Guerra fez diminuir doações de alimentos no Porto, mas aumentou apoio a bebés

26 de Março 2022

O apoio massivo dos portugueses aos deslocados da guerra na Ucrânia pesou negativamente em instituições de apoio social do Porto que distribuem bens alimentares, mas o mesmo não acontece no auxílio aos bebés e jovens mães, que até aumentou.

A Lusa foi tentar perceber se, decorrido o primeiro mês da invasão da Rússia, o apoio gerado não teve o efeito perverso de desproteger aqueles que diariamente precisam do labor das instituições de solidariedade social para conseguir alimentar-se e vestir-se, sejam adultos ou bebés. Os testemunhas exibem realidades bem distintas.

O presidente da delegação do Porto do Banco Alimentar Contra a Fome, António Cândido Silva, fala de “apreensão” sobre o momento que a instituição atravessa, lembrando que esta “tem como função primária ser solidária com as instituições do Porto” e que algumas delas “auxiliam refugiados”.

Admitindo que o último mês os “deixou bastante apreensivos”, revelou ter “sentido diferença no apoio das empresas agroalimentares”.

“Há empresas do Porto que produzem farinha que deixaram de dar a sua contribuição mensal e isso, acrescido do aumento do custo dos combustíveis e da eletricidade, vai tornar a vida mais difícil para os bancos alimentares”, relatou o responsável.

Neste contexto, continuou António Cândido Silva, o “futuro preocupa”, pois é “uma crise em cima de outra crise [da pandemia], mas, por outro lado, assinalou, o Banco Alimentar “nunca recebeu tantos bens alimentares como aconteceu durante a pandemia da Covid-19”.

O dirigente revelou ainda “que o material com que se fazem as latas de conservas, a folha metálica, está esgotada no mercado” o que implicou na disponibilidade de “salsichas, atum e sardinhas” na oferta diária de bens alimentares da instituição.

Mariana Castro Moura, da associação Caminhos de Amor, queixa-se do mesmo, pois embora o horizonte de pessoas que apoia seja menor, efetua-se diariamente nas zonas da Boavista e da Pasteleira, não escondendo na conversa com a Lusa revolta pela atitude observada.

“No último mês houve uma redução drástica de doações de roupa, calçado, produtos de higiene e mesmo a nível de alimentos, pois as pessoas estão a ajudar os refugiados da Ucrânia. Tenho madrinhas fixas mensais que no início de março me perguntaram se eu não ficava chateada se durante este mês ajudassem os ucranianos, retomando o apoio em abril”, relatou.

Assegurando ter ido “buscar a outro lado” os apoios que lhe faltaram desde o final de fevereiro, ainda assim considera que “foi muito mau” o que viveu nesse período.

“Notei muito [a falta de apoios], o que é revoltante. Essas pessoas [os deslocados da guerra] têm direito a receber apoios, ninguém quer viver o que elas estão a viver, mas não é porque há uma guerra que as pessoas de cá, que precisam de comer, vão ser esquecidas”, rematou a responsável da Caminhos de Amor.

Margarida Corte-Real, responsável técnica da Vida Norte – Associação de Promoção e Defesa da Vida e da Família, e que diariamente ajuda grávidas fragilizadas e jovens mães, relatou à Lusa um cenário bem distinto, em que o irromper do conflito fez chegar mais apoios à instituição.

“Connosco funcionou ao contrário. Muitas pessoas e empresas contactaram-nos para saber se estávamos a receber pedidos de famílias ucranianas ou o que estávamos a precisar porque queriam doar. Portanto, embora expectável, não sentimos, de todo, falta de apoio”, revelou.

Contudo, admitiu, caso a situação de guerra se mantenha, podem “vir a sentir esse conflito interno de quem deve ser ajudado, os refugiados ou as grávidas”.

A responsável da Vida Norte relatou ainda que entre as pessoas que costumam ajudar houve quem lhes enviasse “camas de viagem para ajudar famílias portuguesas que iriam acolher outras ucranianas, para além de donativos financeiros para que se comprasse algo mais que estivesse em falta”.

LUSA/HN

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