Presente e futuro da Medicina nos países de língua portuguesa

4 de Outubro 2022

Responsáveis de Escolas de Medicina de países lusófonos de todo o mundo, do Brasil a Macau, passando por África, estiveram reunidos na Faculdade de Medicina da Universidade do Porto (FMUP), entre 29 e 30 de setembro, para participarem no 4º Simpósio da Rede CODEM-LP.

Presidida pelo diretor da FMUP, Altamiro da Costa Pereira, esta reunião juntou, pela quarta vez, membros fundadores da Rede e professores convidados, desta vez com o objetivo de “Refletir o Presente, Construir o Futuro”.

Ao anfitrião e presidente deste 4º Simpósio juntaram-se presencialmente, na sessão de abertura, Alberto Schanaider, atual Presidente do Comité Executivo da Rede CODEM-LP, e Francisco Sampaio, presidente da Academia Nacional de Medicina do Brasil, e, de modo virtual, Fausto Pinto, um dos fundadores da Rede, e Zacarias da Costa, secretário-executivo da Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP).

Em todos os discursos perpassou a satisfação pela realização deste evento, que representa a manifestação pública da vontade e da necessidade de prosseguir a colaboração iniciada, há alguns anos, entre as diferentes Escolas de Medicina de países falantes do português. “Esta aproximação é um motivo de orgulho e dá-nos uma perspetiva muito alentadora. A Rede vai prosperar com esta unidade e a história que estamos a construir”, afirmou, a propósito, Alberto Schanaider.

Também Francisco Sampaio considerou que esta é uma “rede que pode juntar experiências de vários países que falam a mesma língua”, mas com critérios de seleção (só no Brasil existem 370 escolas de Medicina), além de fomentar o intercâmbio de estudantes e de professores e discutir novos desafios, como o facto de muitos licenciados em Medicina já não quererem ser médicos, mas “empreendedores”. O responsável considera também que a Academia Nacional de Medicina do Brasil pode ser “o ponto de união, o catalisador” da Rede CODEM no Brasil, facilitando o contacto com as faculdades de Medicina existentes.

Numa mensagem emitida na ocasião, Fausto Pinto, que foi, com Roberto Medronho, da FM-UFRJ, um dos fundadores da CODEM, mostrou-se “orgulhoso pela continuidade da Rede, que teve a primeira reunião em Lisboa, em 2019. “Esperemos que continue a expandir-se a outros que queiram juntar-se a este projeto. Esta é uma Rede que ainda tem muito para dar. Com a pandemia, ficaram comprometidos os primeiros passos, mas estou certo que irá dar frutos para o ensino médico e para a investigação em Medicina nos países lusófonos”, afirmou.

Zacarias da Costa, secretário-executivo da CPLP, que abrange cerca de 270 milhões de pessoas, frisou que, com “o contexto atual de ameaça à saúde pública, exponenciada pela crise sanitária e ambiental, pelo recrudescimento da insegurança alimentar e nutricional e pela incerteza gerada pela ameaça à paz global, a realização deste Simpósio revela-se oportuna para refletir sobre a forma como se pratica o ensino e a investigação em Medicina nos Estados-membros”. Neste sentido, espera que o trabalho desta Rede resulte em propostas que possam traduzir-se no “aperfeiçoamento das políticas públicas de saúde” e em “iniciativas concretas de cooperação e solidariedade”.

“O Desafio da Transformação Digital”

A primeira mesa redonda do Simpósio incidiu sobre “O Desafio da Transformação Digital na Saúde Global – o papel da Rede CODEM-LP”. Como salientou Altamiro da Costa Pereira, na qualidade de moderador, “um dos principais desafios que a Medicina encara é a sua transformação digital”, que vai desde a telessaúde e a telemedicina até à inteligência artificial no apoio ao diagnóstico e aos cuidados de saúde. “A Medicina não pode ignorar esse desafio, sem esquecer que a Medicina é cuidar”, afirmou. Para o diretor da FMUP, “as pontes digitais serão absolutamente essenciais” para vencer a distância e outros desafios que se colocam.

João Eurico da Fonseca, diretor da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa (FMUL), referiu algumas áreas em que a colaboração entre os países de língua oficial portuguesa pode ser feita com “imenso potencial”, com recurso à inteligência artificial, nomeadamente os registos, a construção do prontuário ou processo clínico eletrónico, a ligação digital dos biobancos e dos registos, as aplicações para doentes, a literacia da saúde e os programas pós-graduados.

João Macedo Coelho Filho, da FAMED-Universidade Federal do Ceará, focou-se na necessidade de desenvolver, junto de docentes e de discentes, competências em saúde digital na educação médica e de aplicar a saúde digital nas práticas de ensino/aprendizagem. “O papel do CODEM será fomentar a formação de lideranças docentes que possam trabalhar na implementação e aplicação da saúde digital”, nomeadamente na pós-graduação, na pesquisa e na mobilidade docente, mas também na partilha de experiências e na criação de “um currículo mínimo longitudinal em saúde digital para a graduação”

Luís Fernando Adan, diretor da Faculdade de Medicina da Universidade Federal da Bahia, deu exemplos de projetos da sua instituição com uma forte componente digital, como o “Telecoronavírus” e o projeto “Telessaúde e cuidados em doenças crónicas e doenças raras no estado da Bahia” (TeleFMB), indicando as múltiplas vantagens da “teleconsultoria”.

Ricardo Cruz Correia, professor da FMUP, instou as Escolas de Medicina a intervirem no processo da recolha e análise de dados de saúde, que sustentam a Medicina Baseada na Evidência, não deixando esse papel por mãos alheias. Quanto ao aparecimento de novas tecnologias, diz que “temos de perceber o que vamos ensinar aos alunos”. Para o docente, o facto de haver agora muitos médicos interessados em serem empreendedores é “excelente”, lembrando que, na FMUP, existem vários exemplos.

“Inovação Pedagógica e Simulação Biomédica”

À palestra de Manuel Sobrinho Simões, professor da FMUP, seguiu-se a segunda mesa redonda do evento, intitulada “Inovação Pedagógica e Simulação Biomédica – o papel da Rede CODEM-LP”, com Alberto Schanaider no lugar de moderador e Guilherme Santoro Lopes, da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), como secretário. Mário Fritsch Neves, diretor da Faculdade de Ciências Médicas da UFRJ, apresentou propostas de trabalho futuro, que passam por “atividades de simulação compartilhadas, “debriefings” integrados, capacitação de doentes padronizados (atores, que podem ser pacientes, alunos ou técnicos), projetos de investigação conjuntos e um programa de desenvolvimento de docentes. O responsável deixou como desafio a criação futura de um “núcleo de inovação pedagógica das Escolas de Medicina” que selecione e preste apoio pedagógico e tecnológico a projetos nesta área, permitindo formar médicos mais qualificados.

Aliando ciência médica e amor, Lúcia Pellanda, reitora da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre, introduziu questões novas, neste Simpósio, sobre os valores que deverão nortear a inovação e o trabalho em rede.

Já César Palha de Sousa, da Faculdade de Medicina da Universidade Eduardo Mondlane (UEM), em Maputo, apresentou uma síntese da experiência da promoção da inovação na sua instituição, com transformações nas vertentes de ensino, pesquisa e prestação de serviços. Nesse sentido, entende que a CODEM pode servir como uma “incubadora de ideias”.

Falando a partir do Brasil, Alamanda Pereira, diretora da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), realçou que a Rede CODEM será “uma instância muito importante de integração das escolas para podermos trocar experiências” e “uma interface” para a inovação, sendo que esta vai além dos “recursos tecnológicos”. Para a diretora, a inovação tem de incluir, para além da formação técnica, “a formação ética, crítica, humanista e comprometida com as necessidades da população”.

Billy Chan, diretor do Centro de Educação em Simulação Médica da MUST, de Macau, focou-se na atividade atual do centro que dirige, que treina milhares de estudantes e profissionais de saúde em algumas das áreas mais inovadoras da Medicina praticada na atualidade, de que a robótica é um exemplo.

Cristina Granja, professora da FMUP, falou sobre a evolução do Centro de Simulação Biomédica da FMUP, que atua a nível da formação pré-graduada e pós-graduada dos profissionais, esperando que a Rede CODEM promova a colaboração com outros países. Tal como Alamanda Pereira, a médica enfatizou a necessidade de combater os “novos bárbaros”, que são “técnicos de excelência”, mas perderam a humanidade e a ética.

No segundo dia dos trabalhos, a discussão centrou-se na “Mobilidade e Oportunidades de Docentes e Estudantes no âmbito da Rede CODEM-LP”, com Francisco Sampaio a moderar uma mesa que teve José Estevão Costa, representante dos hospitais afiliados, como secretário.

No painel estavam Adauto Dutra Barbosa, diretor da Faculdade de Medicina da Universidade Federal Fluminense, no Rio de Janeiro, Nelson Gouveia, da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP), Ana Pinto Oliveira, professora da Universidade do Algarve (UAlg), Francisco Cruz, subdiretor da FMUP. A estes juntaram-se, online, Carlos Robalo Cordeiro, diretor da Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra, e Leandro Colli, presidente da Comissão de Relações Internacionais da FMUSP.

Na última mesa redonda, dedicada aos “Desafios e Prioridades para o Desenvolvimento da Rede CODEM-LP”, o painel foi composto por Alberto Schanaider, Altamiro da Costa Pereira, Lúcia Kliemann, diretora da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Moshin Sidat, professor associado da FAMED-UEM, e Fernanda Dias Monteiro, diretora da Faculdade de Medicina da Universidade Agostinho Neto (FMUAN), em Angola. A mesa foi moderada por Jahit Sacarlal, diretor da FAMED-UEM, tendo como secretário Hélio Alves, vogal do Conselho Executivo da FMUP. Para Lúcia Kliemann, estes desafios passarão pela definição de áreas de excelência de cada escola, profissionalização da gestão da Rede, pela institucionalização da participação e pela “certificação de qualidade CODEM” para as instituições participantes. Moshin Sidat salientou que a Rede é uma oportunidade para a internacionalização e referiu também a importância da harmonização do currículo.

Paralelamente ao 4º Simpósio da Rede CODEM-LP, decorreram, na FMUP, o  5º Meetup Digital Health Portugal (DHP), subordinado ao tema “Novos tempos, novas prioridades PRR”, e o IV Forum Telesalut@SITT (Hiberiae Societas Telemedicinae et Telesanitas).

“Um sucesso retumbante”

Na cerimónia de encerramento, Alberto Schanaider afirmou que o evento foi “um sucesso retumbante”. “Não poderia estar mais satisfeito. Foram dois dias intensos, muito ricos de conteúdo, com diálogo permanente”. O Presidente do Comité Executivo da Rede CODEM-LP está convicto do crescimento da Rede e da ampliação dos “horizontes interinstitucionais e intercontinentais”.

Através de uma mensagem de vídeo, Miguel Guimarães, bastonário da Ordem dos Médicos, destacou o “trabalho notável” do diretor da FMUP, designadamente na cooperação com outras faculdades de Medicina, salientando a importância de debater a qualidade da formação, projetando o futuro. “Se queremos médicos preparados para dar a resposta necessária aos nossos cidadãos nesta altura, precisamos de pensar já que alterações é importante fazer a nível dos cursos de medicina e a nível das especialidades médicas”.

O programa terminaria com a cerimónia de atribuição do Doutoramento Honoris Causa pela Universidade do Porto ao médico e especialista em Saúde Pública moçambicano João Schwalbach.

publicado na FMUP

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