O trabalho, premiado com um valor de 100 mil euros, representa uma visão de 15 anos de percurso na investigação básica e clínica na área do neurodesenvolvimento, em particular no autismo, influenciada pela história pessoal do autor, pai de um jovem com esta condição, com responsabilidades associativas e federativas.
Alicerçada na procura de biomarcadores e novas terapias, a investigação teve como foco os conceitos chave de Neurodiversidade e Medicina Personalizada. O conceito de Neurodiversidade aplicado à Medicina, em particular ao autismo, mostra que, apesar das semelhanças entre indivíduos, o nosso cérebro transporta marcas únicas que levam a manifestações biológicas e do comportamento muito diferentes, originando a necessidade de tratamentos diferenciados e ajustados a cada pessoa, isto é, Medicina Personalizada.
Com esta visão da “molécula ao homem”, ligando a biologia molecular, imagiologia cerebral e neurociência cognitiva, foram realizados diversos ensaios clínicos, usando fármacos, mas também terapias não farmacológicas com base científica, sobretudo interfaces homem-máquina e jogos imersivos, para tentar melhorar aspetos como o reconhecimento de emoções, a regulação emocional e a ansiedade no autismo.
“O trabalho confirmou que para compreender e reabilitar melhor o autismo é preciso ter em conta marcadores neurobiológicos que permitam caracterizar melhor a Neurodiversidade, de forma a concretizar abordagens de Medicina Personalizada e de Precisão, tendo sido crucial o trabalho de equipas multidisciplinares”, explica Miguel Castelo-Branco, coordenador científico do Coimbra Institute for Biomedical Imaging and Translational Research (CIBIT/ICNAS) e professor da Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra.
Para o presidente do júri do Prémio BIAL de Medicina Clínica 2022, Manuel Sobrinho Simões, “o trabalho vencedor reflete um percurso de vida dedicado à investigação, alicerçado na história pessoal do autor, que contribuiu substancialmente para a compreensão da dualidade saúde/doença, permitindo o desenvolvimento de tratamentos personalizados de forma a melhorar competências sociais e de regulação emocional no autismo”.
O júri do Prémio BIAL de Medicina Clínica 2022 decidiu ainda atribuir duas menções honrosas, cada uma no valor de 10 mil euros. Sobrinho Simões realça a relevância das obras galardoadas com menção honrosa, destacando que “foram distinguidos dois trabalhos, no âmbito da patologia molecular dos tumores cerebrais e da epidemiologia da hipertensão arterial na população moçambicana, que demonstram a importância da investigação científica para a evolução da medicina em particular e da sociedade em geral”.
Distinguido com uma menção honrosa, “Brain Tumors 360º: from biological samples to precision medicine for patients” é um trabalho da autoria de Cláudia Faria, neurocirurgiã no Hospital de Santa Maria (Centro Hospitalar Universitário Lisboa Norte – CHULN), investigadora no Instituto de Medicina Molecular João Lobo Antunes (iMM) e professora na Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa (FMUL), que pretende contribuir para melhorar o conhecimento científico dos tumores cerebrais, através do desenvolvimento da Brain Tumor Target (BTTarget), uma plataforma centrada no doente que permite simular a doença humana e testar modelos e terapias inovadoras para Medicina Personalizada.
O primeiro passo consistiu na criação de um Banco de Tumores Cerebrais no Biobanco-iMM CAML, que inclui amostras biológicas de aproximadamente 2000 doentes.
A BTTarget permite uma visão 360º dos tumores cerebrais, que começa na análise do material biológico, passando pela integração de dados clínicos e de anatomia patológica, pela criação de modelos que simulam a doença humana, e culminando na descoberta de biomarcadores ou novos tratamentos que voltam ao doente sob a forma de ensaios clínicos.
Esta plataforma promove a colaboração em projetos de investigação nacionais e internacionais, com o objetivo de ajudar a compreender melhor como se formam os tumores cerebrais e de que forma podemos melhorar o tratamento dos doentes.
Cláudia Faria explica que “apesar dos avanços no conhecimento da biologia molecular, os tumores cerebrais malignos continuam a ser uma importante causa de morbilidade e mortalidade em crianças e adultos, por isso estas descobertas, após validação em ensaios clínicos em doentes, podem contribuir para a melhoria da sua sobrevida e qualidade de vida”.
O júri atribuiu também uma menção honrosa ao trabalho “Contribuição para o estudo da Hipertensão Arterial em Moçambique e na África subsaariana: Resultados de um combate de 25 anos”, coordenado por Albertino Damasceno, cardiologista no Hospital Central de Maputo e professor catedrático jubilado da Universidade Eduardo Mondlane, reconhecido pela Ordem dos Médicos de Moçambique como o “Pai da Cardiologia em Moçambique”.
Este trabalho apresenta os resultados de uma ampla pesquisa no domínio da hipertensão arterial na população de Moçambique, realizada nos últimos 25 anos, fruto de uma colaboração entre a Universidade Eduardo Mondlane de Moçambique e a Faculdade de Medicina da Universidade do Porto (FMUP), bem como outras instituições académicas africanas e grupos de trabalho internacionais.
Pretendeu-se recolher novas informações relativamente à hipertensão arterial nos indivíduos negros da África Subsaariana, e especificamente de Moçambique, conhecer melhor a sua epidemiologia e fisiopatologia, bem como identificar vários fatores determinantes que possam suportar decisões sobre medidas preventivas e terapêuticas mais adequadas para reduzir a morbilidade e mortalidade associadas à hipertensão arterial.
O trabalho mostrou que, na população de Moçambique, um em cada três adultos tem hipertensão arterial, identificou as suas causas, tipos e os baixos níveis de controlo constatando a sua responsabilidade por uma anormalmente elevada mortalidade por acidentes cardiovasculares. Identificou ainda quais os medicamentos mais eficazes para tratar a hipertensão arterial na população africana, bem como as medidas de saúde pública que deverão ser aplicadas para minimizar no futuro as graves consequências desta situação.
De acordo com Albertino Damasceno, “a hipertensão arterial é o principal fator de risco para a insuficiência cardíaca, para o acidente vascular cerebral e para a cardiopatia isquémica em África”, explica o coordenador da obra, acrescentando que “este trabalho poderá ajudar a individualizar estratégias de prevenção, diagnóstico e tratamento da hipertensão arterial para muitos portugueses ou imigrantes de origem africana residentes em Portugal”.
Além de Albertino Damasceno, a obra distinguida contou com a coautoria de Jorge Polónia (FMUP e Hospital Pedro Hispano), Nuno Lunet (FMUP e Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto), António Prista (Universidade Pedagógica de Maputo), Carla Silva Matos (Ministério da Saúde de Moçambique) e Neusa Jessen (Hospital Central de Maputo e Universidade Eduardo Mondlane).
A cerimónia de entrega do Prémio BIAL de Medicina Clínica 2022 decorre no dia 8 de fevereiro, na Aula Magna da FMUP, e conta com o Alto Patrocínio do Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, e o patrocínio do Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas e da Ordem dos Médicos.
PR/HN/RA
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