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A minha vendeta pessoal com a palavra missão
Vou em missão – expressão que significa o ato de se deslocar para um local com mais dificuldades do que o local de onde partimos, com a finalidade de ajudar e deixar as coisas um bocadinho melhores do que estavam antes de lá chegarmos. Definição demasiado redutora? Talvez. Discriminatória para as regiões em necessidade? Só se conhecerem algum caso de alguém a dizer que foi em missão para um sítio rico. Pouco ambiciosa? Aí discordamos, e é nestas últimas duas questões que surge o meu problema com a palavra missão.
Em julho de 2017, no meu primeiro ano do curso de Medicina, estive um mês na Universidade AUTh de Thessaloniki, Grécia, a participar num projeto chamado LLMCare, que estava relacionado com a recolha de dados e a monitorização da atividade física em doentes com doença de Parkinson.
Em julho de 2019, no terceiro ano de Medicina na Universidade do Minho, estive um mês no Hospital Regional de Bafatá, Guiné-Bissau, a participar num projeto chamado Porta Nova, onde enquanto estudante acompanhava os médicos e enfermeiros deste Hospital, que me ensinavam medicina tropical de uma forma muito prática e tátil.
No entanto, se quando falo da Grécia digo que fiz um intercâmbio, quando me refiro à Guiné-Bissau já utilizo a palavra missão. Porquê? Enquanto voluntário do Porta Nova, além de ter integrado a equipa médica (enquanto estudante) durante 5 semanas no Hospital Regional de Bafatá, também doámos cerca de 100kg de material médico para um hospital, que para poder avançar com tratamento, tem de ser o próprio paciente a comprar tudo. TUDO: “Lacerou o escalpe e precisa que lhe encerrem a ferida? Muito bem, vamos já tratar disso, só depois do seu familiar se dirigir à farmácia ali ao lado e comprar compressas, luvas, soro fisiológico, fio de sutura e antibiótico”. E, é por esta componente do material doado ao hospital e das feiras da saúde que o Porta Nova tem em desenvolvimento na comunidade, que as missões assim foram apelidadas.
Deste modo, o termo mais correto talvez seja missão. Então para quê mudar? “Ir em missão” pode trazer aos voluntários, como a mim me trouxe, um sentimento de super-homem capaz de mudar o mundo. E embora este se desmorone no momento em que aterramos no destino, é importante gerir expectativas. O progresso é lento e certamente não será um grupo de 4 ou 5 estudantes que em 5 semanas vão conseguir alterar problemas sistémicos de uma comunidade. Agora, estes estudantes vão adquirir experiência e vontade de querer tornar a medicina humanitária parte do seu quotidiano, enquanto futuros especialistas.
Enquanto Presidente da Associação de Voluntariado Porta Nova, sinto que há necessidade de nos demarcarmos da palavra missão, pois nem nós somos missionários – que o dicionário define como pessoas que pregam uma religião, no intuito de converter à sua fé -, nem temos o poder para melhorar o futuro de uma comunidade, muito menos em cerca de 35 dias, duração atual das missões do Porta Nova no estrangeiro.
Assim sendo, qual será o termo que devo usar para substituir missão? Intercâmbio implica uma troca, estágio poderia ser redutor, projeto soa demasiado abstrato. Gostaria de saber responder a esta pergunta, e tenho-me questionado incansavelmente, ainda sem uma resposta concreta. Sugestões aceitam-se.
Mas será que ao nos demarcarmos da palavra missão estamos a tornar o nosso trabalho menos notório? Não, de todo. Independentemente da palavra utilizada para descrever a missão do Porta Nova, o rumo não muda. Somos um grupo de estudantes de medicina da Universidade do Minho que querem ser mais do que apenas médicos. Sentimos a necessidade de incluir a medicina humanitária no nosso percurso académico e daí surgiu a Associação de Voluntariado Porta Nova. E, se por um lado sei que os voluntários, este verão, vão chocar com a pequeneza do voluntário que quer ajudar quem mais precisa, tenho a certeza de que esta experiência de voluntariado médico não lhes será pequena.
João Sousa Martins – Presidente da Associação de Voluntariado Porta Nova
Missão também significa
1. Acto de enviar ou de ser enviado.
2. Encargo, incumbência, desempenho de um dever.
Quando se quer adotar uma política em meio empresarial, começa por se definir a sua missão.