João Neto: “A exploração dos dentistas existe no privado e no público”

9 de Dezembro 2023

O presidente do Sindicatos dos Médicos Dentistas alertou que há profissionais a serem explorados, tanto no Serviço Nacional de Saúde, como nas clínicas privadas. João Neto, que diz que a medicina dentária sempre foi "o parente pobre da medicina", exige a criação de uma carreira especial e o fim da precariedade. Ao HealthNews, o dirigente sindical dá conta de um conjunto de soluções. 

HN- Como é ser um médico dentista em Portugal?

João Neto (JN)- É uma profissão desvalorizada e sem perspetiva de futuro. Esta espiral de desvalorização aconteceu na última década devido à falta de regulação dos próprios governos. 

HN- Não existem médicos dentistas de carreira no Serviço Nacional de Saúde. Por que razão é tão urgente criar uma carreira especial para estes profissionais?

JN- Há uma desvalorização porque não há uma uma carreira especial para os médicos dentistas no SNS. Praticamente todos os profissionais de saúde que trabalham no Serviço Nacional de Saúde tem a sua carreira, mas não é esse o nosso caso. Temos cerca de 150 colegas que estão a trabalhar ilegalmente. E porquê? Uns estão contratados como técnicos superiores, com uma carreira administrativa, e há outros que estão contratados com falsos recibos verdes. 

O que nos preocupa mais é que este governo diz que vai colocar até 2025 cerca de 300 médicos dentistas no SNS, mas a questão é como é que os vai colocar? Não vai ser como médicos dentistas… Portanto, exigimos que o Governo crie uma carreira especial para estes profissionais.

HN- Apesar de Portugal ter o dobro dos médicos dentistas recomendados pela OMS, o nosso país tem um dos piores índices de saúde oral da União Europeia…

JN- O rácio neste momento é de 800 habitantes para cada médico dentista e prevê-se que, em 2025, seja de 650 habitantes para cada médico dentista, o dobro do recomendado pela Organização Mundial da Saúde (1.800 habitantes por cada profissional). Portanto, em Portugal não há falta de médicos dentistas. Na última década duplicou o número de profissionais… Não houve regulação nenhuma. Nunca houve preocupação com a saúde oral dos portugueses.

HN- Mas a proposta de Orçamento de Estado para 2024, prevê um reforço da saúde oral. 

JN- A proposta só tem lá duas frases sobre a saúde oral, dando a atender que está tudo muito bem. Preocupa-nos ver que não há falta de médicos dentistas e mesmo assim temos os piores índices de saúde oral da União Europeia. Há 68% dos portugueses tem falta de pelo menos um dente e temos 10% da população sem dentes. Temos de perceber o impacto na saúde geral das pessoas. Há evidência de que há muitas doenças que estão associadas à má saúde oral, nomeadamente patologias cardiovasculares e digestivas.

Para melhorar estes indicadores sugerimos que, nos hospitais, haja médicos dentistas para resolver as situações de urgência. Isto porque, atualmente, uma pessoa tiver uma forte dor de dentes numa sexta-feira à meia noite é obrigada a esperar pelo dia seguinte para ir ao privado. 

Por outro lado, temos aproveitar a rede de clínicas privadas existente, assim como é feito em França. Estas poderiam comparticipar alguns tratamentos básicos. 

HN- O sindicato alertou que há profissionais a trabalharem 50 horas por semana com remuneração de 300 euros. Que medidas devem ser implementadas para acabaram com a precariedade que afeta a profissão?

JN- A exploração dos dentistas existe no privado e no público. O grande problema é excesso de médicos dentistas e a falta de regulação dos planos de saúde. É preciso alertar que há tratamentos gratuitos em que o médico não tem qualquer honorário. Isto também acontece com o cheque-dentista. O Estado obriga, no fundo, a fazer vários tratamentos pelo valor de 35 euros. Ou seja, é o próprio Estado a explorar a classe de médicos dentistas. Tudo isto leva à precariedade e a situações de desemprego. 

HN- Pela primeira vez, os médicos dentistas manifestaram-se em frente ao parlamento. Os dentistas sentem-se abandonados por parte das políticas de governo?

JN- Sim. A medicina dentária é o parente pobre da medicina. A medicina dentária nunca foi uma preocupação para os sucessivos governos. Por este motivo, a nossa manifestação teve como objetivo servir como “grito de alerta”. A comunicação social e a opinião pública não sabia da real situação dos dentistas. Há uma pobreza encapotada que não passa cá para fora. O sindicato tem recebido queixas gravíssimas e, por isso, apelamos aos jovens para que pensem bem se querem seguir esta profissão. 

HN- Direção Executiva quer reforçar resposta na área da Medicina Dentária. Acredita ou não no compromisso assumido por esta entidade?

JN- Sabemos que essa pressão existe e que já chegou à tutela. Entregámos, aos diferentes grupos parlamentares, um manifesto com as nossas reivindicações e sabemos que nos vão apoiar nas nossas iniciativas. 

HN- A ordem quer acabar com as clínicas dentárias detidas por empresas e grupo económicos. Qual a vossa posição relativamente a este assunto?

JN- Sinceramente não sei se isso vai ser possível. O que sabemos é que grandes  grupos exploram os médicos dentistas mais novos. Portanto, em certa medida concordo. De qualquer forma, se a empresa oferece as condições laborais justas e perspetiva de carreira aos médicos dentistas não vejo mal nenhum. O que nos defendemos é que todos os colegas tenham uma profissão valorizada. 

Entrevista de Vaishaly Camões 

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