Prof. Dr. David Ângelo Diretor Clínico do Instituto Português da Face, www.ipface.pt Professor Auxiliar Convidado na Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa

Efeitos do stress na articulação temporomandibular (ATM)

10/04/2020

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Efeitos do stress na articulação temporomandibular (ATM)

04/10/2020 | Consultório

O stress é uma resposta fisiológica e comportamental considerada normal. Surge na maioria das vezes quando o nosso equilíbrio é ameaçado ou perturbado. Faz parte do nosso instinto de sobrevivência. Quando nos sentimos em perigo, o nosso organismo reage rapidamente, num processo automático conhecido como “reação de fuga” ou de “paralisia” – traduzindo-se em stress. 

Infelizmente, os desafios da sociedade moderna provocam em algumas pessoas grandes níveis de stress, várias vezes ao dia. Preocupações constantes, dificuldades, frustrações e exigências fazem parte da nossa rotina diária, e o nosso corpo reage a estes eventos desencadeando stress. Este stress pode ser agudo ou crónico. O stress agudo ocorre de forma episódica no dia-a-dia e pode até ser considerado saudável em algumas situações. No entanto se não for controlado pode evoluir rapidamente para stress crónico. Alguns estudos associam este stress crónico ao trabalho, e ao ambiente difícil que existe em algumas empresas. Num estudo Australiano, podemos observar que 76.7% das pessoas considera o seu trabalho stressante e refere que não haver recursos adequados para executar o trabalho corretamente aumenta ainda mais os níveis de stress. Outros dados que aumentam o stress dos trabalhadores são a má organização da empresa, chefias tóxicas, remuneração baixa, trabalho noturno e ter de lidar com situações inesperadas. 

Mas não é só o trabalho que causa stress. Episódios mais marcantes como um divórcio, a perda de alguém próximo ou conflitos familiares constantes também podem induzir um stress crónico, que poderá até evoluir para um esgotamento (burnout). Em casos específicos o stress psicossocial foi associado a patologia psiquiátrica, nomeadamente à esquizofrenia. Um alerta para os pais que detetem nos seus filhos níveis de stress anormais, uma conduta parental adequada pode evitar problemas de saúde mental no futuro das crianças. Quantos de nós estamos conscientes dos nossos níveis de stress diários? Quantos de nós temos consciência do impacto do stress na nossa vida e no nosso bem-estar? Existe um site onde pode fazer um teste gratuito para avaliar o seu nível de stress e onde pode encontrar estratégias para gerir o stress ( https://www.stress.org.uk/). Poderá ficar surpreendido com os resultados. 

Mas porque é que o stress pode estar associado a problemas da articulação temporomandibular? 

As disfunções temporomandibulares estão associadas a causas multifatoriais, sendo algumas dessas causas fatores como o stress, ansiedade e eventos traumáticos passados. Estes últimos ativam o eixo hipotálamo-hipófise aumentando os níveis de cortisol no corpo. Num estudo recente, onde compararam dois grupos (indivíduos saudáveis e doentes com disfunção temporomandibular) observou-se que no grupo de doentes com disfunção temporomandibular havia um aumento crónico da atividade do eixo hipotálamo-hipófise com aumento significativo dos níveis de cortisol nesses doentes. Ou seja, estes doentes apresentam sinais sugestivos de estar sob stress crónico. 

Uma das nossas respostas ao stress é o apertamento dentário. É um mecanismo de defesa! Imaginemos os nossos antepassados há cerca de 1000 anos atrás, quando se envolviam numa luta ou numa grande caçada: os níveis de stress disparavam para que estivessem no estado de alerta máximo e nas capacidades plenas. Falhar poderia significar perder a vida ou perder alimento para a toda a família. Nestas situações devemos ter os maxilares bem apertados para suportar melhor possíveis impactos na face. Se observarmos atentamente um combate de boxe, os pugilistas têm os dentes bem apertados para se protegerem melhor de impactos na face. O apertamento dentário é uma das nossas respostas ao stress, em que os músculos da face contraem e ficam sob tensão. No entanto, este apertamento dentário de forma repetida contribui para um agravamento das estruturas articulares, por um fenómeno de sobrecarga articular. Este conjunto de situações combina num aumento do risco de problemas da articulação temporomandibular. Diversos estudos científicos identificam uma forte relação entre as disfunções temporomandibulares, o stress e a ansiedade.

A Articulação Temporomandibular (ATM) localiza-se em frente ao ouvido e permite-nos fazer movimentos essenciais como mastigar, falar, sorrir e até bocejar. Em média, a articulação temporomandibular é movimentada 2000 vezes por dia. O normal é não nos apercebermos desta articulação no dia-a-dia. Quando esta articulação dói, estala, limita a abertura normal da boca, sentimos bloqueios articulares, tensão nos músculos da face e nos músculos do pescoço, é nesta altura que nos lembramos da ATM. Quando esta articulação está disfuncional, diz-se que há uma disfunção da ATM (DTM).

Como já referido, raramente as disfunções temporomandibulares (DTM) estão associadas a uma só causa, sendo normalmente múltiplas causas que contribuem para esta patologia. É por isso necessário uma abordagem multidisciplinar para ter sucesso no tratamento. Por vezes, o problema de base pode ser uma má postura, ou um acidente de carro há algum tempo. Temos de fazer uma boa história clínica para termos um bom diagnóstico e um plano de tratamento adequado a cada doente. Por exemplo, este ano, observei na minha consulta cerca de 150 primeiras consultas de dor orofacial e disfunção temporomandibular. Os nossos registos mostram que houve um aumento da procura por esta consulta após o confinamento. É muito provável que o próprio stress e incerteza que a pandemia causou, tenha contribuído para agravar os sintomas dos doentes! Há alguns estudos que já começaram a mostrar essa relação. 

Os sinais e sintomas mais importantes são dor, limitação na abertura da boca, limitação dos movimentos da boca, estalidos ou outros ruídos quando há movimentos da boca (a mastigar por exemplo), tensão dos músculos da face, tensão dos músculos do pescoço, dores de cabeça, cansaço dos músculos da face. A dor pode ser tipo “moinha” que vai e vem com intensidade moderada, ou uma dor constante de grande intensidade causando incapacidade em alguns doentes. Deve haver o cuidado de perceber se há outras patologias associadas, como as enxaquecas ou cefaleias, que podem estar associadas à disfunção temporomandibular. Por vezes, tenho doentes que me procuram por pensarem que têm disfunção temporomandibular mas na realidade têm enxaquecas episódicas. O contrário também é frequente. O facto de termos uma médica Neurologista integrada na equipa ajuda na resolução dos casos mais complexos. Lembro-me de um caso recente, de um doente que tinha parado de trabalhar há 3 anos por dores de cabeça insuportáveis. Quando discuti o caso com a minha equipa sugeri um diagnóstico raro: uma hipotensão espontânea de líquido cefalorraquidiano que se caracteriza por cefaleias ortostáticas associados a uma pressão reduzida do líquido cefalorraquidiano. O diagnóstico foi depois confirmado e o caso acabou bem, tendo o doente recuperado a sua qualidade de vida após tratamento.

Como nota final, a autoperceção individual dos fatores que contribuem para o stress é fundamental. Cabe depois a cada individuo, encontrar mecanismos de reduzir o stress do seu dia a dia. As implicações do stress na articulação temporomandibular são indiretas mas reais, estando sobretudo associadas ao apertamento dos dentes e à contração dos músculos da face e do pescoço. Identificar estes sintomas numa fase inicial é fundamental para não agravar a patologia. Hoje, existem diferentes abordagens terapêuticas para este problema mas um diagnóstico rigoroso é o primeiro passo para o sucesso terapêutico.

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