Identificado sistema regulador molecular que evitaria o excesso de atividade do tecido adiposo castanho

11 de Maio 2020

Desconhecido até agora, esse sistema de auto-controlo molecular para o metabolismo lipídico poderia ajudar a evitar os efeitos prejudiciais do excesso de ativação do tecido adiposo castanho.

Uma equipa científica acaba de descobrir um mecanismo regulador do metabolismo do tecido adiposo castanho que opera através do sistema hormonal calicreína-cinina, até agora associado apenas à fisiologia do sistema renal e cardiovascular e aos processos de inflamação e dor.

A investigação, publicada na revista “Nature Communications”, é liderada por Francesc Villarroya, da Faculdade de Biologia do Instituto de Biomedicina (IBUB) da Universidade de Barcelona, e membro do CIBER de Fisiopatologia da Obesidade e Nutrição (CIBERobn) do Instituto de Saúde Carlos III. Especialistas da Universidade de Santiago de Compostela, da Universidade de Maastricht (Holanda) e da Universidade de Humboldt, do Centro de Pesquisa Cardiovascular e do Instituto de Saúde de Berlim (Alemanha) também participam no estudo.

A principal função do tecido adiposo castanho é queimar calorias e produzir calor corporal a partir de gorduras (termogénese). Também atua como um órgão endócrino capaz de secretar fatores que ativam o metabolismo de gorduras e hidratos de carbono e ajudam a prevenir patologias como a obesidade ou a diabetes. No entanto, a atividade excessiva e descontrolada desse tecido pode causar efeitos nocivos, como a caquexia – perda excessiva de massa corporal – presente nalguns tipos de cancro.

Este estudo descreve pela primeira vez a relação do sistema calicreína-cinina com os processos de regulação metabólica no tecido adiposo castanho. Esse tecido é ativado como uma reação aos estímulos ambientais – temperatura, alimentação – e a sua resposta é canalizada através do sistema nervoso simpático e de fatores hormonais. Tradicionalmente, pensava-se que a interrupção desses fatores indutores era a razão que limitava a termogénese da gordura.

“Sabemos agora que alguns mecanismos ativos podem atuar como freio e que os próprios indutores positivos podem ativar o sistema calicreína-cinina , que atua como um mecanismo de autocontrolo para suprimir a atividade da gordura castanha”, explica Francesc Villarroya, chefe do Grupo de Investigação em Genética e Biologia Molecular de Proteínas Mitocondriais e Patologias Associadas da UB.

O grupo de investigadores, liderado pelo Catedrático Francesc Villarroya, da Faculdade de Biologia da Universidade de Barcelona e membro do CIBER de Fisiopatologia da Obesidade e Nutrição (CIBERobn) do Instituto de Saúde Carlos III.

“Apesar de parecer contraditório – os próprios sinais de ativação determinam o autocontrolo do sistema – isso explica-se se considerarmos como é importante a regulação fina da termogénese para impedir que muitos metabólitos sejam queimados sem nenhum objetivo fisiológico para o organismo”, sublinha o especialista.

O mecanismo bioquímico para queimar calorias e produzir calor corporal a partir de gorduras é um processo que altera completamente a atividade bioenergética das mitocôndrias, a organela celular responsável pela obtenção de energia. Nesse mecanismo em particular, a atividade das mitocôndrias não é a usual – oxidação de substratos para obter moléculas de ATP e fornecimento de energia às células – mas resulta na dissipação da energia metabólica na forma de calor.

A atividade excessiva do tecido adiposo castanho causa condições patológicas associadas ao gasto energético descontrolado e à perda acelerada de peso (caquexia, por exemplo) em pacientes afetados por tumores. Ainda existem muitas incógnitas sobre um processo que, num cenário clínico, também dificulta a recuperação das pessoas afetadas por grandes queimaduras quando o gasto energético e a atividade do tecido adiposo castanho são acionados.

Muito antes de se conhecer a fisiologia do tecido adiposo castanho, a dissociação mitocondrial foi o mecanismo alterado pelo envenenamento dos operários de fábricas de armamento durante a Primeira Guerra Mundial. Devido à exposição ao dinitrofenol – um composto tóxico que gera uma incontrolável dissociação mitocondrial em todos os tecidos do corpo – a temperatura dos trabalhadores envenenados disparou e a sua perda de peso foi dramática. Na década de 1970, a comunidade científica conseguiu identificar que a dissociação mitocondrial é um processo que, de maneira específica e controlada, ocorre nas mitocôndrias do tecido adiposo castanho usando a proteína UCP1.

“É evidente que este mecanismo deve ser altamente controlado para não gerar problemas devido a atividades descontroladas. De facto, é possível que a evolução tenha confinado esse mecanismo nas mitocôndrias de uma célula especializada – o adipócito castanho – e não em todos os tecidos do organismo, como mecanismo de segurança”, aponta Villarroya.

O estudo poderia trazer novas estratégias para moderar a atividade termogénica em situações patológicas, como o cancro. Nesse contexto, a descoberta da ação local do sistema de autocontrolo endógeno calicreína-cinina sobre o tecido adiposo castanho, abre novos horizontes para futuras armas farmacológicas para combater e controlar as doenças metabólicas.

Consultar estudo Aqui

Universidad de Barcelona/AO

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