Aos colegas, principalmente dos cuidados de saúde primários, apelo à mesma coisa: solicitem a avaliação da fosfatase alcalina às utentes desta faixa etária” – dos 40 aos 60 anos de idade. “É simples e podemos evitar problemas futuros mais graves”, como a doença hepática terminal.
HealthNews (HN)- O que é a colangite biliar primária?
José Presa (JP)- A colangite biliar primária é um distúrbio inflamatório das vias biliares de natureza imunológica. No fundo, a imunidade dos doentes fica contra o próprio organismo. Neste caso, o alvo são as vias biliares dos doentes.
Os doentes são frequentemente assintomáticos. Esta agressão às vias biliares é apenas detetada por alterações nas análises: o mais importante, uma subida nos valores da fosfatase alcalina. Também há, concomitantemente, a positividade de um marcador imunológico chamado anticorpos anti–mitocôndrias.
Assim, o diagnóstico da colangite biliar primária ocorre na fase assintomática ou já com sintomas, dos quais à cabeça está, seguramente, o prurido, ou comichão. Isto é algo muito impactante na vida dos doentes, que não os deixa dormir, por exemplo. Os doentes acabam por ter uma péssima qualidade de vida e ficam marcados por lesões de coceira na pele.
O diagnóstico é feito muitas vezes já tardiamente, porque comichão é algo muito inespecífico. Há doentes que têm um calvário de meses, às vezes de anos, sem chegarem ao diagnóstico, porque, primeiro, não se pensou nesta possibilidade e, depois, não lhe pediram uma determinação da fosfatase alcalina. Mais complicado será os doentes assintomáticos, em que a ausência de sintomas, às vezes, atrasa o diagnóstico durante meses ou anos. Isto é o espetro da colangite biliar primária.
HN- Existem dados recentes da prevalência em Portugal?
JP- Em Portugal, não temos muitos dados desses, infelizmente. Acreditamos que possam existir entre 500 e 1.000 doentes com colangite biliar primária, o que é pouco, e muitos estarão por diagnosticar. Nos últimos tempos, tem havido mais awareness por parte dos médicos, estando [estes] um pouco mais alerta para esta doença. Sabe-se mais, conhece-se mais, fala-se mais, e, com isto tudo, conseguimos, talvez, melhorar um pouco o número de diagnósticos.
Esses doentes devem ser diagnosticados principalmente pelos médicos de família e enviados às consultas da hepatologia nos hospitais, para que os doentes possam ser avaliados e tratados devidamente. Esta avaliação na admissão ao hospital permite-nos ver o quão grave é a doença, permitindo ao hepatologista antecipar uma evolução favorável ou desfavorável, de acordo com os vários marcadores disponiveis.
Os doentes habitualmente não são diagnosticados em fase de cirrose, mas podem evoluir para cirrose hepática, e aquilo que nós não pretendemos é que estes doentes cheguem à necessidade de transplantação. Temos armas terapêuticas que conseguem retardar a progressão da doença. Dessa maneira, retardarmos ou evitamos a necessidade de transplantação hepática.
É uma doença em que é fundamental o diagnóstico precoce.
HN- Quais são os grupos mais afetados?
JP- É uma doença muito característica do sexo feminino, na faixa etária dos 40-60 anos de idade – pessoas em idade ativa. Tem todo o interesse diagnosticarmos precocemente, para podermos tratar de forma adequada estes doentes.
HN- Que armas temos em Portugal para combater essa dificuldade de diagnóstico por falta de sintomas?
JP- Uma das coisas que advogamos é que às mulheres adultas, pelo menos uma vez na vida, seja feito o teste da fosfatase alcalina. A fosfatase alcalina não é uma análise obrigatória nas rotinas dos cuidados de saúde primários, o que é um problema, pois com este simples teste podemos seguramente diagnosticar muita doença assintomática.
É também importante fazermos campanhas, para relembrar os colegas, principalmente dos cuidados de saúde primários, de que, no sexo feminino, na faixa etária apontada, a colangite biliar primária existe e pode estar numa fase assintomática. Sabemos que [os médicos de família] têm muitas outras patologias mais prevalentes, mas, pedindo uma fosfatase alcalina aos doentes do sexo feminino, provavelmente estarão a contribuir muito para que a medicina preventiva funcione, em vez de chegarmos aos doentes apenas em fase avançada, que é isso que nós não pretendemos, de todo.
HN- O que é que as pessoas podem fazer por elas próprias?
JP- O que podem fazer é, se não lhes for pedido, terem a iniciativa de conversar com o seu médico de família, para fazerem uma determinação da fosfatase alcalina. Isso chama-se literacia em saude. Não vamos discutir tratamentos.
As campanhas de consciencialização devem dirigir-se aos doentes e aos médicos.
HN- Gostaria de deixar uma última recomendação aos profissionais de saúde e à população em geral?
JP- Às nossas cidadãs desta faixa etária, que façam pelo menos uma vez a determinação da fosfatase alcalina. Aos colegas, principalmente dos cuidados de saúde primários, apelo à mesma coisa: solicitem a avaliação da fosfatase alcalina às utentes desta faixa etária. É simples e podemos evitar problemas futuros mais graves.
Estes doentes são pessoas ativas, que ainda têm uma vida pela frente. Nós podemos, com um diagnóstico atempado, melhorar-lhes a qualidade de vida e reduzir ou evitar a progressão da doença.
Entrevista de Rita Antunes
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