O 15º Congresso Português do AVC realizado entre 04 e 06 de fevereiro ficou marcado pelo debate sobre o impacto da hipertensão (HTA) no risco de eventos cardiovasculares e na demência. Especialistas falam numa nova “pandemia”, responsável pela morte prematura de mais de 10 milhões de pessoas todos os anos e alertam para a necessidade de novas estratégias prevenção e tratamento.
A sessão online “Hipertensão arterial: a raíz de todos os males?”, contou com a participação do médico neurologista do Hospital de Cascais, Fernando Pita, e do Diretor do Serviço de Cardiologia no Centro Hospitalar Gaia/Espinho, Ricardo Fontes-Carvalho.
Através de duas visões completamente diferentes os especialistas encontram várias linhas em comum. Ambos alertam que a hipertensão é um dos principais fatores de risco de eventos cardiovasculares e do acidente vascular cerebral.
No arranque da sessão Fernando Pita começa por afirmar que “a hipertensão é como sabemos o mais importante e principal risco para a ocorrência de acidente vascular cerebral”. De acordo com o neurologista, a HTA resulta em todos os tipos de AVC.
Para sustentar a afirmação Fernando Pita menciona o estudo internacional “Global Burden of Disease Stude” realizado em 2013 em mais de 188 países, que demonstra que a hipertensão é o fator de risco mais importante para o AVC. Os dados revelam que: o risco é igual em homens e mulheres, para todo o tipo de AVC e quando mais grave a hipertensão, maior o risco.
“A hipertensão e o AVC estão etiologicamente implicados nas demências e são um fator ativo para a doença neurogenerativa Alzheimer”, garante o neurologista. Para o especialista “nunca é tarde de mais para tratar a hipertensão”. De facto considera que o tratamento da hipertensão é uma das estratégias mais eficazes, uma vez que previne tanto o AVC isquémico como o hemorrágico. “O tratamento com fármacos anti-hipertensivos reduz o risco de AVC em 32% e 30% nos AVC recorrentes. Os doentes podem verificar os benefícios do tratamento em três anos.”
“O controlo tensional tem um papel essencial que permite reduzir a incidência e mortalidade por AVC”, acrescenta.
Relativamente à demência o neurologista alerta para o “aumento exponencial” que se tem vindo a verificar entre 1994 e 2013. Estudos apontam que houve um aumento da sua prevalência em cerca de 50%. Os números preocupam Fernando Pita que fala na possibilidade de assistirmos a uma numa outra pandemia “tal como o AVC e a Covid-19”.
Fatores de risco vasculares como a obesidade (IMC > 30), tabagismo, hipertensão, diabetes e colesterol elevado podem contribuir para a ocorrência de demência.
De acordo com o especialista existe uma serie de fatores de risco que “se forem suscetíveis de uma intervenção podem reduzir a prevalência da demência 60 ou 70 anos mais tarde”. No caso da infância e da juventude o baixo nível educacional é um fator de risco. No caso dos adultos entre os 45 e 65 anos os fatores de risco incluem: a perda de audição, hipertensão, obesidade, lesão cerebral traumática, consumo excessivo de álcool. Já em pessoas com mais de 65 anos o tabagismo, a depressão, o isolamento social, a inactividade física, a diabetes e poluição do ar podem contribuir para a demência.
Fernando Pita conclui que a hipertensão tem uma “correlação direta” com a demência e chama a atenção para o facto de as principais demências terem um componente vascular calculado em cerca de 80% na doença do Alzheimer. “Cabe-nos, como agentes de saúde, integrar estratégias de prevenção de AVC e da demência”.
A partir de uma outra visão, o cardiologista, Ricardo Fontes-Carvalho aborda a forma como a hipertensão impulsiona doenças cardiovasculares, admitindo que poderá ser efetivamente “a raíz de muitos males”.
Segundo um estudo publicado na revista científica The Lancet “a hipertensão é o fator de risco que mais contribui para a mortalidade mundial”, estando à frente de outros fatores de risco como: sexo desprotegido, o tabagismo e o consumo de álcool.
Ricardo Fontes-Carvalho reforça que mais de um bilião de pessoas são afetadas pela HTA, havendo tendência para aumentar. “A HTA poderá contribuir para a mortalidade prematura, sendo responsável por mais de 10 milhões de óbitos por ano.”
A hipertensão para além de provocar complicações neurológicas, também representa um risco para as doenças cardiovasculares, nomeadamente insuficiência cardíaca. O cardiologista assegura que existe uma “relação contínua” entre a hipertensão e o risco de eventos cardiovasculares.
Fontes-Carvalho revela ainda existe uma relação entre a HTA e o risco de doença coronária. “Na doença coronária, apesar de o principal fator de risco ser a dislipidemia, a hipertensão tem de facto um peso importante no aparecimento de doença coronária, enfarte, angina ou de outras manifestações de doença coronária”.
Na área da cardiologia a hipertensão está associada a duas doenças com prevalência crescente: a insuficiência cardíaca e a fibrilhação auricular.
O cardiologista aponta, assim, que mensagem central que deve ser passada é a ideia que “tratar a hipertensão é também prevenir o risco de aparecimento de IC.”
“O controlo da pressão arterial, não reduz só a doença coronária, mas tem um grande impacto na redução do risco de insuficiência cardíaca de quase 40%. Começamos a perceber que controlos mais intensivos da pressão arterial reduzem eventos cardiovasculares e hospitalizações”, acrescenta.
Relativamente as guidelines mais recentes sobre a abordagem e tratamento da HTA, Fontes-Carvalho sublinha “três ideias-chave” transmitidas pelas autoridades europeias.
Uma das primeiras recomendações diz respeito à importância da medição em ambulatório da pressão arterial (o doente deverá ser ensinado a medir a PA correctamente); a segunda “ideia-chave” aponta que a decisão de tratar ou não o doente, depende não tanto do valor da pressão arterial, mas sobretudo do seu risco cardiovascular (um doente mesmo que tendo pré-hipertensão, se for um doente de alto risco cardiovascular deve iniciar tratamento, uma vez que estes doentes têm um risco maior de desenvolver um evento cardiovascular ou AVC quando atingem valores mais baixos de pressão arterial); a última “ideia-chave” recomenda, sobretudo na população jovem, valores alvo mais baixos do que os que eram habitualmente recomendados (o controlo a longo prazo da hipertensão deve ter como alvo 130-80 e não os 140-40 que eram tradicionalmente recomendados).
Para encerrar a sessão Ricardo Fontes-Carvalho conclui, tal como Fernando Pita, que é essencial apostar na prevenção da hipertensão e de novas estratégias de tratamento. “O juramento hipocrático diz que o médico deve fazer tudo aquilo que pode para salvar vidas, salvar a saúde ou pelo menos aliviar o sofrimento. Hoje em dia, temos a evidência clara de que tratar a hipertensão diminui o risco de complicações cardiovasculares”.
HN/Vaishaly Camões
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