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José Alexandre Abrantes: “Muitas vezes a identificação de um doente sético não é feita atempadamente”
A sépsis é apontada como uma das principais causas de morbilidade e mortalidade nas Unidades de Cuidados Intensivos. A propósito do Dia Mundial do Enfermeiro, José Alexandre Abrantes, Gestor do Serviço de Medicina Intensiva, UNEIC II do CHULN, reforça a importância da intervenção atempada e das hemoculturas em casos de suspeita de sépsis. Apesar de apontar algumas práticas erradas, o também coordenador de enfermagem da VMER do Hospital Santa Maria, sublinha o papel dos enfermeiros na gestão dos cuidados destes doentes.
HealthNews (HN)- As hemoculturas são exames que permitem a deteção microorganismos invasores no sangue, tornando-se essenciais nos serviços de urgência. Em que situações é que são indicadas as hemoculturas?
José Alexandre Abrantes (JA)- São indicadas sempre que estamos perante um doente que apresenta parâmetros inflamatórios com resultados em crescendo sem uma causa identificada.
Muitas vezes os doentes apresentam sinais inflamatórios sem que seja necessário fazer hemoculturas. Isto acontece, por exemplo, no caso de um paciente que tenha uma ferida que está infetada e, portanto, podemos iniciar antibioterapia dirigida a infeções na pele.
Quando é uma situação sistémica, em que não é evidente qual o ponto de partida ou esse ponto de partida possa estar relacionado com a existência de algum dispositivo médico invasivo, é indicado fazer hemoculturas, retirar o dispositivo e depois adequar a antibioterapia consoante o microorganismo identificado no resultado do exame.
No caso de um doente com sépsis devem fazer-se logo hemoculturas e iniciar-se antibioterapia de largo espetro. A ideia é tentar cobrir a maior parte dos microorganismos possível e após resultado das hemoculturas fazer os ajustes terapêuticos necessários, nomeadamente podendo alterar ou diminuir a carga antibiótica inicial.
HN- O rastreio deve ser feito a que doentes?
JA- Em qualquer doente admitido numa unidade de cuidados intensivos, se não tem análises laboratoriais prévias, as hemoculturas fazem parte do painel de entrada. Estas análises permitem despistar se a causa da falência desse órgão ou sistema, que leva o doente à UCI, está relacionada com um micro-organismo.
Depois de estar identificada a infeção e a antibioterapia só se repete a hemocultura caso haja um agravamento dos parâmetros inflamatórios do doente. Isto pode querer dizer que há outro microorganismo ou há falência do antibiótico instituído. Nesse caso é indicado fazer uma nova hemocultura e “escalarmos” os antibióticos até termos um novo resultado a identificar qual é o agente.
HN- O tratamento do paciente irá depender do diagnóstico que é obtido. No entanto, sabe-se que a contaminação das hemoculturas é um problema frequente em qualquer serviço hospitalar. Que tipo de cuidados devem ser tidos para que evitar falsos positivos?
JA- Discordo um pouco com essa afirmação, embora esteja em toda a literatura. Temos uma percentagem inferior a 0,1% de suspeita de contaminação. Penso que isso esta relacionado com a experiência dos profissionais e o conhecimento das boas práticas. É muito importante o uso de técnica assética na colheita por parte do profissional e uma boa desinfeção da pele do utente. Neste momento aquilo que é mais indicado são soluções alcoólicas iodadas porque cobrem a maior parte de estirpes existentes na pele. Não havendo nenhuma alergia estas soluções são as mais eficazes para a flora que todos nós temos na pele.
Desde que os passos seja rigorosamente cumpridos (desinfeção e técnica correta decolheita) é possível garantir a qualidade das hemoculturas.
HN- Consegue identificar algumas práticas erradas?
JA- Se os frascos das hemoculturas vêm sem tampa é preciso desinfetar com álcool antes de injetar o sangue colhido.
Muitas pessoas trocam de agulha o que também é uma prática errada e que às vezes pode levar à contaminação. Às vezes pode haver erros técnicos que viabilizam a contaminação.
Há outras técnicas que por facilidade são erradas, nomeadamente o doente ter um cateter central e não ter bons acessos e fazer-se a colheita na mesma. São procedimentos que podem provocar contaminação porque pode haver contaminação do dispositivo, que não provoca infeção ao doente, mas que provocar uma alteração dos resultados. Nós nas UCI usamos colheitas do cateter central e da linha arterial, mas no momento da sua colocação. Nunca se devem utilizar dispositivos que já estão introduzidos no doente para fazer colheitas para hemoculturas.
HN- Considera que a formação hoje ministrada aos profissionais de saúde que lidam com sépsis e choque sético é suficiente para a melhoria contínua das intervenções?
JA- Se formos ver as publicações que existem e a informação que está disponível é mais do que suficiente. Uma coisa é o que está publicado e outra é o que se faz.
Apesar da via verde sépsis estar publicada há quase vinte anos, com vários updates, em muitos sítios ela ainda não é cumprida. Muitas vezes a identificação de um doente sético também não é feita atempadamente. No meio disto tudo o que acontece é que há um atraso muito grande no início da antibioterapia e isto faz toda a diferença. Num doente com maus acessos não se pode atrasar a antibioterapia. Temos é que reportar que já fizemos a administração de determinados antibióticos. Esse é outro aspeto problemático, às vezes o que acontece é o atraso na prescrição. O doente entrou, foi sinalizado, fez-se a hemocultura, mas a prescrição do antibiótico aparece duas ou três horas depois. Este atraso pode fazer a diferença entre sépsis ou um choque sético.
Se cumprirmos as guidelines que estão publicadas internacionalmente, e até na nossa DGS, penso que as coisas estão perfeitamente claras.
HN- Tendo em conta que se assinala o Dia Mundial do Enfermeiro gostaria de deixar uma mensagem?
Aquilo que eu posso dizer é que perante tudo aquilo que passamos e estamos a passar é que, de facto, somos grandes e dizemos sempre PRESENTE.
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