Em declarações à agência Lusa, o médico neurologista do Centro Hospitalar Universitário do Porto (CHUP) e um dos responsáveis pelo Banco Português de Cérebros Ricardo Taipa salientou que, com o aumento de sobrevida dos doentes com Polineuropatia Amiloidótica Familiar (PAF), também designada paramiloidose, começaram a surgir sintomas que até então “passavam despercebidos”.
“Começamos a perceber que aumentando a sobrevida dos doentes [através do transplante hepático, medicação ou tratamentos inovadores], começam a surgir sintomas que passavam despercebidos dada a gravidade dos sintomas inicialmente reportados e pelos quais as pessoas acabam por falecer”, observou.
Em causa estão “sintomas do cérebro”, como hemorragias cerebrais, sintomas neurológicos focais transitórios [crises transitórias do cérebro] e até disfunções cognitivas com perda de algumas faculdades, que se “começam a tornar evidentes” face à sobrevida dos doentes.
“Não sabemos qual a causa específica de alguns destes sintomas, também não sabemos até que ponto os novos medicamentos conseguem penetrar na barreira hematoencefálica [estrutura que protege o sistema nervoso central de substancias neurotóxicas e essencial para a função metabólica do cérebro] e prevenir com que a doença se continue a desenvolver”, observou o neurologista.
O estudo, publicado na revista internacional Acta Neuropatológica, permitiu descobrir que a acumulação da proteína mutada sob a forma de amiloide no cérebro acontece em fases iniciais do início de sintomas e tem uma progressão típica no cérebro ao longo da evolução da própria doença.
“Esta deposição no cérebro é muito precoce, vimos que doentes que têm três ou quatro anos de início de sintomas periféricos da PAF já tinham deposição de amiloide no cérebro”, referiu Ricardo Taipa, acrescentando que a investigação permitiu também perceber que zonas do cérebro são afetadas inicialmente.
As conclusões do estudo vão permitir “interpretar melhor os marcadores ‘in vivo'”, tais como as ressonâncias que permitem detetar a amiloide no cérebro usadas, por exemplo, para a doença de Alzheimer.
“Não sabíamos qual era o padrão dessa deposição nos doentes com paramiloidose. Este estudo ajudou a perceber melhor a distribuição típica dessa deposição e para onde devemos olhar quando estamos a fazer esse tipo de exames”, esclareceu.
À Lusa, Ricardo Taipa salientou, no entanto, que para tratar esta complicação vai ser provavelmente necessário “desenhar novas formas de atuar” antes de os doentes terem os sintomas.
A paramiloidose é uma doença rara, de origem genética e progressiva, caracterizada pela produção de fibras de amiloide pelo fígado, que vão sendo depositadas nos tecidos e nos nervos, destruindo-os lentamente.
Perda de sensibilidade à temperatura, formigueiros, picadas e dormências, dor intensa nos pés e parte inferior das pernas, fraqueza e atrofia muscular, conjugada com emagrecimento muito rápido, tonturas, desmaios e diarreias frequentes são alguns dos sintomas.
A doença manifesta-se ao atingir o sistema nervoso periférico com sintomas sensório-motores, levando, normalmente, à morte num período de 10 anos após o início dos sintomas se nenhuma intervenção terapêutica for efetuada.
Em Portugal, estima-se que perto de 2.000 pessoas tenham a doença.
Em termos de investigação, os próximos objetivos passam por tentar compreender “porque é que a amiloide se deposita naquele sitio em particular do cérebro e o que a faz progredir no cérebro”, acrescentou o neurologista.
A investigação desencadeada pela Unidade Corino de Andrade e pelo Banco Português de Cérebro recorreu a informação de 16 dos cerca de 100 cérebros doados.
LUSA/HN
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