Sílvia Oliveira: “O doente pode colaborar connosco e barrar a ocorrência de um evento adverso”

09/17/2023
No dia 21 de setembro, o Hospital de Braga dinamiza atividades para utentes e as Jornadas de Segurança do Doente, para profissionais de saúde. “Com duas dinâmicas completamente diferentes, acabamos por chegar a dois públicos distintos tendo um só objetivo: que os nossos utentes consigam perceber melhor o ambiente que os rodeia, estar um bocadinho mais atentos e, no fundo, evitar que aconteçam eventos adversos”, disse ao HealthNews, em entrevista, Sílvia Oliveira, coordenadora do Gabinete de Gestão do Risco do Hospital de Braga.

HealthNews (HN)- São as primeiras Jornadas de Segurança do Doente, no dia 21 de setembro. O que fez o Hospital de Braga entender que era a altura certa para organizar este evento?

Sílvia Oliveira (SO)- No Hospital de Braga, desde 2019 que é assinalado, no dia 17 de setembro, o Dia Mundial da Segurança do Doente. Tentamos sempre abraçar o desafio da OMS, que é fazer atividades que promovam a temática e ir ao encontro do tema proposto e aproveitar. Claro que a segurança do doente deve ser uma preocupação todos os dias, mas sabemos que assinalar dias temáticos ajuda a promover uma reflexão diferente. Fizemos várias atividades desde 2019, mas isto também traduz a maturidade da organização e da equipa. Quando planeámos 2023, achámos que já era altura de nos aventurarmos a organizar as jornadas. Consideramos o tema escolhido para este ano muito interessante e achamos que as jornadas podem ser uma boa forma de o abordar.

Estão inscritos profissionais de vários pontos do país.

HN- O que é que profissionais de saúde e utentes poderão encontrar nestas jornadas?

SO- A Organização Mundial de Saúde lança anualmente um tema e, desta forma, dá-nos um foco, pois segurança do doente é um tema muito abrangente. Este ano, tocou numa questão que tem vindo a ser foco da nossa atenção, que é a literacia para a segurança nos cuidados de saúde. O que é que pretendemos com isto? Pretendemos envolver o doente, capacitá-lo, também, para que ele nos possa ajudar a tornar os cuidados de saúde mais seguros. Ou seja, eles serem nossos parceiros, quando capazes, no sentido de evitar a ocorrência de eventos adversos – incidentes que possam ocorrer durante a prestação de cuidados de saúde.

Vários fatores podem contribuir para um momento de distração. O doente pode colaborar connosco e barrar a ocorrência de um evento adverso. Nesse sentido, propusemos dinâmicas para os profissionais de saúde e para os cidadãos.

Para os profissionais de saúde preparámos as jornadas. Achámos que seria importante arrancar o dia com a presença da Direção-Geral da Saúde. Estará presente a Professora Carla Pereira, da Divisão de Planeamento e Melhoria da Qualidade da Direção-Geral da Saúde. Isto porque o Plano Nacional para a Segurança dos Doentes, publicado em 2021, até 2026, já inclui num dos seus objetivos estratégicos esta temática, em que o desafio é aumentar a literacia e a participação do doente. E não nos podemos esquecer da família, dos cuidadores, das pessoas que estão junto dele. Para nós, faz todo o sentido que haja uma contextualização da temática, na medida em que a própria Direção-Geral da Saúde ambiciona que estas temáticas sejam abordadas e uma das ações propostas neste objetivo estratégico é precisamente sensibilizar a população; a outra ação é que as organizações de saúde pelo menos anualmente dinamizem uma atividade nesse sentido.

Posteriormente, vamos partilhar os dados de um estudo que foi levado a cabo no Hospital de Braga por uma estagiária de Engenharia Biomédica, em que avaliámos a perceção dos doentes e dos profissionais em relação a esta temática. Os doentes foram questionados no sentido de perceber se eles consideram importante fazer determinadas questões ou adotar determinados comportamentos neste sentido. Os resultados serão apresentados pela primeira vez.

Escolhemos três grupos profissionais e estarão três Ordens Profissionais a representá-los: a Ordem dos Farmacêuticos, a Ordem dos Médicos e a Ordem dos Enfermeiros, cujo desafio é partilharem com os profissionais de saúde as iniciativas que têm levado a cabo.

Da parte da tarde temos a partilha de boas práticas que têm vindo a ser desenvolvidas no país. A enfermeira Catarina Amaral, do Centro Hospitalar Tondela Viseu, foi convidada porque integrou um projeto que reuniu hospitais para implementar um conjunto de medidas no âmbito da promoção da literacia para a segurança nos cuidados de saúde. Já há aqui um caminho feito, à semelhança do Centro Hospitalar Lisboa Central, que também participou nesse projeto. Por fim, o Centro Hospitalar de Tâmega e Sousa, que recentemente editou um guia para o utente muito interessante, muito interativo e que capacita o doente não só para a literacia na segurança dos cuidados de saúde como para a literacia para a saúde em geral. Também por isso convidámos a Professora Cristina Vaz de Almeida, presidente da Sociedade Portuguesa de Literacia em Saúde, que não estará presencialmente, por questões de agenda, mas irá participar.

Finalmente, temos a apresentação de pósteres e comunicações, uma oportunidade para outros hospitais e centros de saúde, que não foram convidados e com práticas que por vezes desconhecemos, partilharem com os seus colegas projetos que tenham nesta área.

Achámos que não fazia sentido estarmos reunidos a falar sobre promover literacia para a segurança na saúde e não ter iniciativas para os nossos utentes. Tendo o Hospital de Braga a área da entrada principal, que convida a estas iniciativas, vamos promover aí a literacia para a segurança dos cuidados de saúde, com profissionais de saúde, com estratégias de interação com os utentes, abordando algumas temáticas. A segurança cirúrgica é uma delas. Vamos simular uma sala cirúrgica, também para os doentes desmistificarem alguns conceitos; vamos explicar porque é que são feitas algumas perguntas, porque é que são pedidas algumas coisas, para que eles percebam o porquê das coisas que lhes são pedidas. Vamos ter um espaço sobre a prevenção de úlceras de pressão onde eles podem perceber que fatores contribuem para o seu aparecimento e conhecer as zonas mais propensas. Teremos a colaboração dos Serviços Farmacêuticos para promover a informação sobre segurança de medicamento e uma equipa que irá abordar o tema da prevenção de quedas. Contamos ainda com a equipa de prevenção de controlo de infeção, que vai promover informação sobre higiene das mãos e questões relacionadas com o controlo da infeção.

Com duas dinâmicas completamente diferentes, acabamos por chegar a dois públicos distintos tendo um só objetivo: que os nossos utentes consigam perceber melhor o ambiente que os rodeia, estar um bocadinho mais atentos e, no fundo, evitar que aconteçam eventos adversos. Assim os cuidados serão mais seguros.

HN- Qual é o trabalho diário do Gabinete de Gestão do Risco do Hospital de Braga?

SO- O Gabinete de Gestão do Risco no Hospital de Braga tem dois focos: a segurança do doente e a segurança do profissional. Vamos falar da segurança do doente, porque é esse o nosso tema. Esta equipa que está nos bastidores da ação que decorre no hospital tem por objetivo ajudar os nossos profissionais de saúde a ter as melhores práticas. Na realidade, o que a equipa faz é pegar em inputs, que são orientações legais, estudos, o Plano Nacional para a Segurança dos Doentes – que acaba por ser uma referência para nós em termos de ação –, pegar nas áreas mais sensíveis da segurança do doente e ver quais são as melhores práticas que se podem recomendar.

O que fazemos é, pegando nestes ingredientes todos, e em conjunto com os profissionais de saúde porque eles também têm muito know-how, elaborar orientações, procedimentos, políticas, para que todos possamos agir da mesma maneira. Sempre que ocorrem eventos adversos cabe-nos, em conjunto com as equipas, analisar o que aconteceu. A perspetiva desta análise nunca é culpabilizar, é identificar o que aconteceu, porque aconteceu e criar estratégias para evitar que volte a acontecer, seja naquele serviço, com aquela equipa, seja em todo o hospital.

Isto exige muito trabalho e o envolvimento de todos. A equipa da Gestão do Risco tem três elementos – somos dois enfermeiros a tempo inteiro e temos a colaboração a 50% de um médico. Os gestores locais de risco acabam por fazer a ponte da nossa informação para os serviços. Eles são os nossos consultores para as temáticas, porque nós não conseguimos dominar todas as matérias, e ajudam-nos a encontrar as melhores soluções.

HN- Uma mensagem final sobre o Dia Mundial da Segurança do Doente e o tema deste ano.

SO- O Dia da Segurança do Doente é todos os dias. Todos os dias temos de nos preocupar com a segurança do doente, mas na correria dos nossos dias temos alguma dificuldade em pensar nisso. Por isso, assinalar a data no calendário faz com que, por um momento, paremos, pensemos na temática, e é isso que às vezes precisamos todos enquanto profissionais de saúde. Muitas vezes já sabemos o que temos de fazer, mas refletir sobre estas temáticas é importante. E a temática deste ano, que é a literacia para a segurança nos cuidados de saúde, é de extrema importância, é inovadora, diria, porque penso que só há pouco tempo é que se começou a falar disto e ainda não se tem falado da forma certa. Temos aqui um excelente desafio em mãos.

Nesse sentido, deixaria duas mensagens. Uma dirigida aos nossos profissionais de saúde, no sentido de que é realmente importante escutar os nossos doentes. Muitas vezes, no corre-corre do trabalho, uma mensagem ou um alerta de um doente pode parecer despropositado. Nós somos excelentes cuidadores e muitas vezes a nossa primeira resposta é: não se preocupe, estamos aqui para cuidar de si, nós tratamos disso. Mas às vezes aquela pergunta devia-nos fazer parar para pensar se o que o doente está a dizer faz sentido, e não levar a mal perguntas que possam parecer incómodas – se calhar algumas fazem sentido.

Para os nossos doentes, dizer-lhes que não tem mal perguntar, que faz todo o sentido. Eles são os maiores interessados em que as coisas corram bem. Ninguém quer desrespeitar os profissionais de saúde, mas as pessoas também têm de se sentir à vontade para tirar as suas dúvidas, para colocar as suas questões, porque algo que ficou por perceber bem pode levar a resultados indesejáveis. Por isso, para os profissionais de saúde, a mensagem de que vamos capacitar os nossos doentes e vamos ouvi-los; para os nossos doentes, que peçam ajuda, não tenham receio de colocar questões e percebam porque é que as coisas são assim. Ao doente é-lhe colocada uma pulseira de identificação no momento da admissão na urgência, no internamento, no bloco operatório. Grande parte deles não sabe para que serve, mas aquele pequeno objeto é a garantia de que fazemos o procedimento certo ao doente certo. Um ato tão simples como verificar se a pulseira tem os meus dados corretos já é uma ajuda. São pormenores simples que garantem que a prestação de cuidados de saúde nas nossas organizações é o mais segura possível.

Por fim, convido todos a visitar a Sé de Braga na noite do dia 17, que estará iluminada de cor de laranja. A OMS desafia que todos os anos se ilumine um monumento desta cor e ilumina na Suíça, em Genebra, o Jet d’Eau. Nós já iluminámos alguns monumentos da cidade de Braga. Este ano, vamos iluminar a Sé de Braga, portanto estão todos convidados a passar por lá e a tirar uma foto, partilhando nas redes sociais com #WPSD2023.

Há um parceiro do hospital que é sempre muito disponível nestas ações, que são os Transportes Urbanos de Braga. Durante esta semana, terão mensagens neste âmbito nos autocarros. Também será uma forma diferente de fazer chegar a informação aos nossos utentes.

HN- Estudos mostram que os portugueses confiam sobretudo na informação transmitida pelo profissional de saúde. Quais são os fatores-chave para a literacia em saúde melhorar? Serão os profissionais de saúde e os media os principais veículos?

SO- Sim, parece-me que são dois veículos importantes. Claro que podíamos dizer começar na escola, mas acho que é um desafio um bocadinho além daquilo que se espera e se calhar difícil para as crianças compreenderem. Mas eu diria que através dos media e no contexto. Tem que encaixar nas nossas práticas do dia a dia. Por exemplo, se quando coloco a pulseira de identificação explicar para que é que ela serve, está feito. Não me tomou mais tempo. É óbvio que há doentes que não estão em condições de absorver seja o que for, também é preciso enquadrar isto; mas muitas vezes o que é preciso é mesmo isto, é nos tempos em que estou com o doente falar sobre o procedimento e coisas a que ele pode estar atento para nos ajudar. É uma estratégia simples, acessível e económica.

Podemos chegar aos utentes de diferentes formas. Partilho consigo que no fim do ano passado encontrámos uma estratégia diferente: no mercado municipal da cidade, fizemos um quiz show sobre temáticas ligadas à saúde. Às vezes utilizar estratégias fora da caixa ajuda.

HN/RA

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