Lúcio Meneses de Almeida Médico Assistente Graduado de Saúde Pública Presidente do Conselho Nacional de Ecologia e Promoção da Saúde da Ordem dos Médicos

Novo estatuto da Ordem dos Médicos: futuro da carreira médica ou colapso do SNS?

06/15/2023

Confesso que me tinha obrigado a não escrever mais sobre o Serviço Nacional de Saúde (SNS). Pelo menos, nos tempos proximais. No entanto, uma sucessão de episódios, de frequência quase diária, levou-me a romper com este desiderato.

Desde o caos na Direção-Geral da Saúde, serviço de saúde pública de âmbito nacional, até à proposta de alteração do Estatuto da Ordem dos Médicos, os últimos tempos têm sido prolíficos em acontecimentos particularmente gravosos para o SNS.

Em escassos quinze dias, assistimos aos pedidos de demissão do Subdiretor-geral da Saúde e do Coordenador da Comissão para a Reforma da Saúde Pública. Por mais que o poder político o possa desvalorizar, trata-se de acontecimentos-sentinela no respeitante à realidade sistémica presente.

A Ordem dos Médicos Portugueses foi criada em novembro de 1938. Enquadrada, à data, na organização social e política do Estado Novo, ajustou-se aos novos ventos da história nacional, decorrentes da eclosão do regime democrático.

Em 85 anos de existência, o papel da Ordem dos Médicos não se tem limitado à regulação, nos termos legais, da atividade médica. O “Relatório das carreiras médicas” (1961), ou relatório Miller Guerra, é um eloquente exemplo de advocacia em saúde pública – tanto mais que reportado a um contexto político particularmente adverso à identificação de problemas societais.

Relativamente à proposta de alteração do Estatuto da Ordem dos Médicos, considero estarmos perante a maior ameaça de sempre à Medicina Portuguesa. Incluo, nesta apreciação, os conturbados anos revolucionários (“PREC”), propiciadores de condutas irrefletidas e primariamente irresponsáveis.

No dizer de António Arnaut, não teria sido possível o SNS sem as carreiras médicas. E sem carreiras médicas a sobrevivência do SNS não é possível.

A desregulação da prática médica, que emerge da referida proposta de diploma legal, traduz, por consequência, o mais grave ataque ao SNS desde a sua criação, em 1979, pela Assembleia da República e no contexto de um Governo independente. E limita, de forma absurda, os inscritos na Ordem dos Médicos nos seus direitos associativos de índole sindical.

Não se compreende que seja liminarmente vedado, a um dirigente sindical, o exercício de cargos em órgãos da Ordem dos Médicos. É o caso de órgãos meramente consultivos, constituídos por designação e não por eleição, de que é exemplo o conselho nacional a que presido.

A proposta em apreço abre, ainda, as portas à arbitrariedade por parte de um “conselho de supervisão”, em que 2/3 dos seus membros são externos à profissão médica.

Convirá recordar que a Medicina é, acima de tudo, uma arte. Ora, uma arte tem de ser praticada. Acresce que a arte médica tem mais de 2500 anos de organização interna.

No ano do seu falecimento (2018), António Arnaut dirigiu ao Primeiro-ministro um pungente apelo de salvaguarda do SNS. Desde então, assistimos ao esboroar, orgânico e funcional, da sua estrutura…

O ataque à carreira médica afigura-se como a machadada final e decisiva neste sinistro processo. A tutela política assume, desta forma, o papel do carrasco que decapita o supliciado.

Chegámos, em conclusão, ao ponto de não retorno do SNS. Tragicamente, não se trata de um não retorno funcional, mas, antes, vital…

1 Comment

  1. Áurea Almeida

    Concordo com tudo o que diz
    Atravessamos uma época que Está a por em causa todos os mèdicos
    Näo podemos deixar que à ordem dos médicos seja regulada por não médicos
    Devemos manter o juramento de Hipocrates
    Tem que ser a ordem dos médicos a supervisionar
    A idoneidade dos serviços para as especialidades tem que ser determinada pela ordem dos médicos
    A avalisção também tem que ser supervisionada pela ordem
    Todos os médicos têm que se inscrever na ordem dos médicos e cumprir os seus estatutos

Submit a Comment

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

ÚLTIMAS

Prémio Inovação em Saúde: IA na Sustentabilidade

Já estão abertas as candidaturas à 2.ª edição do Prémio “Inovação em Saúde: Todos pela Sustentabilidade”. Com foco na Inteligência Artificial aplicada à saúde, o concurso decorre até 30 de junho e inclui uma novidade: a participação de estudantes do ensino superior.

Torres Novas recebe IV Jornadas de Ortopedia no SNS

O Centro de Responsabilidade Integrado de Ortopedia da ULS Médio Tejo organiza as IV Jornadas dos Centros de Responsabilidade Integrados na área da Ortopedia este sábado, 12 de abril, no Teatro Virgínia, em Torres Novas. O evento reúne especialistas nacionais e internacionais.

SPMS alerta para esquema de phishing em nome do SNS

Os Serviços Partilhados do Ministério da Saúde (SPMS) alertam para um esquema fraudulento envolvendo mensagens SMS em nome do SNS. As falsas comunicações pedem atualização de registo para evitar perda de acesso aos cuidados de saúde, mas visam roubar dados pessoais ou instalar vírus.

Saúde mental prioritária: 1 psicólogo por cada 500 alunos

A nova Lei n.º 54/2025 estabelece um rácio de 1 psicólogo por cada 500 alunos nas escolas públicas e cria uma rede de serviços de psicologia no ensino superior, incluindo uma linha telefónica gratuita. Estas medidas reforçam a saúde mental e o bem-estar educacional em Portugal.

IGAS processa Eurico Castro Alves

A Inspeção-Geral das Atividades em Saúde (IGAS) anunciou hoje ter instaurado em novembro de 2024 um processo ao diretor do departamento de cirurgia do Hospital Santo António, no Porto.

MAIS LIDAS

Share This
Verified by MonsterInsights