Embora o processo inicial de desenvolvimento da placa aterosclerótica possa demorar décadas, o evento clínico pode ser precipitado por vários fatores que tornam essa placa instável. A hipertensão é um dos mais comuns, de acordo com João Sequeira Duarte, presidente da Sociedade Portuguesa de Aterosclerose.
HealthNews (HN) – A aterosclerose é uma doença lenta e progressiva. Quais são as consequências?
João Sequeira Duarte (JSD) – A aterosclerose é uma doença que nos acompanha ao longo de toda a vida. Inicia-se na infância, sob formas sub-clínicas, com a deposição das primeiras estrias lipídicas, sobretudo na aorta abdominal, e vai-se estendendo, ao longo da vida, por todos os territórios vasculares.
Estas estrias lipídicas são sobretudo decorrentes da acumulação de partículas de lipoproteínas de baixa densidade, oxidadas e glicadas, ou seja, alteradas de alguma forma. Normalmente, estas lipoproteínas alteradas permanecem mais tempo em circulação, como acontece na população diabética.
Esse tipo de população desenvolve placas mais cedo, mais extensas e mais graves, que vão condicionando o estreitamento do diâmetro dos vasos.
HN – A hipertensão é um dos fatores que pode precipitar o evento clínico?
JSD – Enquanto que o processo inicial de desenvolvimento da placa pode demorar décadas, o evento clínico pode ser precipitado por diversos fatores que tornam essa placa instável. Entre esses fatores, a hipertensão arterial é, provavelmente, um dos mais comuns, já que afeta um terço da população no hemisfério Norte, com uma prevalência crescente em função da faixa etária. Assim sendo, os mais velhos têm mais eventos, e mais graves. Mas, pontualmente, os mais jovens também são atingidos.
Ambas as entidades são multifatoriais. Envolvem os grandes e os pequenos vasos e também têm em comum o mau funcionamento do revestimento interno das artérias, o endotélio, que possui um papel regulador importante no diâmetro dos vasos, na sua elasticidade e na sua função.
Na clínica, longe dos grandes centros de investigação, percebemos o envelhecimento arterial quando medimos a pressão arterial e verificamos que a tensão máxima e mínima se vão afastando ao longo das décadas de vida. Isso significa, à partida, menor elasticidade e menor saúde vascular.
À medida que as paredes dos vasos perdem elasticidade, a pressão da TA sistólica na parede arterial aumenta. Isso conduz ao desgaste do endotélio, que reage e expressa marcadores de inflamação, atraindo células inflamatórias.
Este é fundamento científico que explica porque razão a aterosclerose é uma doença descontínua, atacando em primeiro lugar as zonas de bifurcação dos vasos arteriais, que constituem as zonas de maior turbulência em termos de hemodinâmica.
HN – Qual é a importância relativa do estilo de vida e da genética no desenvolvimento da aterosclerose?
JSD – As medidas de estilo de vida que todos devemos seguir ao longo de toda a vida são absolutamente essenciais para “dar anos à vida e vida aos anos”.
Um estudo científico realizado há alguns anos estudou cerca de meio milhão de pessoas com o objetivo de identificar os genes suscetíveis de provocar doença cardiovascular e os genes protetores. Simplificadamente, as conclusões apontam que o melhor de tudo é ter bons genes e bom estilo de vida, mas as pessoas com maus gentes e um bom estilo de vida têm menos eventos cardiovasculares do que aquelas que possuem bons genes e um mau estilo de vida. Ou seja, serve-nos de pouco herdar bons genes se depois acabamos por torná-los disfuncionais.
Este é todo um admirável mundo novo que a ciência tem vindo a desbravar e que abre oportunidades não só de intervenção mas, sobretudo, de prevenção.
HN – Considera que a pandemia de Covid-19 veio reforçar a ideia de que a prevenção compensa?
JSD – Com o envelhecimento da população e sem apostar na prevenção, não há cuidados de saúde que resistam, como esta pandemia demonstrou. O sistema de saúde é bastante elástico mas tem limites.
Contudo, combater a obesidade e o sedentarismo, sendo fácil de proclamar, para algumas pessoas é difícil de implementar ao longo da vida.
Acreditamos, contudo, que é possível melhorar o esforço de consciencialização social e de literacia da população.
Há muitos anos, o Prof. Massano Cardoso afirmava que a melhor ferramenta para combater a obesidade e as doenças cardiometabólicas é a licenciatura. As pessoas com um grau de instrução superior têm claramente menor prevalência de obesidade e de todo este contexto de doenças cardiometabólicas que lhe estão associadas: hipertensão, aterosclerose, diabetes e mais de um dezena de cancros. O stress oxidativo e a alteração do DNA, como referi atrás, torna algumas pessoas mais suscetíveis. E isto é verdade para o Homem e para a maioria das espécies animais.
Entrevista de Adelaide Oliveira
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