“Meias medidas” não são eficazes para conseguir geração livre de tabaco

27 de Maio 2023

Especialistas defendem que “meias medidas” não são eficazes para promover uma geração sem tabaco em 2040, lamentando o recuo na proposta da lei do tabaco em relação à venda deste produto nos postos de combustíveis.

O jornal Público noticia hoje que a interdição de venda de tabaco nas estações de serviço dos postos de abastecimento de combustíveis acabou por ser retirada da versão final do documento de alterações à lei do tabaco que esta quinta-feira foi enviado para a Assembleia da República.

“O recuo na lei proposta pelo próprio Governo é muito preocupante porque mostra que o Governo não soube defender a lei”, afirmou à agência Lusa a coordenadora da Comissão de Tabagismo da Sociedade Portuguesa de Pneumologia, Sofia Ravara.

A especialista defendeu que estas “medidas robustas” de prevenção de tabagismo têm que ser antecipadamente preparadas, fazendo estudos sobre a opinião da população e envolvendo a população e os vários atores económicos e sociais cujas medidas vão ter impacto na sua atividade económica para depois saberem quais são os seus argumentos e as suas posições e saberem rebatê-las, fazendo também estudos.

“Tem que sempre haver países que sejam pioneiros para implementar as medidas mais avançadas, aquelas que poderão fazer a diferença na prevenção do tabagismo e também na cessação tabágica, ajudar os fumadores a deixar de fumar, poder reduzir a prevalência de tabagismo e as suas consequências sociais, económicas e também ambientais”, bem como conseguir “desnormalizar o consumo” de um “produto legal, mas altamente aditivo e letal”, que ainda tem “uma grande aceitação social”, salientou.

Contactado pela Lusa, o coordenador da Comissão de Tabagismo da Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia, Paulo Côrrea, defendeu que “meias medidas não são eficazes para promover uma geração sem tabaco em 2040”, referindo que “cabe ao Governo de Portugal e à Assembleia da República proteger a saúde de todos os portugueses”.

Paulo Côrrea deu o exemplo do Brasil, onde as políticas de controlo do tabagismo avançaram muito, apesar de ser o segundo país produtor mundial e um dos maiores exportadores de tabaco.

“Esse avanço só foi conseguido graças à articulação de vários órgãos da sociedade civil. Então é importantíssimo que a sociedade de Portugal toda entenda que o controlo do tabaco exige uma articulação entre as diversas entidades” envolvidas, defendeu o pneumologista e investigador que criou uma organização não-governamental de promoção da saúde.

Por outro lado, defendeu que a sociedade portuguesa tem que entender que “deixar a indústria livre para aferir lucros faz com que o Governo português tenha que gastar muito mais com o tratamento dos fumadores”.

“A imprensa e a sociedade civil têm um papel importantíssimo a exercer, denunciando e evitando a interferência da indústria nas políticas públicas”, defendeu.

Hilson Cunha Filho, dirigente da Confederação Portuguesa de Prevenção do Tabagismo, disse, por seu turno, que “os pontos de venda [de tabaco] são um assunto que está na agenda, mas que o Governo nunca discutiu”, apesar de se saber que “mais cedo ou mais tarde tem que avançar em relação à imensa oferta de produtos do tabaco que existe na comunidade portuguesa”.

“Vende-se tabaco em todos os lugares e de todas as formas e as pessoas não estão preparadas para fazer esta venda. Não estão preparadas para limitar o acesso a menores”, uma preparação e responsabilidade que disse nunca ter sido exigida, disse o investigador.

Também lamentou que o Governo não tenha tido força para levar a medida adiante e disse ser “muito complexo” avançarem com medidas sem consultarem e discutirem com os especialistas envolvidos na implementação das políticas na área tabagismo.

“Depois é preparar os agentes comerciais, a indústria para aquilo que é necessário ser implementado, não digo consultá-los porque a indústria do tabaco no seu todo não deve ser fazer parte da decisão política”, defendeu.

Para Hilson Cunha e Filho, a decisão política “tem que ser comunicada como deve ser e deve ser medida antes de avançar”, porque, vincou, “esses avanços e recuos por parte do Governo só prejudicam a estratégia como um todo e mostram uma fraqueza daqueles que tem que mostrar que sabem o que estão a fazer”.

“Do lado de lá, cada vez mais sentimos que existe uma verdadeira e efetiva ação de ‘lobbying’ por parte da indústria e de todos os outros agentes comerciais que fazem parte dessa indústria do tabaco. É desagradável ter que admitir, mas é isto que acaba acontecendo”, lamentou o investigador.

O ministro da Saúde confirmou hoje, no Porto, o recuo na proibição de venda de tabaco em postos de combustíveis, por se ter constatado que havia muitas localidades onde não existiam alternativas.

“Se fosse levada por diante a ideia de proibir a venda nas bombas de gasolina, havia muitas localidades onde o sítio para comprar tabaco ficava demasiado longe”, justificou Manuel Pizarro, exemplificando que pessoas que por motivos laborais só pudessem comprar tabaco à noite ficariam sem oferta.

NR/HN/Lusa

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