No relatório final da iniciativa “Start Free, Stay Free, AIDS Free”, a ONUSIDA adverte que o progresso no sentido de acabar com a SIDA entre as crianças, adolescentes e mulheres jovens estagnou. Não se atingiu nenhuma das metas para 2020.
O relatório mostra que o número de crianças em tratamento diminuiu pela primeira vez e que se perderam oportunidades para identificar prematuramente recém-nascidos e crianças pequenas que vivem com o Vírus da Imunodeficiência Humana: mais de um terço das crianças nascidas de mães com VIH não foram testadas. Sem tratamento, cerca de 50% das crianças que vivem com VIH morrem antes do seu segundo aniversário.
“Há mais de 20 anos, as iniciativas dirigidas às famílias e às crianças para evitar a transmissão vertical e acabar com a mortalidade infantil provocada pela SIDA, deram início ao que agora se converteu na nossa resposta global à SIDA. Na sua origem esteve a resposta e o empenho sem precedentes de todos os nossos aliados. No início houve progressos notáveis, mas embora tenhamos agora mais ferramentas e conhecimentos do que nunca, as crianças estão a ficar muito atrás dos adultos. Quando se trata de crianças, estamos muito aquém dos nossos objetivos”, referiu Shannon Hader, diretora executiva adjunta dos programas de saúde da ONUSIDA.
“As desigualdades são alarmantes: as crianças têm quase 40% menos probabilidades do que os adultos de receber um tratamento para salvar a sua vida (54% das crianças em comparação com 74% dos adultos), e representam um número desproporcionado de mortes (apenas 5% de todas as pessoas que vivem com VIH são crianças, mas as crianças são responsáveis por 15% de todas as mortes relacionadas com a SIDA). Trata-se do seu direito à saúde e a um vida saudável; trata-se de lhes dar o valor que têm na nossa sociedade. Agora é o momento de reativarmos todas as frentes: precisamos de liderança, ativismo e investimento para fazer pelas crianças o que elas merecem”.
“Start Free, Stay Free, AIDS Free” é um eixo de ação a cinco anos que começou em 2015, na sequência do enorme sucesso do “Global Plan towards the elimination of new HIV infections among children by 2015 and keeping their mothers alive”. Exigia uma abordagem super rápida para garantir que cada criança iniciasse a sua vida sem VIH e permanecesse livre de SIDA durante a adolescência. No caso das crianças e dos adolescentes seropositivos, trabalhou-se para que todos tivessem acesso ao tratamento antirretroviral. Esta abordagem centrou-se principalmente em 23 países, 21 dos quais em África, responsáveis por 83% do número global de mulheres grávidas que vivem com VIH, 80% das crianças que vivem com VIH e 78% das mulheres jovens com idades compreendidas entre os 15-24 anos recentemente infetadas com VIH.
“A comunidade VIH tem uma longa história de enfrentar desafios sem precedentes. Hoje, precisamos da mesma energia e perseverança para responder às necessidades dos mais vulneráveis: as nossas crianças. Os líderes africanos têm o poder de nos ajudar a mudar o ritmo dos cuidados de saúde, e devem atuar e liderar até que nenhuma criança com VIH seja deixada para trás”, defendeu Ren Minghui, diretor-geral adjunto da Divisão de Cobertura Universal de Saúde/Doenças Transmissíveis e Não Transmissíveis da Organização Mundial de Saúde.
Embora os objetivos para 2020 não tenham sido atingidos, os 21 países prioritários de África fizeram mais progressos do que os países aos quais não foi dada prioridade. No entanto, havia grandes disparidades entre eles: 11 países representam quase 70% destas “crianças desaparecidas”, ou seja, que vivem com o VIH mas não estão em tratamento.
De 2015 a 2020, houve uma diminuição de 24% nas novas infeções por VIH entre as crianças dos países prioritários, em comparação com a diminuição de 20% observada globalmente. Os países alvo também alcançaram 89% de cobertura de tratamento para as mulheres grávidas que vivem com o VIH, em comparação com 85% a nível global, mas ainda aquém do objetivo de 95%, e havia enormes diferenças entre os países. Por exemplo, o Botswana alcançou uma cobertura de tratamento de 100%, mas a República Democrática do Congo apenas chegou aos 39%.
“Embora estejamos profundamente angustiados com o défice mundial do VIH pediátrico, também nos sentimos encorajados por termos, em grande parte, os instrumentos que precisamos para mudar isso”, disse Angeli Achrekar, coordenadora global para a SIDA nos Estados Unidos. “Portanto, que este relatório seja um apelo à ação para desafiar a complacência e trabalhar incansavelmente para fechar esta brecha”.
O relatório descreve três ações necessárias para acabar com as novas infeções por VIH entre as crianças dos países alvo. Em primeiro lugar, chegar às mulheres grávidas com testes de rastreio e tratamento o mais cedo possível – 66 mil novas infeções por VIH ocorreram nas crianças porque as suas mães não receberam nenhum tratamento antirretroviral durante a gravidez ou a amamentação. Em segundo lugar, garantir a continuidade do tratamento e supressão viral durante a gravidez, a amamentação e ao longo da vida: 38 mil crianças foram infetadas pelo VIH porque as suas mães ficaram sem tratamento durante a gravidez e a amamentação. Em terceiro lugar, prevenir novas infeções por VIH entre mulheres grávidas e lactantes: ocorreram 35 mil novas infeções em crianças devido ao facto das mães terem sido infetadas durante a gravidez ou a amamentação.
Houve algum progresso para que as raparigas adolescentes e as mulheres jovens não contraiam a infeção. Nos países prioritários, o número de raparigas adolescentes e mulheres jovens que contraíram VIH diminuiu 27% entre 2015 e 2020. Mesmo assim, o número das que contraíram VIH nos 21 países prioritários foi de 200 mil, o dobro do objetivo global estabelecido para 2020 (100 mil). Além disso, a Covid-19 e o encerramento de escolas estão a interromper o funcionamento de muitos serviços educativos e de saúde sexual e reprodutiva para raparigas adolescentes e mulheres jovens. A este respeito, o relatório salienta a necessidade urgente de redobrar os esforços ligados à prevenção do VIH para alcançar este grupo.
“As vidas das raparigas e das mulheres jovens mais vulneráveis estão em jogo, presas em ciclos de vulnerabilidade e negligência profundamente enraizados que devem ser interrompidos com urgência. Com o aval dos Estados-membro das Nações Unidas, a nova estratégia mundial contra a SIDA compromete-nos novamente a abordar essas vulnerabilidades intersetoriais para deter e reverter os efeitos do VIH até 2030. No caso das raparigas e das mulheres jovens, sabemos que podemos obter resultados rapidamente. Só precisamos de coragem para aplicar as soluções e de disciplina para as implementar com rigor e escala”, apontou Chewe Luo, diretor associado de Programas de Saúde da UNICEF.
A ONUSIDA e os seus aliados vão continuar a trabalhar em conjunto para desenvolver novas estratégias para abordar a agenda inacabada. Em junho deste ano, os Estados-membro da ONU adotaram formalmente as novas metas na Declaração Política sobre o VIH e a SIDA: Acabar com as desigualdades e prosseguir no caminho para acabar com a SIDA até 2030.
“Claro que acabar com a transmissão vertical requer abordagens inovadoras que apoiem de forma abrangente as mulheres ao longo da vida, incluindo intensificar ações de prevenção primária, como a profilaxia pré-exposição (PrEP), acesso a cuidados reprodutivos integrais, e atenção concentrada nas raparigas adolescentes e nas mulheres jovens. O relatório “Start Free, Stay Free, AIDS Free” inclui novas metas para 2025 que, se forem cumpridas, conduzirão a uma nova era na prevenção e tratamento do VIH para mulheres, crianças e famílias. Este não é o momento para complacência, mas sim uma oportunidade para redobrar os investimentos para reduzir e eliminar a transmissão vertical”, afirmou Chip Lyons, presidente e diretor executivo da
“Elizabeth Glaser Pediatric AIDS Foundation”.
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