Exercício físico e cancro de cabeça e pescoço – O que se sabe e o que falta saber?
O tratamento para o cancro de cabeça e pescoço pode incluir várias modalidades terapêuticas, nomeadamente, cirurgia, radioterapia ou/e quimioterapia. Com os avanços clínicos e a melhoria da taxa de sobrevivência, a necessidade de reduzir a morbilidade associada aos tratamentos, garantindo a reabilitação destes doentes, tem recebido mais atenção. De facto, sabe-se que o impacto da própria doença e do tratamento se repercute negativamente na força muscular, aptidão cardiorrespiratória, composição corporal e fatores psicossociais (como por exemplo, depressão, ansiedades, alteração da autoimagem), resultando na diminuição da qualidade de vida. Para além disso, outras condições específicas deste tipo de cancro, como a disfagia ou a malnutrição, contribuem para esta espiral descendente.
Todo este quadro sintomático associado às comorbilidades já previamente existentes nos doentes com cancro de cabeça e pescoço conduzem a uma diminuição dos níveis de atividade física, assim como da capacidade funcional. Acresce que a maioria destes doentes já são pouco ativos antes de iniciarem o tratamento e os níveis de atividade física continuam a declinar durante toda a fase do tratamento. Apesar disso, alguns estudos têm evidenciado que a maioria dos pacientes parece ter interesse em receber aconselhamento sobre atividade física ou mesmo participar em programas estruturados.
Dado tratar-se de um âmbito de investigação ainda recente, com uma clara sub-representação dos doentes com cancro de cabeça e pescoço nos ensaios clínicos de exercício físico, a sua eficácia ainda não é totalmente clara. No entanto, a segurança e exequibilidade do exercício físico durante e após o término do tratamento tem sido consistentemente reportada. O treino de força isolado ou em combinação com treino aeróbio têm sido os dois tipos de treino mais implementados em estudos com estes doentes. Estudos científicos verificaram melhorias ao nível da massa magra em doentes com cancro de cabeça e pescoço, particularmente quando o treino de força foi realizado após o tratamento. Estes ganhos de massa magra, em cerca de 4%, foram conseguidos após doze semanas de treino de força. De facto, este tipo de treino aumenta o metabolismo muscular, favorecendo a síntese proteica e, por sua vez, o aumento da área de secção transversal do músculo. A importância destes resultados é realçada pelo facto destes doentes terem uma perda significativa de peso durante o tratamento (particularmente de radioterapia) que pode persistir mais de dois anos pós-tratamento, sendo essencialmente explicada pela perda de massa magra. Por outro lado, sabe-se também da forte associação da massa magra com parâmetros de força muscular e funcionalidade física nestes doentes. Deste modo, também melhorias na força muscular e na funcionalidade têm sido apontadas nos ensaios clínicos de exercício físico no pós-tratamento. Por outro lado, as intervenções de exercício físico conduzidas durante o tratamento revelaram ter menos impacto na melhoria da composição corporal e força muscular, mas parecem desempenhar um papel importante em atenuar o seu declínio. Resultados similares foram encontrados relativamente à fadiga, um efeito adverso muito prevalente nestes doentes. Em contraste, a evidência atual tem apontado melhorias na capacidade de marcha – um marcador de capacidade funcional – após intervenções de treino combinado durante o tratamento de (quimio)radioterapia. Na verdade, sabe-se que uma reserva fisiológica reduzida, ou uma menor capacidade funcional, é um indicador estabelecido de envelhecimento funcional que tem sido associado com o aumento do risco de toxicidades relacionadas com o tratamento e, em última análise, piores resultados de saúde no pós-tratamento.
Os doentes com cancro de cabeça e pescoço são consideravelmente diferentes de outros doentes tratados para outros tipos de cancro e, consequentemente, precisam de abordagens específicas na prescrição de exercício. A evidência atual parece corroborar o papel do exercício físico como estratégia de suporte durante e após o tratamento dos doentes com cancro de cabeça e pescoço. No entanto, continua a haver a necessidade de se realizar mais estudos científicos nesta área, de modo a clarificar o tipo e a dose de exercício físico necessária à otimização do bem-estar e estado de saúde destes doentes.
0 Comments