Healthnews (HN) – O que define a Miocardiopatia amiloide associada a transtirretina (ATTR-CM)?
Maria João Vidigal (MJV) – Trata-se de uma cardiomiopatia (doença do músculo cardíaco) com padrão restritivo condicionada por uma infiltração por fibrilhas amiloides, resultantes de alterações na estrutura de uma proteína sintetizada no fígado, a transtirretina. O padrão restritivo caracteriza-se por uma normal capacidade de contração (sístole) mas uma diminuída capacidade de relaxamento (diástole), o que prejudica o enchimento das cavidades cardíacas, em particular, dos ventrículos.
HN – Quais são os tipos mais comuns de miocardiopatias? E miocardiopatias amiloides?
MJV – Há várias doenças que condicionam primariamente o funcionamento do miocárdio e que podem resultar de mutações genéticas (hereditárias) ou serem adquiridas. Os fenótipos principais são a miocardiopatia dilatada, caracterizada por dilatação das cavidades cardíacas e alteração a capacidade contráctil do miocárdio, e a miocardiopatia hipertrófica, com aumento da espessura do miocárdio, aumento das pressões de enchimento ventricular e associada a um maior risco de morte súbita. As miocardiopatias restritivas estão frequentemente associadas a doenças sistémicas que afetam o coração como é o caso da amiloidose ou da sarcoidose. A amiloidose é uma doença sistémica que pode assumir a forma hereditária ou adquirida. Embora estejamos a falar de ATTR-CM em que a forma adquirida é designada por senil ou wild-type, não posso deixar de referir, pela sua frequência, a amiloidose do tipo AL (condicionada pela deposição de fibrilhas resultantes de cadeias leves de imunoglobulinas e associada a discrasias sanguíneas). As manifestações dependem dos órgãos atingidos pela deposição de fibrilhas. Como referi, o coração desenvolve um padrão restritivo, com aumento das pressões de enchimento e desenvolvimento de sinais e sintomas de insuficiência cardíaca.
HN – Quais são os sinais e sintomas da ATTR-CM?
MJV – Cansaço, edemas, dispneia ou “falta de ar”. Trata-se de um conjunto de sinais e sintomas que caracterizam a síndrome clínica de insuficiência cardíaca, neste caso com fração de ejeção preservada
HN – Do ponto de vista clínico e da sua experiência, o que é que a deve fazer suspeitar de ATTR-CM? Depende da especialidade?
MJV – Sendo uma doença sistémica as suas manifestações podem envolver vários órgãos e por isso várias especialidades. Quando falamos de cardiomiopatia está subjacente a importância da avaliação pela cardiologia. Habitualmente na amiloidose hereditária, considerando a mutação mais comum em Portugal, as manifestações iniciais são neurológicas e só mais tarde, na evolução da doença, surgem manifestações cardíacas. Neste contexto é óbvio que a história familiar é fundamental. Suspeitamos de amiloidose senil quando num doente com insuficiência cardíaca com fracão de ejecão preservada, surge na ecocardiografia um padrão de espessamento das paredes ventriculares não acompanhado por critérios electrocardiográficos de hipertrofia ventricular esquerda. Não são sinais específicos, mas podem levantar a suspeita de ATTR-CM que posteriormente outros exames podem confirmar. Sublinho a importância de todas as outras especialidades para onde estes doentes podem ser referenciados e o seu papel na identificação e seguimento desta patologia (neurologia, medicina interna, medicina geral e familiar…).
HN – Na sua opinião, quando falamos de ATTR-CM podemos dizer que estamos perante uma doença “escondida” à vista de todos?
MJV – Tem sido uma expressão muito usada sobretudo na forma adquirida da doença. As manifestações são tão inespecíficas que muitas vezes são atribuídas a outras patologias. Todos sabemos que a estenose aórtica ou a hipertensão arterial, tão comuns na população idosa, condicionam um espessamento das paredes ventriculares e muitas vezes não se associa os sintomas do doente à existência de ATTR-CM. De acordo com alguns estudos, sabe-se que a ATTR-CM existe em cerca de 16% dos doentes com estenose aórtica candidatos a próteses percutâneas e que foi encontrada em cerca de 25% de doentes com mais de 80 anos autopsiados. Eu diria que para chegarmos ao diagnóstico é preciso pensar-se nele e tal é particularmente importante quando falamos de ATTR-CM.
HN – Do ponto de vista do doente, a que deve este estar atento no caso de suspeita de ATTR-CM? À sua história familiar? À sua história clínica? Destacaria algum sintoma que deva servir de alerta para procurar um aconselhamento médico?
MJV – Todos os sintomas são alertas para se procurar aconselhamento médico. Neste caso em particular, o cansaço, o aparecimento de edema, a dispneia são sintomas e sinais sugestivos de insuficiência cardíaca que a história clínica pode revelar e cuja etiologia deve ser pesquisada. A história familiar do doente é particularmente importante pois pode dar-nos pistas sobre uma possível forma hereditária.
HN – Porque demoram estes doentes tanto tempo a serem corretamente diagnosticados?
MJV – Julgo que a principal razão é não se pensar neste diagnóstico. Temos uma população envelhecida em que subjacente a um quadro de insuficiência cardíaca pode estar a ATTR-CM.
HN – Há alguma margem para ter esperança nesta doença?
Claro que sim. Embora de uma forma geral estes doentes respondam de forma insuficiente à terapêutica preconizada para a insuficiência cardíaca tem havido grande evolução no que se refere a terapêuticas específicas, nomeadamente de aprovação recente pela Agência Europeia do Medicamento.
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