No programa do evento, a Dra. Brenda Moura destaca as conferências internacionais de Petar Seferovic e Thomas Lusher, mas também as palestras nacionais sobre a revascularização do miocárdio e a doença cardíaca na mulher
HealthNews (HN) – Esta é a primeira edição online do Congresso Português de Cardiologia. O que é que podemos esperar de diferente, e se foi difícil organizar um evento desta magnitude neste novo formato? Fale-nos sobre isso.
Brenda Moura (BM) Este ano [a organização do evento] foi um enorme desafio. Já costumamos devotar um ano à organização do Congresso nos moldes normais. Quando acaba o congresso em abril começamos logo a trabalhar para organizar o congresso do ano seguinte, e foi isso que aconteceu em 2019. Estivemos a trabalhar todo o ano e, no final de fevereiro, já com quase tudo feito, faltando apenas ultimar alguns pormenores nos meses de março e abril, foi quando começaram a houver os primeiros casos de Covid-19, e percebemos logo que seria impossível manter o congresso presencial.
O Congresso Português de Cariologia é provavelmente o maior congresso científico nacional, e costumamos ter cerca de 2.000 a 2.500 congressistas. É de facto um grande evento que envolve muita gente.
Geralmente o congresso tem múltiplas estações com diversas sessões em simultâneo. Tínhamos decidido fazer uma reestruturação do congresso este ano, mas não imaginávamos o que nos esperava…
HN – E como é que estas ideias se vão traduzir agora no evento online?
BM – Ainda pensámos em fazer um congresso hibrido, com algumas sessões presenciais e outras virtuais. O que tínhamos pensado para este formato vamos manter em digital. Portanto, depois de um pequeno reajuste das sessões, vamos ter quatro ou cinco salas simultâneas no congresso. Algumas destas salas são em estúdios, um no Porto e dois em Lisboa, e os moderadores poderão estar presencialmente com os palestrantes a participar virtualmente. Para além disso, temos algumas sessões completamente virtuais.
Escolhemos para estas sessões em estúdio aquelas que eram habitualmente as nossas maiores sessões no congresso, em salas maiores e com mais audiência. É onde vamos falar da hipertensão, dos fatores de risco, da insuficiência cardíaca, doença coronária, entre outros temas.
HN – Têm mais pessoas inscritas do que o costume, ou talvez menos?
BM – Nesta momento, a 2 semanas do congresso, temos já cerca de 1500 inscrições. Vamos seguramente duplicar este valor até ao CPC.
HN – Este congresso acontece durante esta altura crítica. Aliás, este vírus tem fortes implicações a nível cardíaco. Do ponto de vista da cardiologia, quais são as principais preocupações face ao novo coronavírus?
BM – O atingimento cardíaco pelo coronavírus é muito frequente e relevante. E não só o atingimento, mas também a quantidade de doentes suspeitos de atingimento, e que têm de ser examinados.
Temos aqui várias frentes em que temos de nos organizar. Por um lado, temos que tentar manter a nossa atividade aos nossos doentes, que são graves e necessitam de apoio, e por outro temos que estar preparados para toda a avaliação das suspeitas de Covid com atingimento cardíaco. Isto exige uma reestruturação importante do funcionamento do serviço e da nossa maneira de atuar.
Também a propósito desta questão, vamos ter uma sessão que aborda esta temática no congresso; Gestão dos Cuidados de Saúde em tempos de Covid. Esta sessão vai desde o ensino aos alunos, porque temos alunos da faculdade que precisam de acesso ao hospital para ver doentes para a sua formação médica, e vai até à organização dos cuidados de saúde, dos cuidados intensivos e da medicina geral e familiar. Tudo isto tem que ser reestruturado.
HN – Face a todas as medidas impostas pelo governo, desde a utilização de máscaras à reorganização dos hospitais, julga que existe algo mais que pudesse ser feito pelos doentes cardiovasculares?
BM – Não sei se lhe consigo responder a essa pergunta. Como dizia o professor Roncon numa entrevista para a televisão, precisamos que todo o trabalho seja feito a montante. Um doente com Covid-19 internado nos cuidados intensivos é o fim da linha. Precisamos que todo o trabalho seja feito antes disto para que estes doentes não cheguem ao hospital. Para bem de todos. Para que haja menos doentes com Covid, e para que possamos continuar a ver os outros doentes, sem Covid, que continuam a precisar de cuidados médicos.
Sendo os hospitais inundados com doentes com Covid, o que acontece é que se torna impraticável manter as duas frentes. Não só por uma questão de camas, mas também por questões de cuidados, médicos e enfermeiros e auxiliares que não temos. É como ter dois hospitais dentro de um, e chega a um ponto em que não é mais praticável.
HN – Voltando ao congresso. Este tipo de eventos tem sempre espaço para apresentar os últimos avanços e desenvolvimentos na área. Certamente será esse o caso. Quais são alguns dos principais avanços na área da cardiologia que vão ser abordados no Congresso Português de Cardiologia?
BM – Há sempre inovação e coisas novas que vão aparecendo e que têm implicações na prática clínica. Umas podem ser mais mediáticas do que outras, mas há sempre muita inovação.
Vão ser amplamente discutidas algumas inovações que têm que ver com terapêutica dos doentes com insuficiência cardíaca. Porque, de facto, foram inovações marcantes, com estudos publicados nos últimos tempos que mudam e nos fazem questionar a nossa prática clínica e como colocar os novos fármacos que vão aparecendo no tratamento dos doentes. Isto exige reflexão e tem interesse que essa reflexão se faça a nível local, porque as condicionantes variam de país para país.
Mas temos também muita discussão em torno da melhor forma de tratar a doença coronária, e o papel da imagem no diagnóstico da doença coronária é também um tema importante devido às grandes alterações que têm sido feitas às recomendações internacionais, e que têm que ser repensadas ao nível da realidade portuguesa.
Eu diria que este ano temos novidades com impacto clinico para uma grande população médica. É que por vezes temos inovação, mas apenas num setor muito específico, que abrange um setor muito limitado de doentes. Eu diria que estas inovações que temos visto nos últimos meses são impactantes para um grande leque de doentes.
HN – São três dias de congresso com muitas palestras, o programa é extenso. Pedia-lhe que destacasse alguns momentos do programa.
BM – Temos conferências de convidados estrangeiros que são impossíveis de passar ao lado, e por isso vou ter que as destacar. Por exemplo, vamos ter uma conferência do professor Thomas Lusher, que foi editor do European Heart Journal durante muitos anos, que vai ser sobre o papel do microbioma no desenvolvimento da aterosclerose.
Vamos ter uma conferência do professor Petar Seferovic, sobre o tratamento da insuficiência cardíaca no presente e expectativas para o futuro.
Mas temos também sessões de speakers portugueses muito importantes, sobre a revascularização do miocárdio, que é um tema polémico e em voga, com diferentes opiniões sobre a melhor maneira de abordar esta doença. Novidades na abordagem de arritmias, Hipertensão pulmonar, doenças cardíacas congénitas, é difícil escolher…
E tenho de realçar uma sessão sobre doença cardíaca na mulher; assumimos frequentemente que tudo é igual nos homens e nas mulheres no que toca a doença, mas há muitas diferenças. Da maneira como ela se manifesta, à forma de tratar.
E continuamos a ter o apoio à nossa investigação nacional. Vamos ter uma sessão que é a entrega do Prémio Jovem Investigador, em que os melhores trabalhos submetidos vão ser avaliados e vão ter um prémio, porque é importante dar também um palco à investigação que se faz em Portugal e premiá-la. É mesmo muito importante criarmos esta escola a nível nacional.
Entrevista de João Marques
0 Comments