Sequenciamento de genoma em larga escala ajuda a gerir surtos

1 de Outubro 2020

Um novo estudo sequenciou mais de 1500 genomas representativos de cerca de 43% dos casos positivos durante a primeira vaga de infeções. Só na Austrália, em Espanha, na India e nos Estados Unidos se sequenciaram mais genomas do que em Norfolk, no Reino Unido

Uma análise aprofundada da sequencia de genoma do coronavírus que circula em Norfilk, no Reino Unido, feita por investigadores do Instituto Quadram e pela Universidade de East Anglia foi capaz de mapear o alastramento do vírus, identificar surtos escondidos e fornecer dados quanto à eficácia de intervenções para travar o alastramento.

Os casos positivos de coronavírus vieram de hospitais na região, organizações de prestação de cuidados e de instalações de teste à Covi-19 drive through, e foram identificados através de testes realizados pelo Serviço Nacional de Saúde inglês e pelo laboratório de microbiologia do Hospital Universitário de Norfolk e Norwich (NNUH). As amostras foram sequenciadas e examinadas para pequenas alterações que indiquem diferentes tipos ou linhagens do vírus SARS-CoV-2.

A equipa identificou 100 linhagens diferentes em Norfolk entre março e agosto. Existiram várias vias de introdução do vírus na região, sobretudo provenientes do Reino Unido ou de outros países da União Europeia. O número de linhagens teve o seu pico cerca de 5 semanas depois do começo do confinamento nacional, com várias a desaparecer rapidamente, o que demonstra a eficácia das medidas de prevenção.

Várias outras conclusões foram retiradas após uma análise mais a fundo:

A análise de amostras de um surto dentro que ocorreu numa instalação de processamento de alimentos concluiu uma forte ligação entre as mesmas, indicando que o vírus se estava a espalhar entre os trabalhadores da fábrica. A identificação da linhagem do surto tornou possível mapear o alastramento do vírus dentro da comunidade e melhorar os esforços de contacto e localização dos infetados. Isto ajuda a identificar vias de contaminação ocultas.

Uma outra linhagem que parece estar associada apenas com um grupo de lares, mas que não se encontra na comunidade mais alargada, foi identificado e está atualmente sob investigação.

Uma coleção de casos associados a um hospital continha várias linhagens, o que indica que estas infeções originaram fora, e não dentro, do hospital.

O número de infeções começou a aumentar de novo, o que mostra o valor da vigilância com base no genoma ao nível local e em apoio às medidas de controlo nacional.

A equipa de investigação de Norwich é liderada pelo Dr. Justin O’Grady e pelo Dr. Andrew Page, e é um de 19 parceiros no COVID-19 Genomics UK Consortium, montado em março para monitorizar o alastramento do vírus pelo país.

Os dados estão a ser partilhados com as agências de saúde do Reino Unido, bem como com académicos internacionais como parte do esforço global para compreender e controlar o Covid-19.

A Dra. Louise Smith, Diretora de Saúde Pública na cidade de Norfolk diz que “é bastante entusiasmante que possamos utilizar tecnologia de ponta, tal como epidemiologia genómica, para nos ajudar a gerir surtos no terreno em tempo real. É imensuravelmente valioso ter a possibilidade de identificar se um surto se deve a uma nova introdução do vírus ou se está ligada a casos locais, e ser possível monitorizar a progressão dos surtos na comunidade. Aprecio e valorizo bastante esta colaboração”.

Acreditamos que isto dá a Norfolk uma das taxas de cobertura per capita de sequenciamento de genoma no mundo”, diz Justn O’Grady do Instituto Quadram e da Universidade de East Anglia. “O sequenciamento de genoma viral oferece uma resolução muito maior do que os métodos epidemiológicos tradicionais, permitindo-nos distinguir entre diferentes clusters. Esta informação é vital, especialmente quando nos dirigimos para um pico de infeções derivadas da segunda vaga”.

“Temos colocado em pratica uma pipeline rápida para o sequenciamento do SARS-CoV-2, com feedback semanal para a gestão do esforço nacional contra a pandemia, enquanto ajudamos também as análises locais sobre os surtos”, disse o Dr. Andrew Page do Instituto Quadram. “Estes marcos alcançados só foram possíveis através de esforços colaborativos entre cientistas, clínicos, gestores de informação e epidemiologistas”, acrescenta.

“A iniciativa COG-UK, para o sequenciamento do genoma do SARS-CoV-2, fornece melhorias no funcionamento dos hospitais ao ajudar os esforços de IPC e ao clarificar os eventos de transmissão dentro dos hospitais, bem como a redução da transmissão do vírus dos hospitais para a comunidade”, disse o Dr. Samir Dervisevic, virologista consultor na NNUH.

“Para além disto, os investigadores do Instituto Quadram a trabalhar em parceria com os virologistas e equipa de Controlo de Prevenção Infeciosa do Hospital Universitário de Norfolk e Norwich estão prestes a começar um estudo de sequenciamento adjuvante que vai permitir a rápida identificação da contaminação por SARS-CoV-2 a nível hospitalar em 24 horas. A rápida utilização do genoma de sequenciamento em situações de surto ajudaria imensamente o esforço para reduzir o risco de espalhar a infeção entre os pacientes vulneráveis, bem como entre o staff. Este tipo de intervenção não ajudaria apenas a gestão dos pacientes, mas providenciaria uma análise tão precisa quanto possível da transmissão intra-hospitalar”.

Os padrões são condizentes com aqueles identificados noutros lugares: a maioria das amostras veio de pessoas idosas, com apenas uma mão cheia de crianças; foram obtidas mais amostras juntos de mulheres do que homens, refletindo os padrões de maior esperança de vida, mas também a maior proporção do sistema de saúde inglês, que é feminina.

Este estudo confirma e acrescenta ao conhecimento sobre o novo coronavírus. O vírus tem um ritmo mutacional genético estável e lento. Uma mutação na proteína pico, ligada a um aumento na transmissão do vírus, veio dominar em Norfolk durante a cronologia do estudo, algo que se refletiu a nível global. Também não existem provas de reinfeção dentro da região, adicionando às provas de que a reinfeção é rara, pelo menos por enquanto.

AG/NR/João Marques

 

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