Diretor clínico demissionário diz que hospital de Setúbal está “abaixo da linha de água”

13 de Outubro 2021

O diretor clínico demissionário do Centro Hospitalar de Setúbal justificou esta quarta-feira com a falta de condições físicas e profissionais o pedido de demissão de 87 clínicos desta entidade, considerando que a unidade está "abaixo da linha de água".

“É incrível, é inaceitável que as pessoas passem sete, oito e mais horas à espera de ser atendidas [nas urgências] e depois, quando são atendidas, muitas vezes é por tarefeiros que, digamos, que a oferta é de tal maneira já pouco seletiva que muitas vezes a qualidade do atendimento baixa”, afirmou Nuno Fachada, durante uma audição no parlamento, a pedido do PSD.

Nuno Fachada salientou que, nas últimas décadas, tem sido progressivo o “abandono e decadência” do Serviço Nacional de Saúde (SNS) e que “tem sido uma inquietação” para os profissionais do serviço público a “falta de progressão” e o facto de “aquilo que lhes foi prometido ter sido progressivamente retirado”, nomeadamente a questão da valorização caso estejam em exclusividade.

“As condições de trabalho e as condições de alguns serviços têm piorado progressivamente e, portanto, qualquer profissional, se lhe vão oferecer outras condições de trabalho e valores substancialmente superiores noutro sítio, vai-se embora e é aquilo que se está a verificar no Centro Hospitalar de Setúbal”, disse.

O diretor clínico sublinhou que esta situação é sentida na generalidade das várias valências, o que é comprovado quando 87 dos 90 elementos com cargos de direção no centro hospitalar apresentaram a sua demissão, um pedido que – garante – “não foi feito de ânimo leve”, até porque continuam “a exercer as suas funções assistenciais e a gestão corrente dos vários serviços” o melhor possível.

“O pedido de demissão não é para abandonar o trabalho. O pedido de demissão foi para chamar a atenção para a gravidade dos problemas que sentimos cada vez mais no Centro Hospitalar de Setúbal e que precisam mesmo de ser alterados”, disse.

“Portanto, isto tem de ser invertido e estamos num plano inclinado. Há muito tempo que estamos neste plano inclinado de descida, de maneira que já entrámos abaixo da linha de água”, considerou.

O clínico destacou que, embora tenha vindo a aumentar o número de médicos e de outros profissionais contratados, em números absolutos, “nos sítios alvo tal não ocorre”, o que tem conduzido à situação “de rutura ou pré-rutura”.

“Hoje mesmo foram anunciadas algumas contratações, ainda bem, algumas estavam em plataforma já há bastante tempo e se calhar este movimento já gerou alguns desbloqueios, mas como é evidente é insuficiente”, disse.

Nuno Fachada realçou que há “serviços bons e fortes” no centro hospitalar, como cardiologia, psiquiatria ou ortopedia, mas outras estão em situação “muito crítica”, como a de obstetrícia, onde os obstetras “são quase todos de idade avançada” e se desdobram para assegurar o serviço de urgência.

“Esta semana acaba de ser apresentado um colega e outra pôs o pedido de aposentação no mesmo dia, portanto, deve estar a sair. Na semana passada, um dos poucos mais jovens do serviço de obstetrícia pediu a rescisão do contrato porque vai para o privado. A atratividade aí é muito maior e a responsabilidade menor”, exemplificou.

O responsável criticou ainda a gestão do hospital e exemplificou: “Não é entendível como é que nós, num ano, pagamos em exames de ressonância magnética ao exterior um valor muitíssimo superior àquele que seria o da aquisição de um aparelho desses”, afirmou, destacando que “os médicos radiologistas novos, os jovens, não se sentem atraídos para vir trabalhar num sítio onde não têm o seu trabalho qualificado e os meios para o fazer”.

Nuno Fachada salientou que já noutras ocasiões o corpo clínico alertou para estes problemas e que agora, depois de passado o auge da pandemia, este era o momento certo para a demissão.

“Eu, enquanto representante dos clínicos, tenho duas opções: ou omitir o que se passava e não estava bem com a minha consciência nem diante do meu juramento deontológico, ou solidarizar-me com os profissionais e tentar defender o meu centro hospitalar”, concluiu, destacando ter “esperança” que esta atitude seja tida em conta para que a situação se inverta.

O parlamento ouviu hoje também o Conselho de Administração do centro hospitalar, que anunciou que até ao fim desta semana será lançado um concurso internacional para a construção, até 2023, de um novo edifício para realojar as urgências e o Hospital do Outão, no valor de 17,2 milhões de euros.

Sobre o Outão, Nuno Fachada salientou que o hospital ortopédico, que “até há bem pouco tempo era a melhor unidade de ortopedia do país”, foi inserido no Centro Hospitalar de Setúbal em 2005, e desde aí, “progressivamente e de forma mais aguda nos últimos anos, tem-se assistido a um grande abandono das instalações” e a sua degradação.

E alerta que “o hospital ortopédico não são só três salas operatórias em função contínua e uma enfermaria com cerca de 70 camas”, mas também “ginásios de fisioterapia” e “toda uma máquina que precisa de espaço e tem que ter uma estrutura montada que seguramente não terá cabimento naquele piso anunciado no [novo] edifício das urgências”.

LUSA/HN

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