O papel da telessaúde durante e depois da pandemia

31 de Maio 2021

No webinar "O papel da telessaúde para dar resposta a todos os doentes que não podem ficar esquecidos", promovido pela Academia Linde Saúde, que decorreu no passado dia 24, discutiu-se o que foi feito e o que faltou fazer durante a pandemia de Covid-19.

Os intervenientes não concordaram em todos os pontos debatidos, mas a importância da telessaúde não foi posta em causa por nenhum deles.

Henrique Martins – médico e Professor no ISCTE – Instituto Universitário de Lisboa e um dos criadores do plano estratégico de telessaúde nacional – não escondeu a sua insatisfação perante o que ficou por fazer em Portugal durante a pandemia.

“Não consigo entender”, confessou Henrique Martins, “como é que não se despendeu muito mais esse tipo de ofertas simples, obviamente associadas a um centro ou dois de monitorização”, lamentando que alguns dos números da telemedicina sejam de chamadas telefónicas.

Segundo o médico, não há falta de tecnologia, nem de exemplos, mas sim de “coragem para determinar que há certos subgrupos de doentes que devem obrigatoriamente ter certo tipo de telecuidado”. Por isso, há que mudar de “um pode para um deve”, defendeu.

“As organizações de saúde, e eu sei do que falo, quer no público, quer no privado, não estão preparadas (mas podem preparar-se rapidamente) para desenhar processos híbridos. Portanto, [é preciso] olhar para os seus fluxos de atendimento e fazer uma pergunta muito simples: quais são as etapas onde podemos beneficiar de teleassistência?”, acrescentou.

Depois, a Professora Dulce Brito falou da sua experiência enquanto coordenadora de um programa de telemonitorização em insuficiência cardíaca no Centro Hospitalar Lisboa Norte.

Para a cardiologista, os portugueses precisam de saber “como fazer e porquê”, porque a vontade e a criatividade já cá estão.

O “problema está no que se deseja com a telemonitorização, para que populações, como é que é a logística, como é que se gere a logística de atuação no sistema de saúde, como é que os dados são incorporados no sistema de saúde existente”, continuou Dulce Brito, que falou da sua relação virtual com os doentes para mostrar que a gestão de dados é um grande desafio.

“Agora imaginem o que é uma grande plataforma gerando diariamente biodados, dezenas de dados por doente, ou muitos dados por doente, centenas ou milhares de doentes a mandarem alertas para uma plataforma, cada um com necessidades diferentes. Como é que se gere isto?”

Os doentes são todos diferentes, portanto precisam de cuidados personalizados, sublinhou a cardiologista, e “ninguém suporta ser medido, ser avaliado ou autoavaliar-se todos os dias, ou muitas vezes por semana, e só assim este programa à distância funciona”. Este último ponto baseia-se em grandes estudos nos Estados Unidos e na Europa, nos quais se verificou que “ao fim de alguns meses, os doentes não aderem” à telemonitorização, explicou Dulce Brito. Outro ponto que ditou o insucesso de alguns programas foi a incapacidade de atuação perante os alertas dos doentes.

Contudo, Dulce Brito partilha da opinião de Henrique Martins de que a telessaúde está subaproveitada.

“A telemonitorização pode ser uma ajuda preciosa para tentar evitar que estes doentes [com insuficiência cardíaca] descompensem”. Mas “é preciso organização e saber meter as pessoas certas a dar palpites nos locais certos”.

Sobre o seu programa, a cardiologista disse que este conseguiu reduzir as hospitalizações em 71% e que a equipa espera continuá-lo e continuar “a personalizar. Se não forem 40 [doentes], são 50, 60, mas nunca serão seguramente com mais um zero”, porque, segundo Dulce Brito, “pode-se monitorizar pouca gente muito bem durante muito tempo, mas não se pode monitorizar muita gente muito bem e com resultados eficazes durante muito tempo”.

Teresa Magalhães – Professora da Escola Nacional de Saúde Pública da Universidade Nova de Lisboa e coordenadora do grupo de trabalho de gestão de informação em saúde da Associação Portuguesa de Administradores Hospitalares – trouxe de seguida para o centro da discussão a perspetiva de quem administra os hospitais.

Começou por falar da sua experiência enquanto promotora interna de telessaúde, recordando que “havia diversas iniciativas por parte dos profissionais de saúde, que queriam fazer, que tinham ideias bastante interessantes para fazer, mas a maioria delas era do desconhecimento ou do respetivo administrador hospitalar ou do próprio conselho de administração”. “Portanto”, prosseguiu, “os conselhos de administração não estavam, nem os próprios administradores, abertos para esta nova forma de poder trabalhar e de prestar cuidados e também, na minha opinião, não reconheciam ou não percebiam o que poderiam retirar de benefício para a própria instituição”.

Em 2019, o barómetro de telessaúde da Associação Portuguesa dos Administradores Hospitalares revelou que “apenas 53%” das entidades inquiridas consideravam a telessaúde uma prioridade. “Como é lógico, se fizéssemos esta pergunta hoje, acho que o resultado seria completamente diferente”, por causa da pandemia de Covid-19, referiu Teresa Magalhães.

No mesmo inquérito, “foi respondido, na sua maioria, que a telessaúde promove uma melhoria no acesso aos cuidados de saúde, que desempenha um papel muito importante na monitorização remota dos doentes crónicos e promove uma melhor autogestão da doença”, acrescentou.

“Se nós tivermos um programa de teleconsulta que seja complementar a consulta assistencial, temos com certeza muito melhor organização dos nossos recursos internos, dos nossos espaços”, disse a Professora da Nova.

Maria João Vitorino, que interveio antes e depois dos restantes participantes, apresentou números da realidade portuguesa.

Em 2020, a nível de cuidados de saúde primários, “versus o período homólogo, verificou-se uma redução significativa das consultas médicas presenciais, em mais de 7,8 milhões de consultas, mas verificou-se um aumento dos contactos médicos não presenciais, em 9,3 milhões”.

Nos cuidados hospitalares, “e pensando nas consultas externas das várias especialidades, verificou-se também uma redução significativa: 1,3 milhões de consultas a menos externas. Significou menos 11% do que em 2019. Mas as consultas da telemedicina subiram em 50%, apesar de se verificar um número muito envergonhado”.

Maria João Vitorino alertou que há “3,6 mil milhões de pessoas que continuam offline a nível global” e não devem ser esquecidas. Depois, a diretora da Linde Saúde Portugal – entidade que promoveu o webinar – enumerou alguns benefícios da telemonitorização: “pode contribuir para a recuperação pós-pandemia; pode contribuir para aumentar a capacidade do ecossistema da saúde, com as intervenções à distância, com a recolha de dados periódica, aumentando o acesso do cidadão, do indivíduo com patologia crónica, e com evidência já criada”.

HN/Rita Antunes

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