“As iniciativas do passado falharam, eu apoio os processos de ajuda, mas, em muitos casos, nada disto funcionou porque não fizemos o que era necessário para recuperar estes países”, disse David Cameron, atual membro da presidência do Conselho sobre Fragilidade dos Estados.
Na primeira sessão da 2ª Conferência sobre a Fragilidade dos Estado dedicada à “Pandemia, Vacinação e Solidariedade: Implicações nos Países Frágeis”, que decorre por videoconferência, Cameron defendeu novas formas de atuação em relação aos Estados mais fragilizados e atualmente mais afetados pela crise sanitária.
“Precisamos de realismo e não de idealismos, é preciso reconhecer que nos Estados frágeis há instituições frágeis, corrupção, níveis muito baixos de confiança ou recuperação de conflitos. Tentar conseguir todos os objetivos ao mesmo tempo e ter ideias grandiosas sobre o que pode ser feito não ajuda”, disse.
“É preciso estar atento às prioridades locais em vez da prevalência das necessidades internacionais” acrescentou, sublinhando que é fundamental o trabalho direto com os governos.
“As intervenções bem-intencionadas de auxílio falham porque acabam por minar os próprios governos e as instituições que pretendem ajudar. Trabalhar com os governos é essencial”, afirmou.
David Cameron disse ainda que é preciso priorizar ações de reconciliação nos Estados frágeis, sobretudo em situações pós-conflito em vez de “apressar a realização de eleições”.
“Isto é controverso porque eu sou um democrata e quero ver a realização de eleições e governos legitimados, mas primeiro é preciso resolver as divisões internas através da reconciliação. É melhor do que marcar eleições que geralmente conduzem a mais divisões”, defendeu.
Cameron considera fundamental o funcionamento das instituições e frisou que, no contexto da atual pandemia de Covid-19, são os Estados que promovem as ajudas, gestão de meios ou programas de vacinação.
“O que nós vemos é que os Estados mais frágeis que já falharam no combate à pobreza e às desigualdades vão aumentar com esta pandemia e isto é perigoso”, disse.
“As ações do G7 foram uma desilusão. Em países como o meu [Reino Unido] 60% da população está vacinada, mas em África estão menos de 2%. Só agora estamos dispostos a mandar vacinas para África”, acusou, acrescentando que os planos de curto prazo deviam estar concentrados na distribuição das vacinas aos países mais pobres do mundo.
A médio prazo, disse Cameron, devia ser estabelecido “o que dar, o quê e a quem, quando e de que forma”.
“O que nós estamos a ver é um plano de longo prazo e essa é a razão pela qual estamos a falhar no acesso das pessoas mais pobres, dos países mais pobres, às vacinas. Porque a produção das vacinas está muito concentrada em apenas alguns países”, disse.
Para o ex-primeiro-ministro conservador britânico vai existir sempre um “problema de nacionalismo” em relação às vacinas e, por isso, defende a partilha de conhecimentos ou patentes e relacionar a produção com centros de distribuição para se lutar “com esta e com pandemias futuras”.
“Defendo organizações de vigilância internacionais para situações de pandemia. Nós sabemos quando temos de responder de forma melhor. Eu vi isso com o ébola, quando era primeiro-ministro. Creio que a Organização Mundial da Saúde foi lenta e, por isso, do que precisamos é de uma organização que funcione em rede a siga as sequências dos vírus e partilhar informações de forma transparente e não política”, propõe.
“O perigo de confiar apenas na Organização Mundial da Saúde (OMS) é deixar que a política inevitavelmente tome conta do problema. Com a pandemia de Covid-19 os países informaram com rapidez a OMS? Não, não o fizeram. A OMS disse-nos a todos de forma célere o que estava a acontecer? Não, porque estava preocupada em culpabilizar alguns países”, criticou.
Cameron alertou ainda para o crescimento da pobreza extrema no mundo até 2030, sendo que o contexto da crise sanitária pode agravar a situação.
“Penso que a realidade é dececionante, os países mais pobres estão a ficar para trás, nas campanhas de vacinação. O Covax [plataforma de distribuição de vacinas pelos países mais pobres] está a fazer o que pode, fez promessas sobre África, mas porque não está a funcionar?” questionou.
“Não podemos esperar que sejam os países mais pobres a fazer o trabalho de partilha, temos de ser nós a ajudar. Mais uma vez assistimos à forma como é a globalização em que vivemos e, por isso, não devíamos esperar para usar o dinheiro da ajuda para auxiliar os outros, porque no limite isso protege-nos a nós também”, conclui David Cameron.
A conferência organizada pelo Clube de Lisboa e g7+ (organização criada em 2010 que reúne países que enfrentam conflitos ativos ou têm experiência recente de conflito e fragilidade) ainda decorre e discute, entre outros aspetos, o papel da cooperação internacional para erradicar a pandemia e para garantir a vacinação rápida e gratuita nos países frágeis e nas comunidades vulneráveis.
Anteriormente, os membros do g7+ emitiram uma declaração conjunta de solidariedade e cooperação solicitando ações imediatas para mitigar o impacto da pandemia em pessoas de países frágeis ou com comunidades vulneráveis, pessoas deslocadas internamente e refugiados.
O evento global conta com a participação de 19 participantes de 13 países, incluindo atuais e ex-membros de governos, entidades multilaterais, académicos, profissionais do setor privado, dos meios de comunicação social e da sociedade civil.
LUSA/HN
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