Jorge Amil: “parece-me atrevido que se diga que as crianças têm que ser vacinadas”

26 de Janeiro 2022

Um dia depois de quase trinta especialistas terem assinado uma Carta Aberta pedindo a suspensão da vacinação contra a Covid-19 em crianças e jovens, a Direção-Geral da Saúde lançou um parecer técnico que sustenta que a miocardite por infeção é sessenta vezes mais frequente do que após a vacinação. Desde o arranque da imunização em massa desta faixa etária que as opiniões entre especialistas e autoridades de saúde divergem.

Na Carta Aberta, divulgada na segunda-feira, vários especialistas e pediatras contestam os critérios que estão a ser implementados na atual campanha de vacinação, alegando não existir uma “situação de emergência no que toca à Covid-19” nesta faixa etária. No documento, os signatários frisam que “a infeção de crianças e jovens é assintomática ou com sintomas ligeiros na maioria dos casos”, sendo que o a taxa de internamentos e mortalidade é “tendencialmente nula”.

A carta, assinada por um elevado número de pediatras, alerta que os resultados obtidos nos ensaios clínicos, que sustentaram a aprovação da vacina, não se adequam ao atual contexto pandémico. Segundo os especialistas, muitas “das razões invocadas pelas autoridades de saúde para esta campanha têm vindo a comprovar-se demasiado frágeis e não sustentadas, sobretudo no panorama atual”.

A ideia de que as vacinas existentes seriam eficazes e seguras nas crianças, de que existiria uma relação risco-benefício favorável para a saúde das crianças, de que haveria uma diminuição da transmissão comunitária da infeção e de que haveria uma boa adesão da população ao processo é posta em questão pelos especialistas. Com a chegada da variante Ómicron “confirmou-se haver escape vacinal”, quebrando, assim, “a tão almejada ‘imunidade de grupo’ prometida pelas autoridades de saúde como uma bandeira da vacinação também para as crianças e jovens”.

Contactada pelo nosso jornal, a cardiologista Teresa Gomes Mota, uma das signatárias do documento, contesta o parecer técnico da Direção-Geral da Saúde que sustenta que a miocardite por infeção é sessenta vezes mais frequente do que após a vacinação. “Este parecer que chegou à DGS não reflete da variante Ómicron, são dados muito anteriores”, indica. “Nos ensaios clínicos feitos em crianças não houve nenhuma ocorrência de miocardite, portanto não temos dados fidedignos”.

“O que nós sabemos com muita probabilidade é que a vacina causa miocardite e, portanto, tem toxicidade… Uma vacina que provoca uma lesão no coração tem toxicidade”, frisa Gomes Mota, admitindo que o mesmo cenário pode surgir em caso de infeção.

Segundo Teresa Gomes Motas há uma profunda preocupação por parte dos especialistas sobre os perigos que a vacinação pode acarretar, pois há muitas crianças que estão a ser vacinadas sem saber se já foram imunizadas. “Não podemos aceitar que se estejam a vacinar crianças sem saber se elas já estiveram previamente infetadas, uma vez que a infeção por SARS-Cov-2 nas crianças é assintomática.”

Já o pediatra, Jorge Amil, presidente do Colégio de Especialidade de Pediatria da Ordem dos Médicos, critica a forma como está a ser feita a interpretação de alguns estudos. “Há resultados e dados que estão a ser interpretados e extrapolados de forma naturalmente excessiva e desproporcionada. Isto é muito preocupante. Estão a usar-se dados como ‘provas definitivas’ para provar um ponto de vista que já se tinha assumido previamente.”

O especialista realça que os signatários não negam “o valor das vacinas”, mas consideram que são necessários “dados robustos para nos garantir que essa iniciativa, que traz benefício às crianças, é segura e que as protege.”

Questionado sobre a coincidência entre os alertas feitos na Carta Aberta e a recente morte da criança de seis anos que tinha sido vacinada, Jorge Amil recusa uma relação causal. No entanto, admite ter ficado surpreendido com a reação e posição assumida por parte de algumas autoridades de saúde sobre o caso. “Fiquei muito surpreendido por algumas pessoas com enorme responsabilidade terem assumido que não teria sido por causa da vacina… Parece-me um atrevimento enorme. Aquilo que devemos dizer é: este é um problema preocupante, estamos a falar de um evento que mesmo que tenha sido uma complicação merece ser analisado.”

“Temos que ser o suficientemente humildes para ir ajustando as nossas opiniões conforme a evolução das situações, mas sem ser uma espécie de ‘gato escondido com rabo de fora’”, acrescenta.

Numa altura em que a transmissão do vírus é maior, mas menos agressiva , o especialista considera que é importante distinguir o conceito de “infeção” e “doença”. “Nesta altura começa a ser suspeito e estranho porque é que continuamos a falar de testes positivos, em vez de pessoas doentes. Se começássemos a falar de pessoas com teste positivo para o vírus da gripe ou da constipação, imagine quais seriam os números nacionais…”

Para acalmar os receios dos mais indecisos Jorge Amil sublinha: “A vacina que está a ser usada tem um perfil de segurança aceitável, e por esse motivo foi aprovada pelas autoridades, e tomar a decisão de vacinar ou não a criança não é uma decisão de preto ou branco. Qualquer das decisões é aceitável. Cada uma delas com pequenos riscos associados, mas parece-me atrevido que se diga que as crianças têm que ser vacinadas.”

HN/Vaishaly Camões

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Estudante do 2º ano do Curso de Especialização em Administração Hospitalar da ENSP NOVA; Vogal do Empreendedorismo e Parcerias da Associação de Estudantes da ENSP NOVA (AEENSP-NOVA); Mestre em Enfermagem Médico-cirúrgica; Enfermeiro especialista em Enfermagem Perioperatória na ULSEDV.

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