Mãe de três filhos, recorda-se que a vila do Búzi desapareceu do mapa por vários dias em 2019, tantos quantos esteve submersa após o ciclone Idai, num desastre que matou cerca de 600 pessoas e em que só sobreviveu quem subiu aos telhados – ou quem morava nas comunidades vizinhas mais seguras, como Marta, que estava em Guara-Guara.
Numa região com planura a perder de vista, a mãe de todas as tempestades transformou os rios numa corrente gigante, uma força que também destruiu boa parte do hospital rural, nomeadamente a maternidade, recorda Olinda Vilankulo, administradora da unidade.
E as intempéries não dão descanso: no final de 2020 veio a tempestade Chalane e já em 2021 foi a vez do ciclone Eloíse.
“Aqui há sempre bebés a nascer, todos os dias”, refere, e não apenas um ou dois, “chegamos a atender até cinco partos por dia”, conta à Lusa.
Fica de boca aberta ao ouvir que, em Portugal, há dias nalguns hospitais em que não nasce ninguém.
No Búzi, no meio do mundo rural, as contas que Olinda mostra relativas aos partos são um reflexo da alta taxa de natalidade do país, em que cada mulher tem, em média, cinco filhos.
Mas tal é ao mesmo tempo um risco, porque o serviço público de saúde é precário, fazendo de hospitais rurais como o do Búzi um bem inestimável.
Depois do ciclone Idai, a maternidade ficou quase destruída e foi preciso transferir o que resistiu “para outro bloco”, menos danificado, para continuar a assistir a partos e a fazer cesarianas quando necessário.
Gabriel Máquina, médico de clínica geral, quer descrever o desafio: “Quando há uma tempestade…” e suspira, sem terminar a frase.
“Quando há uma tempestade é difícil. Quando há partos, atendemos mesmo assim. Improvisamos quase tudo quando as camas estão molhadas” com a chuva.
Numa das vezes, num posto de saúde do distrito, já teve de empilhar macas, para umas servirem de cobertura para outras.
E para cada momento há que improvisar o melhor possível: “se houver um ciclone e pacientes, temos de estar aptos para trabalhar. Quando há essas tempestades, geralmente há danos e improvisa-se muita coisa. Há transferências urgentes [de doentes ou feridos], que tratamos sempre de estabilizar” para seguirem viagem.
Marta Armando sorri quando uma enfermeira traduz para a sua língua, ndau, uma pergunta sobre quais as razões que a levam àquela unidade: “o hospital é vida”, responde.
E ajeita o tecido que aconchega dois gémeos deitados numa cama, Estér e Ruben, que ali nasceram em janeiro e estão de volta para uma consulta de rotina.
Marta deixou a escola há muito, parou na terceira classe para ser mãe muito cedo, numa vida em que o hospital é crucial.
Hoje a maternidade está de novo instalada no bloco original graças a apoios recebidos após o ciclone Idai, mas a destruição tem voltado todos os anos.
“Tivemos muita ajuda para a reabilitação, mas posteriormente já houve a Chalane e o Eloise”, diz, tratando as tempestades por tu, debaixo de um buraco no teto, onde aponta para o ar, num dos corredores entre a consulta externa e os laboratórios.
Dali vê-se o céu – hoje, um céu azul, mas que já todos sabem que ainda vai ficar carregado até que abril chegue e feche a estação das chuvas.
“Dá para notar que o bloco externo tem muita infiltração. No laboratório temos equipamentos de grande valor”, mas a rede elétrica continua instável, como revela a iluminação que não para de piscar.
As enfermarias também precisam de melhorias para acabar com as infiltrações, que deixam os tetos manchados de humidade.
São marcas que revelam os locais do hospital onde ainda não houve reabilitação com resiliência, refere Olinda, destacando a resistência dos blocos reabilitados com técnicas de construção desenhadas para resistir a ciclones.
“Se houver oportunidade”, pede Olinda, do que o hospital precisa é de continuar a reabilitação “com resiliência”.
Só as consultas em diferentes especialidades movimentam cerca de mil pessoas por mês, além das urgências e de outros espaços como a casa ‘mãe espera’, um edifício onde as grávidas de risco ficam alojadas à beira do parto, para evitar deslocações em cima da hora, que podem comprometer a vida – tanto da mãe, como do bebé.
O Fundo das Nações Unidas para População (FNUAP) alerta: as 180.869 pessoas afetadas pela tempestade Ana – a mais recente a atingir Moçambique – incluem cerca de 43.400 mulheres em idade reprodutiva e 5.100 grávidas que continuarão a precisar de serviços de saúde reprodutiva.
De acordo com as Nações Unidas, entre 2016 e 2021, o país enfrentou duas grandes secas e oito depressões atmosféricas, variando a intensidade entre tempestades e ciclones tropicais.
Segundo a ferramenta de avaliação de risco de desastres Inform, Moçambique ocupa o nono lugar entre 191 países quanto à vulnerabilidade a perigos, exposição a riscos e falta de capacidade de resposta.
NR/HN/LUSA
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