Dra. Gabriela Fernandes: “Terapêuticas alvo e imunoterapia redefiniram o tratamento do cancro do pulmão”

05/25/2022
Gabriela Fernandes, pneumologista no Centro Hospitalar Universitário de São João

Nos últimos anos, “o aprofundar do conhecimento sobre a biologia do cancro do pulmão conduziu a resultados sem precedentes no seu tratamento”, afirma Gabriela Fernandes, pneumologista no Centro Hospitalar Universitário de São João.

HealthNews (HN) – O cancro do pulmão continua a estar entre os que registam maior incidência e são mais mortais?

Gabriela Fernandes (GF) – Globalmente, o cancro do pulmão é o segundo cancro mais frequente em ambos os sexos, depois do cancro da próstata no homem e da mama na mulher. É a principal causa de morte por cancro. Reconhecido pelo seu mau prognóstico, na maioria dos casos é incurável, associando-se a sobrevivência global inferior a 15%. Em Portugal, segundo as estimativas Globocan de 2018, registaram-se cerca de 5.200 novos casos, sendo o quarto tumor mais frequente, depois do cancro do cólon, da mama e da próstata.

HN –  Na sua opinião, faria sentido a implementação de um programa de rastreios, nomeadamente na população fumadora, no sentido de identificar as lesões mais iniciais de cancro do pulmão?

GF – Um programa de rastreio permite aumentar a deteção de casos numa fase precoce da doença em que o tratamento curativo ainda é possível. Considerando que a maioria dos casos de cancro do pulmão são diagnosticados quando a doença está disseminada, um programa de rastreio teria impacto na redução da mortalidade, como já se demonstrou com o rastreio baseado na tomografia computorizada do tórax (TAC) com baixa dose de radiação. A escolher uma população assintomática a rastrear a carga tabágica seria o principal discriminador de possíveis casos.

HN –  Quais as vantagens da deteção e diagnóstico precoce em termos de sobrevida e de qualidade de vida dos doentes? 

GF – Os dois principais estudos de rastreio com TAC, o americano NLST e o Dutch-Belgian NELSON, demonstraram uma diminuição na mortalidade por cancro do pulmão de cerca de 20%. 

HN – Apesar de o tabagismo ser o principal fator de risco, ao longo dos anos tem vindo a aumentar a percentagem de cancro do pulmão em não fumadores. Quais as causas?

GFA – A principal causa de cancro do pulmão é o consumo de tabaco, causando 85 a 90% dos casos. A exposição passiva ao fumo de tabaco é, também, considerada um fator de risco. Outros fatores de risco evitáveis são a exposição ao rádon, a poluição e determinadas exposições profissionais particularmente se se adicionar o consumo de tabaco. Em alguns casos nos quais não se identifica exposição a carcinogéneos, os fatores genéticos são determinantes. 

HN– A abordagem médica destes casos é idêntica à dos cancros de pulmão provocados pelo tabagismo?

GF – A metodologia diagnóstica e o planeamento do tratamento são globalmente iguais. No entanto, o estudo molecular permite identificar alterações genómicas em alguns tumores, nomeadamente adenocarcinomas, idades mais jovens e sem exposição tabágica, com tratamentos específicos, designados de terapêuticas alvo.

HN – Quais as principais evoluções dos últimos anos que mais contribuíram para o aumento da sobrevivência dos doentes com cancro do pulmão?

GF – Nos últimos anos, o aprofundar do conhecimento sobre a biologia do cancro do pulmão conduziu a resultados sem precedentes no seu tratamento. Surgiram as terapêuticas dirigidas a alterações moleculares específicas (terapêuticas alvo) com uma eficácia muito elevada e, mais recentemente, a imunoterapia. 

O desenvolvimento de técnicas de sequenciação de nova geração (NGS) permite a identificação de inúmeras alterações potencialmente tratáveis e estão, atualmente, disponíveis para estudar os tumores. Assim, a terapêutica é personalizada de acordo com o tipo histológico, o perfil molecular (mutações em genes específicos) e presença de fatores preditivos de resposta à imunoterapia. 

A imunoterapia utiliza anticorpos monoclonais que atuam em checkpoints imunológicos. Os tumores têm a capacidade de fugir à destruição pelo sistema imunológico pela criação de um ambiente imunossupressor. Estes fármacos revertem a inibição dos linfócitos T mediada pelo próprio tumor, restituindo ao sistema imunológico a capacidade de defesa e de destruição de células tumorais. 

 As terapêuticas alvo e a imunoterapia redefiniram o tratamento do cancro do pulmão em estádio avançado. Atualmente, estão a ser estudadas em fases menos avançadas da doença e em combinação com outros tratamentos, proporcionando aumento da sobrevivência, com melhoria da qualidade de vida, a um maior número de doentes com cancro do pulmão.

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