Mariana Monteiro fala sobre obesidade: “É um mau pronúncio quando temos pessoas jovens a padecer desta doença”

02/04/2021
A obesidade é um problema de saúde pública em Portugal. A endocrinologista da Universidade do Porto alerta que mais de 50% dos portugueses sofrem de excesso de peso, tornando-se preocupante quando é diagnosticada em "idades mais jovens".

Mariana Monteiro sublinha que não são apenas os maus hábitos alimentares e a falta de exercício físico que causam esta doença, existindo “fatores genéticos” que contribuem para a obesidade. Sobre os avanços terapêuticos nesta área a especialista mostra-se confiante e afirma que “aquilo que vai acontecer na próxima década vai ser um passo gigante”.

HealthNews (HN)- A obesidade é um problema de saúde pública em Portugal?

Mariana Monteiro (MM)- Sim, em Portugal e no mundo.

HN- Conhecem-se valores de prevalência?

MM- A prevalência do excesso de peso e obesidade, em conjunto e na população adulta, é superior a 50%. Quer dizer que mais de metade das pessoas em Portugal são atingidas por esta doença.

A obesidade aumenta com a idade, mas as pessoas que têm uma obesidade em idades mais jovens tendencialmente vão ter uma obesidade mais severa na idade adulta. Portanto, é um mau pronúncio quando temos pessoas jovens já a padecer desta doença.

HN- A partir de que momento a obesidade se torna um verdadeiro problema?

MM- A obesidade por definição é um doença porque consiste no excesso de gordura corporal. Do ponto de vista do nosso funcionamento como organismo estamos preparados para ter um determinado excesso de gordura. Ao termos esses teor excessivo de gordura ela vai condicionar alterações no funcionamento do nosso metabolismo, da nossa mecânica e também leva a alterações mentais.

A obesidade é uma doença e a partir do momento em que temos um valor de excesso de peso definido para os níveis de obesidade estamos perante um problema.

HN- E como se pode prevenir?

MM- A obesidade pode-se prevenir tendo um estilo de vida saudável e, essencialmente, adaptando a nossa ingestão ao nosso gasto energético desde o nascimento. A partir do momento em que a nossa ingestão calórica supera aquilo que conseguimos gastar significa que vai haver uma acumulação de energia sob a forma de gordura e haverá numa primeira fase excesso de peso e depois obesidade.

Claro que o estilo de vida não são as únicas causas para a obesidade. Existem outras causas que podem contribuir: desde o fator genético aos medicamentos.

HN- Quais as atuais terapêuticas disponíveis para o tratamento da obesidade em Portugal?

MM- Quando vemos uma pessoa com obesidade temos sempre uma pirâmide que vamos escalando. Essa pirâmide tem na sua base a intervenção não medicamentosa, ou seja, em qualquer tratamento que se faça – mesmo medicamentosa – tem que ter sempre por base a intervenção do ponto de vista nutricional e do exercício. Tudo o que façamos mais é adicional a este tipo de intervenção.

Do ponto de vista farmacológico temos disponíveis no mercado europeu três fármacos que estão licenciados para o tratamento da obesidade. Um deles é o mais antigo que é o orlistato e funciona só no intestino, tem uma eficácia que ronda os 5%. No entanto, existem fármacos mais recentes que são dirigidos ao tratamento da obesidade e nomeadamente com o objetivo de diminuir o apetite e fazer perder peso. Um desses é a liraglutida que é uma molécula que é parecida com uma hormona que o nosso organismo produz sempre que comemos e que é responsável por dar sinais ao nosso cérebro para parar de comer e para começar a gastar a energia acumulada. O indivíduo que for tratado com esse medicamento vai ter menos apetite, vai comer menos e vai emagrecer.

Existe ainda outra classe de fármacos que inclui a naltrexona/bupropion que tem um mecanismo de ação que não é tão fisiológico. Este vai no fundo atuar no cérebro, inibindo o apetite ao desencadear mecanismos que estão relacionados com as nossas defesas enquanto espécie.

HN- Qual a sua experiência com estes medicamentos?

MM- A minha experiência clínica, em particular, com o medicamento liraglutido é boa. É um medicamento que é bem tolerado e é eficaz. Há doentes que não respondem bem a este medicamento, mas este número é muito reduzido e nós conseguimos ver ao final de 12 semanas de tratamento. Se após estas semanas o doente não apresentar resposta não vale a pena continuar. No entanto, quando a resposta é positiva os doentes ficam muito satisfeitos. É um medicamento muito seguro. Ao contrário de outros medicamentos que atuam a nível do sistema nervoso central e que tira os nossos mecanismos de defesa e que podem ter outras manifestações psiquiátricas ou cardíacas que não nos dão a mesma segurança que um medicamento que é baseado num mecanismo fisiológico.

HN- Quais são os principais avanços no tratamento da obesidade?

MM- Posso dizer que nas últimas duas décadas foram bastantes, mas, de facto, não tem sido o suficiente como aquilo que desejaríamos. Temos um problema que é galopante e aquilo que vai acontecer na próxima década vai ser um passo de gigante comparado com aquilo que já aconteceu nas duas décadas anteriores. Há muitas moléculas que estão em ensaio e isso vai ser muito bom para os doentes e para a satisfação dos clínicos que se esforçam tanto pelo seus utentes.

Entrevista por Vaishaly Camões

1 Comment

  1. Maria Brás

    Gostaria de saber se eu posso tomar um desses medicamentos, tenho psoriase e artrite psoriatica e faço medicação biológica. Obrigada.

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