A 1.ª parte do estudo “Inquérito sobre as condições de vida de trabalho dos maquinistas no Metropolitano de Lisboa” foi ontem apresentada no auditório do Metro no Alto dos Moinhos, em Lisboa, pelos investigadores do Observatório para as Condições de Vida e Trabalho.
O resumo do relatório do estudo, que surgiu depois de um pedido do Sindicato dos Trabalhadores da Tracção do Metropolitano de Lisboa (STTM), teve como base a resposta a 242 questões que traçaram o perfil e os problemas dos maquinistas.
Segundo o estudo, a primeira conclusão é a “relação elevada entre assédio moral e esgotamento emocional” e a segunda a “relação elevada entre a carga horária noturna mensal e a exaustão emocional”.
O sociólogo João Areosa, um dos investigadores do estudo, traçou o perfil do maquinista do metro, na sua apresentação: “homem, trabalhador por conta de outrem, com cerca de 50 anos e com mais de 20 anos de experiência profissional”.
“Casado, com relação conjugal estável e com um a dois filhos. Desfruta de um vínculo laboral estável, cujo rendimento bruto está acima dos dois mil euros. Possui casa própria, sem estar totalmente paga. Trabalha entre 35 e 40 horas por semana. Mensalmente exerce a sua atividade laboral, em horário noturno, com cargas horárias acima das 45 horas, tendo também horários rotativos”, explicou.
João Areosa adiantou ainda que um terço dos inquiridos referiu ter sido “vítima de assédio moral por parte das hierarquias”, um valor “muito elevado” de acordo com o responsável.
Por seu turno, Henrique Silveira de Oliveira, doutorado em matemática pela Universidade Técnica de Lisboa e responsável pela análise matemática dos dados no estudo, começou por explicar que a classe dos maquinistas “não se tem renovado nos últimos anos” e que, ao nível do esgotamento, apresenta valores mais elevados que os professores ou mesmo pessoal de voo, só abaixo dos estivadores.
Ao nível do desgaste profissional, a exaustão emocional é aquela que mais preocupa os investigadores, seguida pela distanciação/despersonalização laboral. No entanto, a realização profissional dos maquinistas é coesa, sendo este um aspeto positivo para a saúde física e mental, relacionada com o facto de existir um “coletivo de trabalho forte” entre a classe, com cerca de 75% dos maquinistas a referirem sentir solidariedade por parte dos colegas.
“Quase 20% da nossa amostra está num escalão de exaustão extrema, o que é muito preocupante”, disse Henrique Silveira de Oliveira, lembrando que a classe apresenta uma “preocupação com a segurança dos passageiros”, o que pode influenciar, associado a outros fatores, a saúde mental dos maquinistas.
Também a relação com a hierarquia, segundo o estudo, “revela traços de autoritarismo e insensibilidade no tratamento de problemas”, sendo apontadas “práticas de assédio moral”, facto que, de acordo o psicólogo Duarte Rolo, é uma “questão muito preponderante” e deverá ser melhor analisada na segunda parte do estudo, que irá investigar e aprofundar a correlação entre os dados apresentados ontem.
O presidente do Sindicato dos Trabalhadores da Tracção do Metropolitano de Lisboa (STTM), Silva Marques, começou por lembrar que em 1997/98 existiam cerca de 460 maquinistas e atualmente existem 250, além de que a rede ia só até à Gare do Oriente e Pontinha, encontrando-se agora mais expandida.
“São menos maquinistas, a trabalhar numa rede maior, com um volume maior de trabalho”, sublinhou, frisando que o sindicato tomou a iniciativa de pedir este estudo ao Observatório ainda antes da pandemia, tendo em conta que a empresa sempre deu como resposta, desde 2007, “que não era oportuno” a realização do mesmo.
Já a historiadora e investigadora Raquel Varela lembrou que a realidade do maquinista “é datada”, tendo em conta que antigamente, pelos relatos que chegam até hoje, “era um orgulho e prazer trabalhar no metro durante muitos anos e que ir para a reforma era visto como algo mau” e que, atualmente, “é grande a percentagem daqueles que frequentemente pensam em quanto tempo falta para a reforma”.
O estudo foi realizado pelos investigadores Duarte Rolo, João Areosa, Henrique Silveira, Raquel Varela, Roberto della Santa, com a participação de Beatriz Santiago, José Antunes e Miguel Amaral.
Na apresentação do estudo esteve o advogado Garcia Pereira, conhecido como um dos maiores defensores dos direitos dos trabalhadores, que salientou, numa breve elocução, a importância de uma organização sindical decidir “ligar-se à investigação científica” para estudar uma classe profissional.
“O desgaste profissional e o cansaço numa profissão com um grau superior de risco é meio caminho andado para o desastre, andamos a roçar as linhas de um desastre muito grande”, afirmou Garcia Pereira, lembrando que o sindicato tem agora meios para fazer alertas assentes em estudos científicos.
LUSA/HN
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