Entrevista ao Professor Salgado Borges sobre a saúde ocular durante a pandemia: “Nesta época de pandemia é fundamental ter mais atenção à miopia e presbiopia”

01/25/2021
Segundo o “Ver-se Bem”, um estudo oftalmológico promovido pela Direcção de Saúde Visual da Essilor Portugal, quase 30% da população notou uma pioria da sua saúde visual desde o início da pandemia. Metade dos inquiridos admitiram passar mais de 8 horas por dia em frente a ecrãs devido à estadia prolongada em casa e ao […]

Segundo o “Ver-se Bem”, um estudo oftalmológico promovido pela Direcção de Saúde Visual da Essilor Portugal, quase 30% da população notou uma pioria da sua saúde visual desde o início da pandemia. Metade dos inquiridos admitiram passar mais de 8 horas por dia em frente a ecrãs devido à estadia prolongada em casa e ao teletrabalho, um fator conhecido por provocar problemas como a miopia. Para o Prof. Salgado Borges, professor convidado da Universidade Fernando Pessoa, no Porto, diretor Clínico da Clinsborges, clínica especializada em Oftalmologia, coordenador do Serviço de Oftalmologia na Lenitudes – Medical Center & Research – e embaixador em Portugal da Tear Film & Ocular Surface Society (TFOS), a pandemia acarreta vários riscos à saúde ocular, sobretudo pela exposição prolongada a ecrãs que podem causar miopia e presbiopia. Nesta entrevista, o Prof. comenta alguns dos resultados do estudo e o impacto da pandemia na saúde ocular da população portuguesa.

HN – Metade dos inquiridos no estudo relata pioras na capacidade visual desde que a pandemia se instaurou. Quais são os principais fatores potenciados pela situação pandémica que prejudicam a nossa saúde ocular?

Prof. Salgado Borges – O número de inquiridos que referem que a sua capacidade visual terá piorado desde o início do período de confinamento deveu-se muito provavelmente por estarem sujeitos ao stress e fadiga visual causados pelo incremento do teletrabalho e utilização crescente e até intensiva de dispositivos digitais.

Mas não só o aumento do tempo de utilização dos dispositivos digitais teve influência neste relato, como a utilização da máscara também agravou a inflamação ocular presente em múltiplas patologias do foro oftalmológico.

Mais de 50 % dos inquiridos referiram dificuldade de sair à rua devido à claridade e 76% das pessoas que usam óculos referiram o incómodo gerado com o embaciamento das lentes associado ao uso de máscara.

Nesta época de pandemia é fundamental ter mais atenção aos erros refrativos, tais como a miopia e a presbiopia, que se manifestaram mais intensamente neste período, tornando-se fundamental alertar para a importância da realização de um exame oftalmológico regular que identifique precocemente possíveis doenças oculares, de modo a evitar que estas evoluam para estados irreversíveis.

Por fim, não nos podemos esquecer que a conjuntivite pode ser uma das primeiras manifestações do vírus, podendo revelar infeções respiratórias das vias aéreas superiores.

HN – O estudo cobre de forma extensa a situação do uso excessivo de ecrãs. Como/porque é que o uso de ecrãs prejudica a visão e que condições causa?

SB – Com o recurso praticamente generalizado do teletrabalho, metade dos inquiridos neste estudo declarou utilizar equipamentos digitais, como o smartphone, o computador e a televisão, mais de 5 horas por dia. De sublinhar ainda que um terço dos participantes diz ter estado frente a ecrãs mais de 8 horas por dia.

Muitas vezes, uma má postura com iluminação deficiente, a par do stress e fadiga visual causada pela exposição prolongada à radiação nociva emanada pelos ecrãs, contribuem frequentemente para um esforço acrescido de todo o sistema visual e potencial progressão de miopia nos mais jovens. O uso prolongado dos aparelhos digitais, promove ainda a diminuição do pestanejo agravando as queixas de dor e desconforto ocular em consequência do Olho Seco, um problema real de saúde pública, mais frequente no sexo feminino e que tende a aumentar com a idade.

Por fim, a correta desinfeção dos ecrãs é de igual forma importante para garantir a segurança de todos, uma vez que existe uma tendência para a partilha de objetos ou mesmo permitir que outros indivíduos utilizem os mesmos aparelhos digitais.

HN – O inquérito cobre também o uso de máscara. Afinal, a máscara pode ou não ser nociva à saúde ocular para além do incómodo que causa a quem utiliza óculos?

SB – A irritação ocular associada ao uso da máscara é muito frequente e mais exuberante em pessoas com antecedentes de inflamação ocular e/ou de olho seco. O aumento do fluxo de ar através da máscara em direção aos olhos durante a respiração tem-se revelado também um fator etiológico complementar muito importante.

Este aumento de fluxo de ar acelera a evaporação contínua do filme lacrimal ao longo de horas ou mesmo dias, traduzindo-se, inevitavelmente, num aumento excessivo da irritação e inflamação da superfície ocular. Os sintomas, ou sinais mais comuns são a presença de olho vermelho persistente, comichão, ardência, sensação de picada ou de corpo estranho e eventualmente lacrimejo. Comum ao tratamento de todas as situações de irritação ocular é a administração de lágrimas artificiais, nomeadamente sem conservantes.

Por outro lado, devido a esse fluxo de ar, o embaçamento das lentes dos óculos revela-se constantemente um problema acrescido ao uso da máscara. Existem hoje lentes com características próprias e processos de limpeza simples e eficazes capazes de diminuírem a dificuldade do uso de óculos nestas condições.

Contudo, numa altura em que o risco de infeção impera, torna-se fundamental, por um lado não descurar o uso da máscara e, por outro, combater e evitar o risco de irritação ocular uma vez que nos leva ao ato continuado e desaconselhado de tocar na face o que pode levar à inevitável propagação deste vírus.

HN – Resumidamente, o que é a presbiopia, que já mencionou mais do que uma vez, e como é que a condição é potenciada pela pandemia?

SB – Conhecida como “vista cansada”, a presbiopia é uma evolução “natural da visão” que se manifesta normalmente após os 40-45 anos de idade, criando uma dificuldade para ver ao perto. Esta anomalia tem tendência para se agravar ao longo dos anos, mas geralmente estabiliza a partir dos 60 anos.

Este estudo revelou que quase metade (47%) dos inquiridos desconhece o que é a presbiopia. No entanto, as descrições dos sintomas demonstram que metade (50%) dos que têm mais 40 anos já revela dificuldade em ler as letras mais pequenas, 35% sente dificuldade em focar ao perto e 27% afirma a necessidade de recorrer a óculos de ver ao perto para conseguir ler.

O uso de óculos é a forma mais comum da correção da presbiopia. Atualmente, é já possível a correção da presbiopia também com o uso lentes de contacto progressivas ou através do recurso a lentes intraoculares multifocais ou de foco estendido que permitem uma boa visão simultaneamente ao longe e ao perto.

A necessidade de uma boa visão ao perto, como recurso fundamental ao teletrabalho da maioria da população e o uso constante e inevitável dos aparelhos digitais, foram os fatores cruciais para a presbiopia ser potenciada e se manifestar mais intensamente nesta altura de pandemia.

HN – A população infantil é uma das menos representadas no estudo. Qual estima que seja o impacto da pandemia na saúde ocular dos mais jovens e que tipo de condições podemos esperar ver surgir com maior frequência no oftalmologista, se é que algumas?

SB – A miopia é um erro refrativo em que existe uma dificuldade ou impossibilidade de ter uma boa acuidade visual na visão de longe. O olho é demasiado longo ou a córnea é muito curva e a imagem forma-se à frente da retina. A sua incidência é elevada, crescente e neste momento existe em mais de 20% da população.

Na maior parte dos casos surge na infância e vai aumentando com a idade e o crescimento, geralmente estabilizando pelos 20-25 anos de idade.

Na sua causa são apontados fatores genéticos, mas também fatores ambientais, dando-se atualmente importância ao uso excessivo dos aparelhos digitais que poderão contribuir para o seu crescimento de forma exponencial nas próximas 2 décadas.

Este estudo revela que ter uma boa visão é a principal preocupação dos pais portugueses (79,5%), à frente de uma alimentação saudável (77,2%) e da boa higiene oral (78,2%).

No entanto, apesar desta preocupação, 90% dos pais declara saber que os ecrãs são um fator de risco para o desenvolvimento da miopia nas crianças, mas apenas pouco mais de metade dos encarregados de educação (55%), admite a possibilidade de limitar o uso destes dispositivos.

Entrevista de João Marques

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