Momentos antes do arranque da cerimónia, a presidente do júri, Maria de Belém Roseira, disse ao HealthNews que este ano tiveram cerca de 60 candidaturas e “a generosidade da MSD, que é quem promove este Prémio, de aumentar o valor do primeiro prémio e aumentar o valor das menções honrosas”. O vencedor, revelado esta quarta-feira numa cerimónia que decorreu no Palácio dos Marqueses de Fronteira, em Lisboa, é o projeto “E-integrar”, desenvolvido pela APPIA – Associação Pró-Partilha e Inserção do Algarve. As duas menções honrosas foram atribuídas aos projetos “VolunTalento”, da Pista Mágica, e “Melhorar as respostas às vítimas de Tráfico de Seres Humanos – Portugal contra o TSH”, da Associação para o Planeamento da Família.
Os projetos “inovadores” apresentados este ano têm, de acordo com a presidente, “uma filosofia que faz sentido”. “O que é que nós queremos, queremos manter as pessoas numa dependência ou queremos ir buscar as capacidades remanescentes das pessoas para que elas possam sair daquilo que as aprisiona em termos de desenvolvimento? Foi muito à volta disto que foram as discussões no âmbito do júri”, revelou a ex-ministra da Saúde.
Para Maria de Belém Roseira, “todos temos um papel a desempenhar no sentido de melhorar a condição de vida das pessoas”. “Evidentemente que os governos são responsáveis pelas políticas públicas, mas nós somos também responsáveis uma vez que somos destinatários delas.” “Em democracia a opinião das pessoas é importante para corrigir aquilo que haja a corrigir”, “mas, sobretudo, [é importante] não estarmos parados só a dizer o que deve ser feito ou não deve ser feito”. “Portanto, garantir que as empresas também fazem parte da solução e, num país como o nosso, que tem tantas fragilidades do ponto de vista social e de saúde, garantir que estamos todos juntos na defesa de um bem maior que é o desenvolvimento humano”, concluiu.
“A pobreza é estacionária em Portugal”
Nuno Alves, presidente do Banco Alimentar do Algarve, conversou com o HealthNews sobre o grande prémio desta edição. “O objetivo é desenvolver uma plataforma que permita melhorar a forma de distribuição dos produtos alimentares às famílias carenciadas, e um prémio que pretende, também, através desta plataforma, promover a inclusão dessas mesmas pessoas, ou seja, não deixar ninguém para trás, não deixar ninguém fora. Tem um foco muito forte, também, na questão da pobreza envergonhada”, disse. Preocupados com a saúde das famílias que apoiam, decidiram ainda “adotar a roda dos alimentos com base na dieta mediterrânica. Vai ser com base nos critérios nutricionais que vai ser feita, a partir deste momento, quando a plataforma estiver a funcionar, a distribuição dos cabazes alimentares às famílias.”
“A pobreza é estacionária em Portugal”, alertou Nuno Alves. “Se olharmos para as últimas décadas, reparamos que nós invariavelmente temos uma mediana de 2 milhões de pessoas em situação de pobreza.” “Há picos, mas, cada vez que desce, nunca vai descer a valores anteriores. Então, continuamos sempre a manter um nível de pobreza muito elevado neste país. Sinceramente, gostávamos de ver de uma vez por todas na agenda a possibilidade de haver uma resposta social focada na pobreza da família e na autonomização dos agregados. Portugal tem tido ao longo dos anos várias respostas sociais muito desgarradas umas das outras, sem qualquer ligação, que acabam por fazer algum trabalho, mas, na prática e em termos de fundo, não estão a corrigir o problema identificado, que é o número de pessoas manter-se invariavelmente há várias décadas”, segundo Nuno Alves.
“Se nós lutamos num país onde cada vez há mais atividade económica, e ainda bem, cada vez temos mais empresas e mais necessidade de postos de trabalho e, por outro lado, também a população está a envelhecer e há menos nascimentos, então porque não trabalhar esta franja da população. Alguns terão seguramente capacidade, bem acompanhados, para regressar ao mercado de trabalho e a uma vida ativa. Isso promovia a integração das pessoas e, seguramente, reduzia parte destes 2 milhões que continuam invariavelmente a receber apoio”, afirmou Nuno Alves.
Por último, o presidente do Banco Alimentar do Algarve destacou a “novidade” destes 2 milhões: “grande parte deles, hoje, (…) não são pessoas que vivem das prestações sociais, são pessoas que trabalham. Significa que os salários são baixos, a precariedade laboral continua a ser uma realidade (no Algarve é definitivamente porque temos uma região muito vincada no turismo e com uma sazonalidade muito forte), e isso também deveria ser corrigido e deveria ser trabalhado”.
“Nós estamos a dizer ‘tu és capaz’”
No VolunTalento, projeto distinguido com uma menção honrosa, sabendo que estar em situação de vulnerabilidade “é uma condição” e “todos nós em algum momento da nossa vida vamos estar” – “portanto, a vulnerabilidade é uma condição em que nós nos podemos encontrar, mas sair dela, e voltar a ela, ou voltar a outra condição de vulnerabilidade” –, pessoas com deficiência são apoiadas na escolha de uma atividade de voluntariado, formadas e integradas nas empresas. “Nós também temos de trabalhar com as organizações para passarem a receber estas pessoas (…). E sempre que as pessoas vão fazer voluntariado nós também as acompanhamos, o que dá uma segurança maior à entidade que está a acolher o voluntário. Fazemos isso até que a pessoa fique autónoma. Há pessoas que nunca ficarão autónomas porque precisarão sempre do nosso apoio, mas há pessoas que ficaram autónomas. E é incrível ver junto destas famílias e destas pessoas voluntárias a transformação que isto teve na vida delas”, contou a presidente da Pista Mágica, Sónia Fernandes. Dizem-lhes ‘tu és capaz’, e as pessoas com deficiência depois percebem que é verdade: ‘eu sou capaz, eu faço a diferença’. “Deixamos de obrigar as pessoas a olharem para si como recipientes desta ajuda para serem elas quem está a ajudar os outros.”
Sónia Fernandes defende que “só não estamos é a utilizar a metodologia certa para que as pessoas nesta condição sejam ativas, em vez de serem os cuidados (e também podem ser cuidados). É apenas uma condição. Isso não faz de mim o recipiente da ajuda único. Eu posso ser um agente de mudança, e o voluntariado é uma ferramenta incrível de inclusão social. Vários estudos científicos em diferentes partes do mundo chegaram a conclusões semelhantes que vou resumir em três aspetos: quem faz voluntariado é mais feliz, tem maior esperança média de vida e tem melhor qualidade de vida. Se nós não permitimos que pessoas em situação de vulnerabilidade, neste caso com deficiência, possam usufruir do voluntariado, isto é uma violação dos seus direitos humanos.”
O projeto começou em janeiro de 2022 e terminou em junho de 2023. Agora, os responsáveis estão a trabalhar para a continuidade do projeto. “Isso é extremamente importante”, frisou Sónia Fernandes. “O INR, Instituto Nacional para a Reabilitação, está muito empenhado connosco, as famílias estão muito interessadas, as pessoas com deficiência estão muito interessadas, e a ideia é nós darmos escala e dar a conhecer cá dentro e lá fora como isto funciona, e que as outras organizações se apropriem desta metodologia. Tivemos a visita de um membro do governo norueguês ontem à nossa organização para conhecer a nossa metodologia, porque nós temos agora no terreno um projeto igual mas com pessoas que estão com baixa psiquiátrica”, sendo que tudo começou com os jovens em risco, recordou a presidente da Pista Mágica.
Tráfico de seres humanos “é um fenómeno que está a aumentar” em Portugal
A Associação de Planeamento da Família (APF), com o projeto “Melhorar as respostas às vítimas de Tráfico de Seres Humanos – Portugal contra o TSH”, também apresentou ao HealthNews o seu trabalho. A APF tem uma rede de técnicos dedicados ao apoio às vítimas de tráfico de seres humanos. “Há um apoio direto com psicólogos, com técnicos de apoio social, que estão preparados para ir ter com essas pessoas, garantir que, quando são recolhidas, elas estão acompanhadas e com alguém que consegue perceber o problema, consegue perceber as várias dimensões, e que são encaminhadas para as respostas que existem nas várias redes. O importante é garantir que as vítimas de tráfico de seres humanos não se sentem isoladas naquele momento em que conseguem ter a coragem ou a sorte de sair”, explicou Sara Rocha.
O tráfico de seres humanos “é um fenómeno que está a aumentar”. A diretora executiva da APF sublinhou que “é muito importante que as pessoas percebam que esta é uma realidade que existe, que está muitas vezes ao nosso lado sem nós a vermos, que tem condições que nós achamos que são impossíveis em Portugal, mas que existem”. E se “às vezes aparecem alguns casos mediáticos”, há também “outras realidades escondidas”. “Para nós o importante neste momento é que as pessoas percebam que o tráfico de seres humanos existe em Portugal, quais são os seus sinais, que formas pode ter, para todos podermos estar alerta e, se detetarmos situações, tentarmos saber como é que podemos proceder, sabendo que existem pessoas que estão preparadas para reagir logo a isso, que são as equipas multidisciplinares da APF, que trabalham também com a Secretaria de Estado da Igualdade e Migrações”, disse Sara Rocha.
“De facto, há muitas pessoas e há situações muito diferentes. Não são sempre mulheres, não são sempre pessoas de um determinado país.”
“É muito importante que estejamos todos alerta para que isto deixe de ser um fenómeno invisível.”
Há uma linha telefónica para a qual pode ligar se precisa de apoio ou quer fazer uma denúncia. “Há alguém do outro lado que sabe exatamente como é que estas coisas funcionam e o que é que se pode fazer”, relembrou Sara Rocha.
HN/RA
0 Comments