“A única forma de fazer o diagnóstico da DPOC é com a espirometria e não basta dizermos que há um plano nacional e, depois, no terreno, não acontecer nada”, disse à Lusa o presidente da fundação, José Alves, que falava a propósito da apresentação, hoje, do retrato das doenças respiratórias em Portugal, feito pelo Observatório Nacional das Doenças Respiratórias.
O especialista sublinha que o grande “lobo mau” das doenças respiratórias é o tabaco e diz que “é preciso olhar para ele como um produto a evitar em absoluto”.
“Não é só ele, mas ele (o tabaco) é muito importante no aumento do risco relativo das doenças que mais matam a nível nacional e mundial. A pneumonia, a DPOC, o cancro no pulmão e, independentemente disto, é também causa de morte das doenças cardiovasculares e dos AVC cerebrovasculares”, insistiu.
José Alves defende que só com a proibição do tabaco, no interior e no exterior dos edifícios, com um aumento considerável do preço e com a aplicação de multas efetivas é que se consegue atacar o problema.
“O que temos de fazer é, no tabaco, tornar a lei mais restritiva, tem de ser proibido fumar e haver coimas quando se fuma, não só no interior, mas muitas vezes no exterior”, insiste, sublinhando que os novos produtos do tabaco são “uma tentativa das tabaqueiras para continuar a dependência”.
“Seja o que for que se fizer em relação ao tabaco, só se verá resultados daqui a 20 anos” alerta.
A propósito do plano nacional da espirometria, José Alves sublinha a sua importância e lembra que só depois de se fazer este exame é que se consegue diagnosticar DPOC: “Na prática, o que acontece é que deve haver 600 mil a 800 mil doentes com DPOC, só 130 mil estão identificados nos centros de saúde e, desses, nem metade tem espirometria feita”.
O presidente da Fundação Portuguesa do Pulmão sublinha a perda de anos de trabalho que a DPOC causa, pois “a partir dos 48/50 anos as pessoas começam a ficar doentes e deixam de trabalhar” e estima a perda de 10 anos de trabalho por doente.
“Se são 800 mil, é só multiplicar. É uma perda considerável”, afirmou José Alves.
Segundo o Observatório das Doenças Respiratórias, entre 2011 e 2019, o número de utentes com problemas ativos de asma e DPOC nos cuidados de saúde primários aumentou 182% e 152%, respetivamente.
Os dados disponíveis indicam que, em dezembro de 2019, existiam 316.578 e 137.774 doentes com estas duas patologias em acompanhamento nos cuidados de saúde primários.
O presidente da Fundação Portuguesa do Pulmão destaca ainda a importância de, à semelhança do que acontece com a tensão arterial, todos conhecerem o tamanho dos seus pulmões.
“É um critério determinante para a DPOC e todos deviam saber. É como saber a cor dos olhos, a altura ou a tensão arterial”, diz o responsável, acrescentando: “Mais ainda para os fumadores. Se souberem precocemente [a dimensão dos pulmões] evitam a perda de função respiratória. Se estiverem à espera dos 40 anos, já perderam função respiratória. Em vez de 100% já é 70% e esses 30% nunca mais se recuperam”.
Sublinha a importância de colocar igualmente em prática o Plano Nacional de Reabilitação Respiratória: “Tão importante ou mais é a reabilitação respiratória, preparar os músculos respiratórios para o que aí vem”.
“Nós só fazemos força para inspirar, para expirar basta relaxar que o ar sai. Mas em quem tem DPOC há uma obstrução e estas pessoas têm de fazer força para o ar sair. E isto pode-se treinar com a reabilitação respiratória. Daí o plano nacional, que não existe”, afirmou.
O responsável lembra ainda que com a Covid-19, muitas pessoas ficarão com mazelas e precisarão ainda mais, no futuro, de espirometria e de reabilitação respiratória.
“É preciso outras soluções para se conseguir fazer espirometrias. Quando se tem a tensão alta, a pessoa vai ao médico para avaliar, mas mesmo quem não precisa de medicação tem um aparelho em casa para medir. Temos também de banalizar a noção de função respiratória e isto tem de acontecer também para estes doentes”, acrescentou.
“Diz-se que a DPOC é responsável por oito mortes diárias, mas deve ser muito mais. É a 3ª causa de morte mundial e a 4ª em Portugal, mas muitos óbitos acabam certificados por outras razões, como a pneumonia”, afirmou o responsável, lembrando: “é a causa de muitos internamentos e tem muitos custos diretos e indiretos”.
“Destes doentes, um quarto acaba por falecer por DPOC, um quarto por doença cardiovascular, um quarto por razões diversas e um quarto por cancro do pulmão”, afirma o especialista, que defende igualmente uma avaliação genómica do cancro do pulmão, sublinhando que “os cancros também têm a sua individualidade”.
“Temos uma diminuição de fumadores de cerca de 3%, mas mais de 50% dos jovens aos 18 anos já experimentaram tabaco”, alerta.
O presidente da Federação Portuguesa do Pulmão aponta ainda a importância de facilitar o acesso à biopsia líquida, feita através da colheita de sangue, para ver se há crescimento do tumor ou se este se modificou, para afinar os tratamentos.
“Toda a gente deveria ter acesso a esta biopsia líquida, seja em que sitio do país for”, considerou o responsável, lembrando que os novos tratamentos (imunoterapia) já conseguem fazer cancro do pulmão uma doença crónica.
LUSA/HN
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