Esta é a mais recente província de Moçambique a ser afetada pela doença que surge sazonalmente, associada à época das chuvas, e que apesar de ser tratável ainda provoca mortes todos os anos, através de vómitos e diarreias que levam a uma súbita desidratação.
A poucos metros da vala nauseabunda, vendedoras fazem negócio informal, com bancas improvisadas à beira da estrada, algumas de venda de comida, um risco para a saúde pública.
Está à vista que “prevalece o mau saneamento na maior parte dos bairros afetados pela doença”, explicou à Lusa o médico chefe provincial, Edson Fernando.
Nas casas precárias autoconstruídas não há instalações sanitárias e as latrinas são insuficientes, como no bairro de Paquite, o que fez com que os casos de cólera disparassem.
“A eclosão da cólera em Paquite deve-se ao fecalismo a céu aberto”, levando a que o bairro seja responsável por cerca de metade dos 39 casos de cólera detetados oficialmente na cidade desde que o surto foi declarado no dia 16 de março, referiu Edson Fernando.
Há uma campanha de sensibilização porta-a-porta “a explicar boas práticas de higiene”, a importância de construir latrinas e agilizar a recolha de lixo.
A doença é propagada através de água e alimentos contaminados com o esgoto e o risco aumenta sempre na época chuvosa (que em Moçambique vai de outubro a abril) devido às inundações e à destruição de infraestruturas.
O surto de cólera que afeta o país desde setembro de 2022 atinge oito províncias e já matou 75 pessoas, num total de 10.697 casos acumulados, segundo números do Ministério da Saúde.
Em Cabo Delgado, o distrito da capital provincial é o único afetado e no centro de tratamento de cólera de Pemba, apesar de continuarem a chegar novos casos, não há registo de mortes.
A sobrinha e um irmão de Chauri Momade já passaram por lá e este morador do Paquite espera que mais ninguém da família lá vá parar, porque a falta de condições de salubridade no bairro é gritante: “As crianças não têm onde brincar, andam junto do lixo, pegam em coisas podres” misturadas com dejetos.
Ao longe, algumas delas aproveitam para brincar dentro de um charco, onde até lavam a cara, sem que ninguém as impeça.
Alima Chomar, 35 anos, nasceu e cresceu no bairro de Paquite e hoje está no centro de tratamento a acompanhar a mãe de 67 anos, internada desde dia 18.
Após três dias de diarreias e vómitos, foi-lhe diagnosticada cólera.
Moram numa casa sem latrina, com outras dez pessoas, e à falta de saneamento, recorrem à praia.
“Eu sei que estamos a contribuir para a eclosão da cólera, porque na minha casa não tem latrina, mas a culpa é do meu padrasto, que não a quer fazer”, lamenta Alima, em kimwani, língua local.
“O município também não colabora e o lixo fica duas semanas ou mais sem ser removido”, num bairro onde moram muitos pescadores e que é um dos mais antigos de Pemba.
Ao lado, Alide Momade, 29 anos, está no centro porque acompanhou outros dois doentes e diz que, em casa, faz tudo o que pode para seguir as recomendações de higiene, mas o lixo leva tempo a ser recolhido.
Na rua, passa uma unidade móvel com avisos à população.
O carro circula pelos bairros para desaconselhar a venda e consumo de produtos alimentares preparados em locais impróprios, mais uma peça da estratégia de sensibilização, num cenário recorrente.
A falta de saneamento prevalece há vários anos em aglomerados populacionais moçambicanos, pressionados por um crescimento demográfico imparável – situação agravada em Pemba porque a cidade acolhe muitos dos deslocados do conflito armado de Cabo Delgado.
LUSA/HN
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