João e Nathan, duas pessoas com deficiência há largos meses à espera de uma junta médica

3 de Fevereiro 2023

Os casos de pessoas com atestado médico de incapacidade multiusos caducado sucedem-se, havendo quem desconheça o grau de incapacidade ou esteja impedido de pedir apoios sociais, como João ou Nathan, que esperam há largos meses por uma junta médica.

João, 57 anos, tem a doença de Charcot Marie Tooth, uma neuropatia rara e degenerativa que leva ao atrofiamento dos músculos das pernas, tendo marcado a primeira junta médica ainda nos anos de 1990 para a compra da primeira viatura. Foi-lhe passado um atestado médico de incapacidade multiusos (AMIM) com um grau de incapacidade de 75%.

Na altura, o processo foi simples e rápido e permitiu-lhe ter desconto no valor de imposto automóvel (IA – atual imposto sobre veículos) e do IVA. Mais tarde, com a necessidade de troca de viatura, voltou a passar pelo processo, mas, apesar de a doença se ter agravado, constata que as alterações às tabelas de incapacidades fizeram com que o seu grau de deficiência baixasse para 60%.

“Até digo em brincadeira aos amigos que agora quando for novamente a uma junta médica não vai haver problema porque eu vou estar de saúde. Já estou de cadeira de rodas e tudo, mas pela nova junta médica, por este andar da situação, eu devo ter para aí 30% só [de incapacidade] ”, ironizou.

João explicou que os benefícios fiscais e outro tipo de apoios variam consoante o grau de incapacidade, pelo que entendeu que deveria marcar novamente uma junta médica para aferir aquilo a que tem direito ou para ter em dia tudo o que for necessário para quando chegar a altura de pedir a reforma por invalidez.

Fez esse pedido em junho de 2022 e até agora nenhuma informação sobre o estado do processo, admitindo que ainda não teve nenhum prejuízo direto por causa disso, além do tempo de espera que vai já em sete meses.

De acordo com a legislação em vigor, a junta médica deve ser marcada até 60 dias após a apresentação do respetivo requerimento, mas a Unidade de Saúde Pública Professor J. Pereira Miguel (Loures/Odivelas), por exemplo, informou uma utente que a lista de espera para a marcação de uma junta médica é de 18 meses, de acordo com mails a que a Lusa teve acesso, datados de outubro de 2022.

A Associação Portuguesa de Deficientes (APD) diz que “continua a receber várias queixas sobre os atrasos na marcação das juntas médicas” e refere ter “conhecimento de atrasos na marcação (…) que podem levar a tempo de espera até dois anos”, adiantando que já antes da crise pandémica havia “atrasos de seis meses a um ano tanto para aquisição pela primeira vez do AMIM, como para situações de reavaliação”.

“Já nesse período assistíamos à dificuldade que as pessoas tinham em pedir apoios económicos através da Segurança Social, como é o caso da Prestação Social para a Inclusão, que tem a obrigatoriedade de apresentar o AMIM, como através das finanças para obtenção de benefícios fiscais, tais como a dedução de IRS, aquisição de veículo e até mesmo o acesso ao crédito à habitação bonificado para pessoas com deficiência”, disse a APD à Lusa.

Nathan é outro caso que comprova os atrasos na marcação de uma junta médica para avaliação de grau de incapacidade, para a qual apresentou requerimento em 20 de julho de 2021, ou seja, há 18 meses, e a quem a única explicação dada foi justificada com a pandemia da covid-19.

“Não [me deram prazo] e quando a minha mãe foi perguntar, no ano passado, quando fez um ano, disseram que estavam a chamar as pessoas que fizeram o requerimento em 2019. Isso em 2022. Como o meu foi em 2021 ainda estamos à espera”, contou.

Disse saber de um outro caso, de uma pessoa que conheceu no Centro de Medicina de Reabilitação de Alcoitão, que fez o requerimento em 2020 e foi chamado para uma junta médica em novembro de 2022, o que leva Nathan a acreditar que seja chamado ainda durante este ano.

Nathan teve um acidente rodoviário em setembro de 2019, do qual resultou um traumatismo cranioencefálico grave, estando desde essa altura a fazer reabilitação. A mãe só apresentou o requerimento para a junta médica dois anos depois do acidente e Nathan explicou que será necessária para aferir o seu atual grau de incapacidade, que desconhece, mas também para ter direito a dístico de estacionamento, por exemplo, depois que lhe seja passado o atestado médico de incapacidades multiuso (AMIM).

As dificuldades na emissão ou revalidação do AMIM, por causa dos atrasos na marcação das juntas médicas, têm tido a atenção da provedora de Justiça, que desde 2020 tem feito várias recomendações. Ainda nesta semana, Maria Lúcia Amaral enviou um ofício ao secretário de Estado da Saúde a alertar para a urgência de prorrogar a validade dos AMIM.

Por outro lado, em finais de 2022, quatro projetos de lei do BE, Chega, Livre e PCP, que pretendiam agilizar o acesso às juntas médicas para emissão de atestados de incapacidade multiuso, foram rejeitados com os votos contra da bancada socialista, com o argumento de que o Governo já tinha tomado medidas para minimizar os atrasos, agravados durante a pandemia da covid-19.

No entanto, na semana passada, o coordenador do Movimento Cidadão Diferente, um movimento cívico de defesa das pessoas com deficiência, dava conta de que centenas de pessoas estarão sem conseguir aceder a prestações sociais ou benefícios fiscais devido aos atrasos.

A APD, por seu lado, sugere um reforço da informação que é disponibilizada sobre o AMIM, dando conta que muitas vezes “os serviços remetem as pessoas para novas juntas médicas com a indicação de que o AMIM não está válido, quando na realidade isso não acontece”.

“Por vezes, até as próprias juntas médicas dão informações incorretas”, refere a APD, que recomenda também a prorrogação da validade dos atestados e outras medidas capazes de compensar as pessoas com deficiência.

A Lusa contactou o Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, que tutela a área da deficiência, mas continua sem resposta.

LUSA/HN

0 Comments

Submit a Comment

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

ÚLTIMAS

Brasil declarado livre de febre aftosa sem vacinação

O Brasil, maior produtor e exportador mundial de carne bovina, foi declarado livre de febre aftosa sem vacinação pela Organização Mundial de Saúde Animal (OIE), anunciou hoje a associação patronal brasileira do setor.

Informação HealthNews: Ana Paula Martins será reconduzida no cargo

De acordo com diferentes fontes contactada pelo Healthnews, Ana Paula Martinis será reconduzida no cargo de Ministra da Saúde do XXV Governo constitucional, numa decisão que terá sido acolhida após discussão sobre se era comportável a manutenção da atual ministra no cargo, nos órgão internos da AD. Na corrida ao cargo, para além de Ana Paula Martins estava Ana Povo, atual Secretária de Estado da Saúde, que muitos consideravam ser a melhor opção de continuidade e Eurico Castro Alves, secretário de estado da Saúde do XX Governo Constitucional.

MAIS LIDAS

Share This
Verified by MonsterInsights