Trata-se de uma ‘parceria’ entre a jornalista Lourdes Fortes e a antropóloga Celeste Fortes, que pretendem, com o programa inédito “O G da Questão”, emitido pela Rádio Morabeza às terças-feiras, desde 15 de fevereiro último, levar ao público assuntos do universo feminino que não são abordados em espaços públicos e ainda tidos como tabu entre as mulheres cabo-verdianas.
“Começámos a falar por causa da nossa libido na maternidade, porque durante o meu pós-parto perdi a minha libido e depois descobri que outras mulheres, inclusive amigas próximas, também passaram por esta situação e eu não sabia. Quando comecei a falar com elas sobre isso, por ser algo que me incomodava, todas se identificaram”, começou por explicar à Lusa Celeste Fortes, sobre a motivação para este programa de rádio.
Contam que o programa, ainda na sua primeira emissão, já começou a receber comentários e até propostas de temas, sobretudo por parte de mulheres.
“Recebemos algumas mensagens, de mulheres essencialmente, e de dois homens, que dizem que já tinham sentido a necessidade de falar destes temas, que normalmente não são tratados, porque quando é para falar da sexualidade, da pornografia e masturbação feminina as próprias mulheres olham para isso com nojo. Que não é o lugar de falar delas porque não foram criadas para isso e nem a educação delas lhes deu essa liberdade para explorar a sua sexualidade e não se reveem nos temas e nesta liberdade”, explicou a jornalista Lourdes ‘Milu’ Fortes, que assegura que o programa irá desmistificar estes argumentos.
Dentro do universo feminino, estas duas profissionais pretendem levantar outras situações pouco abordadas publicamente e mesmo desconhecidas, inclusive das próprias.
“Por exemplo, ficámos a saber que há pessoas aqui que praticam BDSM [Bondage, Disciplina, Dominação, Submissão, Sadismo e Masoquismo], mas quem é que fala disso? Pouca gente fala”, assegura a antropóloga, que garante que a ideia não é de “levantar a bandeira” para determinadas práticas, mas sim “descortiná-las”.
Esta ‘parceria’, explicaram, nasceu “ao acaso”, mas ambas sentem ter sido bem conseguida e garantem que está a ser produtiva. Desta forma, querem que a experiência jornalística de uma se complemente com a de antropóloga, para juntas darem um contributo pessoal e profissional ao programa de rádio.
“A Milu tem feito uma coisa que não combinámos, mas tem sido interessante, que é trazer-me também para a conversa enquanto mulher, antropóloga e feminista. E fazer uma leitura antropológica sobre os assuntos que vamos gravando. Acho que há mais esta contribuição que é ter um olhar de antropóloga que trabalha com questões de género e cutucar tanto a pessoa com quem estamos a conversar, quanto a audiência”, frisou Celeste Fortes.
Questionadas sobre o horário diurno em que o programa é emitido (10:30 e repetição às 16:15 locais), estas não acham ser um problema, uma vez que sublinham pretender usar uma linguagem mais cuidada, porém sem mascarar determinados assuntos.
“Temos um cuidado ao abordar os temas, a linguagem é uma linguagem leve e outra coisa em que temos cuidado é tratar os ‘bois pelos nomes’. Se é sexo, falamos sexo, se é vagina, falamos vagina e masturbação, vamos falar de masturbação e não há pudores em referir aos temas”, garantiu Milu Fortes, enquanto a colega do programa justifica que se se quer descontaminar este universo, é preciso usar os nomes das ações e não criar mais pudores.
Admitem, contudo, que certos assuntos podem enfrentar algumas barreiras na sociedade, por se tratar da sexualidade, mas cujo propósito é de provocar, mostrar e tornar comum, contrariando educações recebidas durante gerações, acerca dos deveres e das proibições sociais.
“A sociedade nunca está preparada para estes assuntos porque a sexualidade feminina existe ainda num espaço sombra. Pode-se falar de sexualidade masculina ou virilidade masculina, mas as mulheres não foram educadas nem preparadas para falarem sobre sexo. É neste ponto que queremos tocar, para mostrar que é natural, que a mulher também tem fantasias e desejos sexuais, apesar da educação que tivemos de que as mulheres devem fechar as pernas, manter a boca fechada”, referiu Milu Fortes.
Assim, são vários os assuntos colocados na agenda do programa, desde as leituras escondidas de romances, no passado, que despertavam o erotismo nas adolescentes, ao próprio corpo da mulher, que em Cabo Verde, afirmam, é ao mesmo tempo “idolatrado” e “muito policiado”.
Garantem que as fontes não se têm negado a abordar os assuntos, por isso projetam diferentes vozes de especialistas e praticantes para discutirem os diferentes temas propostos.
“Para falar do sexo na terceira idade, vamos trazer uma geriatra, violência obstétrica [durante o parto] teremos uma enfermeira, da BDSM trouxemos uma praticante e pretendemos trazer o mestre dela que a introduziu nesta arte. Queremos perceber por que em quase todos os temas há uma parte que é científica e, por exemplo, queremos falar sobre masturbação feminina, vamos falar com mulheres comuns e com uma socióloga”, conta a jornalista.
Propõem falar sobre sexo na gravidez, questões de libido na maternidade, sexo na terceira idade, entre outros temas, com a ideia de que “a rádio cumpre com este papel de desmistificar” estes assuntos, levando à sociedade as diferentes visões de quem estuda e trabalha estas matérias.
LUSA/HN
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