“Citando António Arnaut, fundador do Serviço Nacional de Saúde, ‘as farmácias são a primeira linha de cuidados de saúde. A farmácia é a mão longa do SNS’. Assim, e face ao contexto atual, a capilaridade da rede de farmácias é uma característica que pode e deve ser aproveitada pelo SNS em benefício das pessoas, principalmente as que vivem com doença, de modo a facilitar o seu percurso no sistema”, defendeu Maria do Carmo Neves, presidente do Conselho de Administração do Grupo Tecnimede, na sessão de abertura do evento.
Numa altura em que decorre um processo de mudança organizativa no SNS, o Ministro da Saúde, Manuel Pizarro, reconheceu o papel das farmácias comunitárias no contexto do sistema de saúde português, afirmando que esta é “a única rede cuja capilaridade supera a capacidade do SNS” e que, por isso, consegue estar ainda mais próxima dos cidadãos.
Para Manuel Pizarro, as farmácias comunitárias, enquanto “lugares de promoção da literacia em saúde e espaços com uma enorme qualificação”, apresentam igualmente um potencial gigantesco como espaço de promoção do acesso à saúde dos portugueses”. Um potencial presente e futuro e que levou também o governante a invocar aquela expressão de António Arnaut, que entende como uma expressão “muito feliz” e a destacar “o dever de perceber o que podemos fazer mais para utilizar a capilaridade, a qualificação técnica, a dedicação das farmácias e dos farmacêuticos e pô-las ao serviço dos portugueses”.
O responsável pela pasta da Saúde sublinhou a enorme pressão a que estão sujeitos os sistemas de saúde e não apenas o português, contudo, no caso nacional, “o que está em causa não é nenhuma diminuição da capacidade do SNS que, faz hoje muito mais do que alguma vez fez: mais consultas – no 1º semestre deste ano mais 9% nos hospitais do que no período homólogo em 2022 que já tinha sido o período com mais consultas de sempre -, faz mais cirurgias – mais 10% acima nos primeiros 9 meses deste ano do que no ano anterior – e assegura diariamente centenas de milhares de contactos”.
O governante reconheceu, porém, a outra parte da realidade que é o facto de haver muitas necessidades não satisfeitas em saúde ou não no tempo útil desejável. “É mesmo importante olhar para a reorganização do sistema nacional de saúde no seu conjunto como uma estratégia essencial”, sustentou, sublinhando que, ainda que possam ser necessários mais recursos, “a soma de mais recursos sem ser acompanhada de uma reorganização não vai permitir dar a resposta necessária”.
O Ministro da Saúde confirmou assim que, no início do ano, será generalizada a todo o país as unidades locais de saúde (ULS), procurando passar à prática o que sempre esteve previsto na política de saúde que é a integração de cuidados e fazendo com que o SNS se organize em torno das necessidades das pessoas.
“As 39 ULS simplificarão enormemente o funcionamento do SNS, que integrarão os IPO e o Hospital de Cascais, gerido em regime de parceria público-privada, ao invés das mais de cem instituições do modelo ainda vigente. Mas precisamos muito da participação das farmácias comunitárias neste esforço do acesso à saúde”, sublinhou.
O ministro destacou processos já em curso, como é o caso da campanha sazonal de vacinação contra a gripe e contra a Covid-19 que ficou a cargo de mais de 2500 farmácias comunitárias aderentes, como complemento a mil locais do SNS. Nas primeiras seis semanas desta campanha, foram administradas mais de 3,4 milhões de doses, 2,4 milhões das quais administradas nas farmácias, mostrando que “as pessoas valorizam a proximidade e a qualidade do serviço que as farmácias oferecem. É uma grande experiência que temos de expandir para o futuro”.
Manuel Pizarro destacou ainda o processo mais recente de renovação do receituário para as doenças crónicas, numa ligação centros de saúde e farmácias. “Este é um serviço que temos de fazer progredir, já que constitui uma boa parte das deslocações das pessoas aos centros de saúde e que não tem nenhum valor acrescentado. Passando para a farmácia esta responsabilidade, acrescentamos um serviço de conciliação terapêutica que ajuda muitas pessoas”, advogou.
O governante disse ainda que, apesar do atual contexto político, mantém a expectativa de que será concretizado o quadro legislativo que vai permitir pôr em marcha a generalização da distribuição em proximidade da medicação que é administrada nas farmácias de ambulatório nos hospitais. “É um imperativo nacional. Há mais de 150 mil pessoas que são forçadas, mês após mês, a fazerem viagens que às vezes são de centenas de quilómetros para irem ao hospital levantar uma medicação que lhes pode ser fornecida com a mesma qualidade, a mesma segurança e com muito maior comodidade na farmácia de oficina mais conveniente”, frisou.
Para o Bastonário da Ordem dos Farmacêuticos, Hélder Mota Filipe, esta nova realidade viria tornar “mais justa e mais cómoda” a vida dos doentes, mas significaria igualmente “ganhos diretos e indiretos” para a economia, em parte pela eventual diminuição do absentismo, com a vantagem de contribuir para uma diminuição do volume de trabalho para os profissionais de saúde nos hospitais. “Há um conjunto de intervenções que [no âmbito da reorganização do SNS] que permitem retirar pressão ao SNS”, vinca o Bastonário, para quem as farmácias comunitárias reúnem as condições necessárias.
De entre os serviços complementares ao alcance dos farmacêuticos comunitários e que para Hélder Mota Filipe constituem uma oportunidade, contam-se a renovação da medicação para doentes crónicos que arrancou no final de outubro. Um modelo que está já implementado na Escócia, através do programa Pharmacy First, que permite, nomeadamente, a dispensa de antibióticos a doentes com infeções urinárias, mas também oferecer consultas básicas de saúde. “Já tivemos cerca de 5,5 milhões de consultas em farmácias desde a introdução do programa no final de 2020”, o que libertou pressão sobre o sistema nacional de saúde, atestou Margaret Watson, professora de Investigação em Serviços de Saúde e Farmácia no Reino Unido.
Maria do Carmo Neves destacou ainda, em linha com a visão para 2030 do PGEU, o Grupo Farmacêutico da União Europeia, o papel da farmácia comunitária: garantir a qualidade do atendimento e segurança do doente, melhorar a saúde pública, garantir o acesso dos doentes aos medicamentos e serviços de saúde e contribuir para a sustentabilidade do sistema de saúde.
“Hoje cabe-nos dar passos nessa direção e sublinhe-se as medidas previstas na proposta de Orçamento do Estado para 2024”, sustentou, referindo-se à implementação do acesso de proximidade, nas farmácias de oficina, aos medicamentos prescritos nos hospitais, ao processo de renovação automática da prescrição para os doentes crónicos e ao lançamento de um programa-piloto de serviços farmacêuticos para situações de patologia aguda simples, de acordo com protocolos a estabelecer com as Ordens dos Médicos e dos Farmacêuticos.
O professor universitário Afonso Miguel Cavaco concordou que estas são oportunidades que o país deve aproveitar, mas deixou o alerta de que é preciso ter “evidência de que há um ganho em saúde” com estas medidas, pois só assim, referiu, será possível estabelecer protocolos entre as farmácias e o SNS – mas também seguros de saúde e outros subsistemas – para remunerar estes serviços.
Por sua vez Catarina Dias, especialista e proprietária de farmácias, admitiu que entre os farmacêuticos comunitários perpassa um sentimento misto que se prende com aspetos como a ausência de uma carreira estruturada ou os horários, mas acima de tudo é a indefinição ou a falta de visão do que será a farmácia comunitária que traz maior nível de descontentamento e ressaltou o papel que estes profissionais podem ter, nomeadamente, junto dos doentes oncológicos ou das camadas mais envelhecidas da população.
Na intervenção de encerramento, o Bastonário da Ordem dos Farmacêuticos destacou o atual contexto que deve ser entendido como uma oportunidade, nomeadamente, para fazer face à necessidade de gerar uma maior sustentabilidade do sistema, em cujo processo a farmácia comunitária pode ter um contributo de valor. Hélder Mota Filipe, para quem a capacidade de inovação é igualmente central, deixou ainda uma palavra ao Grupo Tecnimede, que tanto se tem destacado na área do medicamento genérico, dentro e fora de portas.
“Deve-nos orgulhar termos empresas que inovam, que exportam e que ajudam à sustentabilidade não só do sistema de saúde e do país. Do país, porque exportam e do sistema de saúde, porque produzem genéricos. É fundamental que continuemos a contribuir para pôr fim aos mitos que ainda persistem, surpreendentemente, em torno dos genéricos e biossimilares. Precisamos dos efeitos dos genéricos e biossimilares para continuar a libertar recursos para pagar a inovação que faz a diferença na oncologia ou nas doenças raras. Porque se algum dia o sistema nacional de saúde deixar de ser sustentável, o acesso a estas terapêuticas que fazem a diferença deixa de estar assegurado”, apelou o Bastonário.
PR/HN
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