Veio a público, há dias, o alerta/queixa da Associação Nacional de Unidades de Saúde Familiar (USF-AN) de que a atribuição de 20% do Índice de Desempenho de Equipa (IDE) aos custos com Meios Complementares de Diagnóstico e Terapêutica (MCDT) e prescrição de medicamentos pode levantar questões éticas. A alteração agora contestada é consagrada na portaria que veio concretizar o aprovado no regime jurídico de dedicação plena no Serviço Nacional de Saúde e da organização e do funcionamento das unidades de saúde familiar, que entrará em vigor a 1 de janeiro.
Na prática, cada USF é informada do valor que é esperado gastar em MCDT e medicamentos tendo em conta a dimensão e a composição da sua lista de utentes. Se a USF gastar mais do que é previsto, então tem um corte que pode ir até aos 20% dos incentivos previstos para os médicos USF modelo B, ou até mesmo não os receber de todo se o conjunto dos resultados ficar abaixo da meta prevista. Estes 2 indicadores têm um peso de 20% na avaliação. E os enfermeiros e secretários clínicos também são afetados pois boa parte dos seus ordenados, se estiverem em USF B, resulta de incentivos que também dependem do cumprimento dos indicadores.
Dito assim, pode parecer que não é grave – ou faz pouca mossa – o incumprimento. Nada mais errado. O valor máximo do Incentivo dos médicos pode atingir os 2 820 euros e este incentivo é proporcional à percentagem de cumprimento do IDE. Se esta for inferior a 60% não há direito ao incentivo. Assim, falhar nestes dois indicadores, num conjunto de 45 indicadores complexos, deixa apenas uma curta margem de falha para os restantes 43.
É muito dinheiro. E a tentação de não falhar pode conduzir, potencialmente, a eventuais incidentes com dimensão deontológica. Daí a preocupação da USF/AN
Senão vejamos: de acordo com os indicadores em vigor, é esperado que um médico não gere mais do que 160 € de despesa com medicamentos (PVP medicamento prescrito comparticipado) com um “utente padrão”, e de 46 € em MCDT, com o mesmo doente.
Por outro lado, a monotorização destes indicadores é complexa e geralmente muito atrasada pelo que os médicos, a trabalharem no escuro, maior pressão têm para “poupar”…
A diferença atual entre o salário de um médico de família que trabalhe numa UCSP e o de um que exerça numa USF de modelo B é de cerca de 52 mil euros/ano, favorável a este. Praticamente duplica o vencimento. O acréscimo total de vencimentos numa USF de Modelo B por médico é de 77 631 euros /ano (inclui os acréscimos salariais dos enfermeiros e secretários clínicos).
Contas feitas, o SNS gasta atualmente cerca de 200 milhões de euros/ano com os suplementos e incentivos dos profissionais das USF. Se passarem todos os médicos dos cuidados primários para modelo B (serão cerca de mais 2900) e com eles os respetivos enfermeiros e secretários clínicos, como prometeu o Governo, o acréscimo de despesa anual sobre o vencimento do regime geral fixa-se em cerca de 420 milhões de anos.
Uma última informação: com a aceitação pelo Governo da Proposta apresentada pelo Sindicato Independente dos Médicos, todos os médicos das USF Modelo B verão os seus ordenados crescerem 15%.
Dá que pensar…
MMM
Editorial da revista #15. Pode ler aqui.
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