António de Sousa Uva Médico do Trabalho, Imunoalergologista e Professor Catedrático Emérito de Medicina do Trabalho e Saúde Ocupacional (ENSP/UNL)

A Saúde num relance: a propósito do excesso de mortalidade

10/16/2022

Portugal foi, em 1948, um dos países fundadores da Organização Europeia de Cooperação Económica. Mais tarde, em 1960, com os Estados Unidos da América e o Canadá, os dezoito Estados fundadores originaram a Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Económico (OCDE) que a substituiu.

A OCDE publica, regularmente, o Health at a Glance com um conjunto interessante de indicadores de saúde que constitui há muito, para quem se dedica a esta área, um documento de consulta obrigatória. Para quem não se recorda, na primavera e outono de 2020, muito se falou do excesso de mortalidade a propósito da COVID-19, voltando agora, de novo, esse tema “a inflamar”. Tal, anteriormente, era abordado basicamente a propósito das ondas de calor (por exemplo, o índice Ícaro ou GATO, seu acrónimo em inglês).

É muito interessante verificar, mais uma vez e agora de forma mais consolidada, a discrepância entre a perspectiva política e a dos estudiosos e investigadores em relação a muitas matérias e, designadamente àquele excesso de mortalidade cuja explicação está, por certo, muito para além de abordagens baseadas em perspectivas demasiado simplistas. Apesar da muita “verborreia” sobre essa matéria, não parece restar dúvida que a COVID-19, directa ou indirectamente, poderá ter contribuído, de alguma forma, para um aumento de cerca de 16% do número esperado de mortes em 2020 e primeiro semestre de 2021.

Mais ainda, em 24 de 30 países a esperança de vida diminuiu (entre nós com repercussão na idade da reforma para 2023), destacando-se os EUA (menos 1,6 anos) e a Espanha (menos 1,5 anos), já que mais de 90% dos óbitos ocorreram em maiores de 60 anos e, claro e como sempre, em populações mais vulneráveis pelas mais variadas razões.

Menos falado tem sido o impacto na Saúde Mental e a “COVID crónica” (ou Long – quão longo? – COVID), esta última podendo atingir mais de um terço desses doentes. E menos ainda se tem falado das relações trabalho/saúde(doença) relacionadas, por exemplo, com respostas à pandemia, como o trabalho à distância.

No nosso caso, logo na primavera de 2020, também investigámos os aspectos relacionados com as repercussões na Saúde Mental dos médicos e de outros profissionais de saúde e também alguns aspectos relacionados com o teletrabalho. Estas matérias serão ainda, por certo, alvo de inúmeros outros estudos mais robustos e carecem, portanto, da criação de mais (e melhor) informação.

O que parece certo é que a actual pandemia teve, para além das consequências directas na saúde dos cidadãos, diversas outras repercussões indirectas, muitas delas ainda por esclarecer. Indirectamente parece óbvio o impacto na prestação de cuidados de saúde, por exemplo, das consequências do adiamento da precocidade dos diagnósticos (não só de cancro, que é disso um marcante exemplo). Mas a grande questão que “fermenta” é se esses atrasos se poderão relacionar com o actual aumento de mortalidade? Saberemos o suficiente sobre essas interdependências? O que estamos a fazer para criar e divulgar mais conhecimento nessa matéria?

 Por outro lado, simultaneamente, terá por certo ocorrido uma redução da mortalidade por acidentes rodoviários e de trabalho e por outras doenças infecciosas transmitidas por via aérea.  Certo é que, em 2020, nos países da OCDE e com os dados disponíveis, ocorreu um excesso de 1,8 milhões de mortes, em comparação com a média dos cinco anos anteriores (ainda em média, cerca de mais 11% de óbitos) e que tal achado deve determinar a criação de mais conhecimento nesse âmbito.

O impacto de uma pequena partícula viral ainda é incompletamente conhecido e irá muito para além das mais de seis centenas de milhões de casos “oficiais” de doença e dos mais de 6,5 milhões de óbitos. O Health at a Glance 2021 já indicia bem o início desse importante impacto na nossa saúde.

Os dados preliminares de 2021 apontam para o excesso de mortalidade, mais nos grupos etários mais velhos (65 ou mais anos) que, em alguns países e com se referiu, é superior a 15%, como por exemplo na nossa vizinha Espanha. Por cá, veremos o que sucederá, o que, por certo, também dependerá das respostas a ser dadas pelo nosso sistema de saúde (que, esclareça-se pela “enésima” vez, não é sinónimo de serviço nacional de saúde).

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