Falta de respostas para crianças especiais faz criar campo de férias em Aveiro

16 de Agosto 2023

Há crianças com perturbações de neurodesenvolvimento que não têm onde ficar durante o verão, “como se a doença fosse de férias”, disse hoje à Lusa Carolina Duarte, médica no Hospital de Aveiro.

Foi essa realidade que levou a Habilitar, associação de que é uma das fundadoras, a organizar um campo de férias este ano, em julho, com o apoio da Câmara Municipal de Aveiro.

São crianças que sofrem de patologias como a perturbação do espetro do autismo, perturbação da linguagem, défice intelectual, ou de síndromes como Trissomia 21, Síndrome de X Frágil, Síndrome de Williams.

Na consulta de neurodesenvolvimento do Hospital de Aveiro, Carolina Duarte tem-se deparado com o drama de pais a quem é recusada a inscrição dos filhos em ATL e campos de férias.

“Uma criança que não come sozinha, ou que não pode andar sozinha, que usa fralda apesar de já ter 14 ou 15 anos, ou que não consegue ficar quieta e não obedece a instruções, dificilmente é recebida nos ATL porque não têm condições”, exemplifica.

De acordo com a pediatra, o que acontece é que durante o período letivo estão integradas nas escolas, mas chegam as férias e ficam em casa, com os pais a revezarem-se ou a pedir a familiares que fiquem com elas.

“Alguns chegam à consulta em crise, porque durante as férias essas crianças ficam sem qualquer atividade e, se as famílias com mais posses contratam alguém para tomar conta delas, a generalidade das famílias não o pode fazer”, explica Carolina Duarte.

“Há pais que se vêm forçados a meter baixa para assistência à família e revezam-se para cobrir os três meses das férias escolares, sendo penalizador para os próprios pais que, também eles, precisariam de ter alguns dias de descanso, até para dar atenção a outros irmãos”, acrescenta.

A sede do campo de férias organizado este ano pela Habilitar foi a Escola João Afonso, através de uma cedência ao abrigo de uma parceria de colaboração com a autarquia.

As inscrições foram abertas através das redes sociais e rapidamente esgotaram.

Foi um campo de férias inclusivo, em que apenas um terço das crianças participantes tinha alguma patologia, repartido em dois grupos, cada um deles acompanhado por um técnico especializado, um monitor e um voluntário, que receberam previamente formação específica.

“Só foi possível também porque a Habilitar se candidatou a um apoio do Instituto Nacional de Reabilitação para obter financiamento e isto é algo que geralmente não existe”, observa.

O campo de férias proporcionou diversas atividades, como visitas à oficina do doce e ao Museu de Aveiro e culminou com um desfile, em que crianças com e sem patologias exibiram os trajes por si confecionados “com grande naturalidade, como se já convivessem há mais tempo”, segundo descreve Carolina Duarte.

“É um exemplo a repetir, com mais tempo e mais crianças e a replicar, porque a falta de respostas é nacional. Falta o reconhecimento do problema, torná-lo um problema real e público, a que é preciso dar resposta, como se dá resposta com ATL e atividades de campos de férias às crianças saudáveis”, conclui.

LUSA/HN

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