Rui Campante Teles: “Insuficiência mitral e estenose aórtica estão a aumentar”

08/13/2021
No seguimento do Dia Mundial dos Avós, que se assinalou a 26 de julho, Rui Campante Teles, coordenador da campanha “Corações de Amanhã”, da Associação Portuguesa de Intervenção Cardiovascular (APIC), refere que a prevalência das principais doenças valvulares - insuficiência mitral e estenose aórtica - tem sido crescente, devido ao aumento da longevidade dos Portugueses. O cardiologista de intervenção alerta para a importância de não se desvalorizarem os sintomas.

HealthNews (HN) – Qual é a prevalência das principais doenças valvulares – a insuficiência mitral e a estenose aórtica – no nosso país?

Rui Campante Teles (RCT) – São duas doenças cuja prevalência está a crescer, de acordo com o aumento da longevidade portuguesa. Neste momento, a esperança média de vida, em Portugal, é de cerca de 80 anos de idade; logo as doenças, cujo processo é degenerativo, também estão a aumentar, como é o caso da insuficiência mitral e da estenose aórtica.

Atualmente, é sabido que mais de seis por cento da população octogenária tem estenose aórtica. Em relação à doença mitral, estes números não serão menores, pois cerca de 50 por cento das pessoas que sofreram um enfarte agudo do miocárdio ou têm insuficiência cardíaca, acabam por desenvolver insuficiência mitral. Estamos a falar de duas patologias muito frequentes em Portugal.

HN – Já percebemos que a prevalência aumenta com a idade. No caso da insuficiência mitral é mais comum nos homens?

RCT – Ligeiramente. De forma geral, com o tempo, muitas das doenças cardiovasculares passam a ter uma proporção mais significativa nas mulheres, de tal forma que os números são muito semelhantes. Na insuficiência mitral há uma prevalência ligeiramente maior nos homens, mas não é substancial.

HN – Como se manifestam estas doenças e qual o impacto na qualidade de vida dos doentes?

RCT – As manifestações são o aumento da insuficiência cardíaca. Isto é, os doentes começam por sentir cansaço, muitas vezes acompanhado por falta de ar e por incapacidade para realizar as tarefas que faziam anteriormente.

Por vezes, sentem desconforto quando se deitam – a chamada ortopneia – ou seja, têm falta de ar, particularmente quando estão deitados. Muitas vezes têm também pieira; as pernas podem inchar; têm sensação de anorexia, isto é, de falta de apetite; e, de forma, geral, por vezes, acabam por ter também algum desconforto ou dor inespecíficos no peito.

Normalmente, as pessoas acham que estes sintomas advêm da longevidade e acabam por não valorizar os sintomas, levando a que só procurem o médico quando já há alguma gravidade. Mas ser um pouco tarde.

O exame objetivo médico é feito com auscultação cardíaca, com o estetoscópio, que permite facilmente detetar sopros, o sinal de alerta.

O passo seguinte é fazer exames diagnósticos, particularmente o ecocardiograma ou a ecografia cardíaca, para detetar qual é a válvula com perturbação no funcionamento, que habitualmente, é a mitral ou a aórtica.

HN – Isso significa que a maioria dos doentes são diagnosticados tardiamente?

RCT – Uma parte substancial dos doentes que nos são referenciados pelos seus médicos assistentes já vêm numa fase tardia, sub-ótima, para aproveitar o que a medicina tem para lhes oferecer, tanto em relação a medicamentos, como a dispositivos.

De forma geral, só quando as pessoas estão numa fase muito sintomática é que nos são referenciadas. Não são todos, mas uma parte dos doentes está nessas condições.

HN – De que modo os procedimentos minimamente invasivos vieram mudar o tratamento destas doenças e minimizar os riscos, em comparação com a cirurgia convencional, permitindo tratar doentes de risco acrescido como, por exemplo, pacientes que apresentam outras doenças concomitantes, disfunção do ventrículo esquerdo ou idade avançada?

RCT – Os procedimentos minimamente invasivos nas válvulas e o cateterismo, são a grande revolução da Cardiologia, nas últimas duas décadas. Claramente, deram oportunidade a doentes considerados de risco elevado ou que tinham essas mesmas condições, além da questão da disfunção ventricular esquerda, das doenças pulmonares e da insuficiência renal. No fundo, uma fragilidade global.

O facto de termos uma técnica minimamente invasiva torna o tratamento deste tipo de patologias menos limitativo, sendo possível tratar os doentes mais frágeis. Há um mundo novo, não só na possibilidade de tratar novos doentes, até porque os que não têm um risco particularmente agressivo beneficiam de um procedimento mais simples, que permite um retorno a melhoria e até o retorno à vida normal, muitas vezes, em menos de uma semana.

HN – De que forma o controlo da pressão arterial, a perda de peso e a prática de exercício físico podem ajudar na prevenção?

RCT – Essas são medidas de caráter geral que ajudam todas as pessoas, à medida que os anos passam. O exercício físico e o controlo do sal são vertentes fundamentais da intervenção na insuficiência cardíaca.

Os doentes devem manter uma vida ativa, fazer tanto exercício físico quanto tolerarem e ter, particular, atenção com a alimentação, sobretudo com a ingesta de sal, que pode descompensar o coração, uma vez que leva à retenção de líquidos.

HN – A Associação Portuguesa de Intervenção Cardiovascular lançou, em 2018, a campanha “Corações de Amanhã”. No âmbito desta iniciativa, que visa a melhoria da qualidade de vida da população mais velha, no sentido de promover o diagnóstico e tratamento precoces destas patologias, que passos foram dados e de que modo a pandemia de Covid-19 interferiu nos resultados obtidos?

RCT – Essencialmente, esta é uma campanha informativa para doentes e familiares. Está disponível através de ações, que têm sido feitas nos vários canais – televisão, rádio, imprensa escrita, internet, redes sociais. Trata-se de uma campanha que tem por objetivo consciencializar as pessoas para a existência da doença, para a importância do diagnóstico atempado e para as alternativas terapêuticas que existem.

Isto é o contexto global da campanha “Corações de Amanhã” e de todas as ações que têm sido feitas, que contaram, até, com a promoção de reuniões de doentes, que deram os seus testemunhos sobre a forma como esta técnica melhorou a sua qualidade de vida.

A principal virtude do projeto “Corações de Amanhã” está inserida no projeto Valve for Life Portugal, que tem como objetivo identificar as barreiras que afastam as pessoas destas técnicas inovadoras.

O que temos feito é identificar as barreiras dos próprios doentes e dos familiares, que ainda não conhecem as técnicas, assim como das instituições e da própria tutela, para garantir que este tipo de programas têm acessibilidade em vários pontos do país e de forma completa.

Mas em relação à Covid-19, verifica-se que houve um receio generalizado de acorrer aos hospitais, em particular pelas pessoas mais velhas. Dado que estes doentes têm entre 70 a 80 anos, foi muito evidente que houve vários doentes nestas condições, que deixaram de ser seguidos por um médico. Por isso, estamos a deparar-nos, em Portugal, com situações em que a gravidade é ainda mais agressiva em relação à patologia que já tinham.

Os doentes estão a chegar tarde, o que é, muitas vezes, desfavorável, até para poderem beneficiar das terapêuticas que temos ao seu dispor.

HN – Quais as iniciativas levadas a cabo no Dia Mundial dos Avós, no âmbito da campanha “Corações de Amanhã”?

RCT – No Dia Mundial dos Avós e no âmbito da campanha “Corações de Amanhã”, tivemos uma presença televisiva, com o objetivo de consciencializar a população para estas doenças.

Foram também feitas publicações nas redes sociais do Valve for Life e da APIC. Ao longo do ano, a “Corações de Amanhã” vai continuar a marcar presença nas redes sociais e outros meios de comunicação e, caso sejam levantadas as restrições devido à pandemia, poderemos organizar iniciativas presenciais para a população em geral. Temos também uma página na net, coracoesdeamanha.pt, que contém informação preciosa para os doentes.

Entrevista de Adelaide Oliveira

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