Prof. Emília Monteiro: “Poluição está associada à hipertensão arterial”

07/28/2021
Prof. Emília Monteiro Laboratório de Farmacologia Translacional, do Centro de Estudo de Doenças Crónicas da Nova Medical School (Universidade Nova de Lisboa)

O grupo de investigação do Laboratório de Farmacologia Translacional, do Centro de Estudo de Doenças Crónicas da Nova Medical School (Universidade Nova de Lisboa), liderado pela Prof. Emília Monteiro, publicou recentemente um estudo na revista “Pharmacological Research,” em que explica que a molécula AhR, já conhecida como responsável pela resposta do metabolismo a certos poluentes ambientais, estava aumentada em ratos hipertensos por exposição à SAOS. A equipa provou ainda que, quando utilizou um composto para bloquear a molécula, foi possível tratar a hipertensão.

HealthNews (HN) – A hipertensão que resulta da Síndrome da Apneia Obstrutiva do Sono (SAOS) é a causa mais relevante da hipertensão resistente aos fármacos atualmente disponíveis?

Profª Emília Monteiro (EM) – Normalmente, a pressão arterial (PA) diminui durante o sono. Mas se este for muito fragmentado, ou se existirem problemas obstrutivos nas vias respiratórias durante o sono – que se notam pelo ressonar, por exemplo – essa descida não acontece.

A Síndrome da Apneia Obstrutiva do Sono caracteriza-se por muitas interrupções muito curtas na respiração (mais de 15 por hora), seguidas de hiperoxigenação para compensar. Isso faz com que a pessoa acorde e tenha, portanto, um sono fragmentado. Por outro lado, a SAOS está associada a características anatómicas das pessoas e à obesidade, o que dificulta o tratamento.

O mais grave de tudo é que a PA não só não diminui durante a noite como os doentes mantêm a hipertensão durante o dia. Ou seja, um problema que só acontece durante a noite, reflete-se numa hipertensão durante o dia inteiro.

O grupo de pessoas com Apneia Obstrutiva do Sono é aquele que apresenta maior percentagem de resistência aos fármacos para a hipertensão. Isso significa, provavelmente, que os fármacos atualmente existentes não são dirigidos a esta causa de hipertensão.

HN – Então, o problema é que os mesmos fármacos são utilizados para todos os hipertensos, independentemente da causa?

EM – De facto, a maioria dos hipertensos tem hipertensão denominada “essencial”, o que significa que não conhecemos a causa e, em geral, usamos os mesmos fármacos anti-hipertensores para todos os doentes. No entanto, tudo indica que há diferentes mecanismos e vulnerabilidades para a hipertensão (chamados fenótipos) que deveriam ter um tratamento mais específico. Já sabemos, por exemplo, que existe hipertensão associada ao consumo de sal ou ao stresse (sistema nervoso central) e conseguimos explicar o mecanismo. No que diz respeito à Síndrome da Apneia Obstrutiva do Sono, também existem muitos estudos em curso sobre os seus mecanismos específicos. Estima-se que a hipertensão associada à SAOS ative mecanismos próprios que justificam a resistência aos medicamentos atuais.

HN – Um dos focos de interesse do seu grupo de investigação é a hipertensão que resulta da SAOS. Qual é o papel da poluição ambiental neste domínio?

EM – No âmbito da nossa investigação, inspiramo-nos nos desenvolvimentos científicos sobre a interação entre a poluição, o clima, a microbiota, fatores de estilo de vida e a suscetibilidade individual para desenvolver hipertensão. Esta junção de fatores atraiu a nossa atenção para estudar a proteína AhR (recetor de aril hidrocarboneto), uma vez que esta proteína recetora é o centro de uma rede que liga a microbiota, o ambiente e os sinais metabólicos que interagem com fatores induzíveis por falta de oxigénio (HIFs).

Molecularmente, a proteína AhR é um fator de transcrição com multitarefas nas atividades de desintoxicação, imunorregulação e proliferação. A manipulação desta proteína permitiria lidar não apenas com a complexidade da hipertensão na Apneia Obstrutiva do Sono, mas também com outras comorbilidades que contribuem para essa patologia, entre elas a obesidade, doença renal crónica e a resistência à insulina.

Assumimos que a falta de oxigénio crónica pela Apneia Obstrutiva do Sono, chamada hipóxia crónica intermitente, aumenta as substâncias endógenas que ativam a AhR e provoca a desregulação de mecanismos relevantes para o controle da pressão arterial.

Os nossos estudos já comprovaram a eficácia anti-hipertensiva de um bloqueador do AhR, o CH223191, usando um modelo animal de hipertensão associada à Apneia Obstrutiva do Sono.

Apesar de estes resultados terem sido obtidos num modelo animal, achamos que pode representar um passo importante sobre o conhecimento de novos mecanismos de hipertensão arterial relacionados com a Apneia Obstrutiva do Sono, abrindo a porta a novos fármacos para tratar os doentes hipertensos. Por isso, temos em curso um projeto financiado pela Fundação para a Ciência e Tecnologia que pretende estudar se esta molécula também se encontra aumentada em doentes com Apneia Obstrutiva do Sono e hipertensão arterial.

HN – É uma abordagem totalmente inovadora?

EM – A relação entre a apneia do sono e a hipertensão já se conhece bem mas relacionar a apneia do sono com a poluição ambiental é uma abordagem completamente nova e abre-nos uma perspetiva para encontrarmos fármacos diferentes. Se identificarmos as pessoas que têm hipertensão associada à poluição ambiental, conseguiremos tratá-las com fármacos dirigidos especificamente a essa causa.

Entrevista de Adelaide Oliveira

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