Guilherme Macedo: “A Colangite Biliar Primária não pode ser deixada ‘à solta’”

08/27/2021
Apesar de ser considerada uma doença rara, a Colangite Biliar Primária (CBP) afeta principalmente mulheres em idade ativa. Em entrevista ao nosso jornal o Presidente da Sociedade Portuguesa de Gastrenterologia alerta que “uma das consequências mais graves da CBP é a progressão silenciosa para uma doença hepática crónica irreversível”, como é o caso da cirrose e o cancro do fígado. Guilherme Macedo reconhece “a pandemia impactou negativamente” o diagnóstico e tratamento, mas sublinha que o mais importante agora é “passar uma mensagem de que é possível recuperar o tempo perdido”.

HealthNews (HN) – A Colangite Biliar Primária (CBP) é uma doença rara com forte impacto na saúde hepática. Quais os principais sintomas que destacaria?

Guilherme Macedo (GM)- Esta doença, numa fase inicial, não oferece nenhum sintoma específico embora seja frequente haver um cansaço progressivo e uma fadiga que pouco se relaciona com os próprios esforços. A certa altura também se começa a estabelecer um prurido incómodo que se acentua nos períodos da noite. Este sintoma pode evoluir ao longo de semanas e, por vezes, pode tornar-se numa situação clínica muito limitativa.

Nas fases mais avançadas da doença pode surgir um tom amarelado nas escleróticas e urina escura.

HN- Estamos, portanto, a falar de uma doença camuflada e silenciosa… Como é feito o diagnóstico?

GM- A Colangite Biliar Primária tem uma vantagem grande que é o permitir o seu diagnóstico numa fase mais atempada a partir de análises do fígado relativamente simples. O diagnóstico faz-se essencialmente quando se detetam algumas alterações nas análises de rotina do fígado. É por este motivo que insistimos tanto na importância das análises de rotina… Quando se suspeita desta possibilidade há um marcador imunológico específico que se chama o anticorpo antimitocondrial. Este anticorpo é um marcador muito específico para a CBP.

HN- Tal como o nome da doença indica não se conhecem as causas, mas existe algum fator de risco que possa estar associado a esta doença?

GM- Inequivocamente reconhecidos não. Há um contexto imunológico individual que possa ser favorável. Isto é, qualquer pessoa que tenha doenças autoimunes pode ter associado está expressão no território hepático. A artrite reumatóide, lúpus ou outro conjunto de doenças imunológicas podem estar associadas à CBP.
Existem outras condições que temos visto que estão muitas vezes associadas à doença, como as infeções urinárias por escherichia coli, mas não é uma relação de causa-efeito.

HN- Há muitos doentes portadores da doença, mas que não o sabem. Sem tratamento que consequências podem surgir?

GM- Uma das consequências mais graves da CBP é a progressão silenciosa para uma doença hepática crónica irreversível como é o caso da cirrose, a qual pode ser muito limitativa e obrigar a que seja feito um transplante. Portanto, a Colangite Biliar Primária  não pode ser deixada “à solta”…. Em alguns casos esta patologia pode evoluir para cancro do fígado.

HN- As opções terapêuticas disponíveis garantem a qualidade de vida dos doentes?

GM- Dispomos felizmente de medicação que, numa fase inicial da doença, é bastante eficaz. Numa fase em que praticamente só há alterações das análises do fígado a eficácia da medicação é muito boa no sentido de prolongar a qualidade de vida e melhorar a sobrevida.

HN- Qual o impacto que a pandemia teve no diagnóstico e no tratamento da Colangite Biliar Primária?

GM- A pandemia afetou o acesso dos doentes aos cuidados médicos. Temos noção que houve uma prescrição mais reduzida de vários procedimentos de diagnóstico, inclusivamente algumas análises do fígado. Fizeram-se menos elastografias… Portanto, sem dúvida que a pandemia impactou negativamente, mas neste momento parece-nos mais importante passar uma mensagem de que é possível recuperar o tempo perdido.

Entrevista de Vaishaly Camões

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