão, mais não é do que o maior denominador comum de um conjunto de opiniões individuais. Um conjunto de “achas”. Eu acho tu achas e o outro acha e temos um “Consenso”.
Foi esta forma de decisão (o que acha o maior número de especialistas) que determinou que alguns dias depois, o que era verdadeiro deixou de o ser, com a DGS a emitir uma Norma recomendando o uso de máscaras cirúrgicas. Ainda assim, “metida à força”.
Entre outras coisas, diz a Norma, que “a eficácia da utilização generalizada de máscaras pela comunidade na prevenção da infeção não está provada. Mas, perante a emergência de uma doença nova, a evidência vai evoluindo a cada momento e é afirmada num modelo colaborativo de experiências (os famosos “achas”), antes do surgimento de evidência científica de maior rigor.
Assim, prossegue a diretiva, “aplicando-se o Princípio da Precaução em Saúde Pública, é de considerar o uso de máscaras por todas as pessoas que permaneçam em espaços interiores fechados com múltiplas pessoas, como medida de proteção adicional ao distanciamento social, à higiene das mãos e à etiqueta respiratória”.
Estabeleceu-se, até uma multa de até 350 euros para quem as não utilizasse nos transportes públicos.
E passámos todos a utilizar máscaras.
Penso que nesta, como noutras situações similares, não se pode afirmar que o trio de aconselhamento da hora de almoço estivesse errado. Aliás, acredito piamente que muito do sucesso Português no controlo da epidemia se lhe ficou a dever.
Tendo passado o “confinamento” em Espanha, mas tendo acesso diário à cobertura televisiva em Portugal, noto que a evolução das recomendações sobre o uso dos instrumentos de precaução e combate ao covin-a9, foram exactamente iguais e simultâneos nos dois países. Onde os portugueses se distinguiram, e isto foi reconhecido por todos os jornais, e televisões, ( mesmo coagidos pelos diversos alinhamentos políticos) ,e todos o partidos e comentadores espanhóis, foi a grande lição de coordenação, solidariedade, e focus exclusivo no combate à epidemia evidenciado por todos os responsáveis, sanitários e políticos portugueses. É por isso que Portugal é considerado um caso de sucesso para além da frieza dos números, Este assunto, esta hora e a nossa resposta vão ser recordados , não como uma performance de cromos , mas sim como uma das nossas melhores horas.