HN- As doenças cérebro-cardiovasculares são a primeira causa de morte em Portugal. Como estamos a evoluir em termos números no pós Covid-19?
FM- De facto, é um tema que me preocupa bastante. O ser Coordenador do Programa Nacional para as Doenças Cérebro-Cardiovasculares da Direção-Geral da Saúde permite-me ter uma visão “macro” da situação. Devo dizer que os últimos dados do INE revelam que tem vindo a diminuir progressivamente a doença cerebrovascular. Os números apontam que as doenças cerebrais baixaram 16%, o que é um peso inacreditável. No pico da Covid-19, houve uma certa acalmia, não só porque os doentes se dirigiram menos aos hospitais, mas também porque houve um receio de ligar para as vias-verdes. Mas, por incrível que pareça, atualmente está tudo a voltar ao normal e os números estão a melhorar. Isto são muito boas notícias.
HN- As novas guidelines têm proposto alvos mais exigentes dos fatores de risco. Será que temos conseguido atingi-los, sobretudo, nos doentes de maior risco? Se não estivermos, qual a razão para não estarmos a conseguir o adequado controlo, quer na prevenção primária, quer na secundária?
FM- Devo dizer que fruto da intervenção de pessoas como o Prof. Polonia, que têm trabalhado muito esta área, vejo cada vez mais doentes com hipertensão arterial mais controlada. A forma tranquila com que os médicos prescrevem os novos hipocoagulantes tem contribuído para uma descida importantíssima das Doenças Cérebro-Cardiovasculares.
Relativamente à questão que levanta sobre os alvos, de facto é importante avaliar os níveis plasmáticos de LDL-Colesterol. Está completamente comprovado que as estatinas são o nosso “anjo da guarda” em relação à prevenção da doença vascular. Todas as pessoas com patologia comprovada tem que ter o colesterol LDL <70 mg/dL ou <50 mg/dL. Portanto, os novos alvos são importante serem atingidos. Temos grupos farmacológicos excelentes e que nos permitem atingir esses objetivos.
É fundamental que os clínicos tenham noção das armas que dispomos para conseguir que os doentes atinjam os alvos, quer na prevenção primária, quer na secundária.
HN- Até que ponto é que a DGS pode ter, de facto, uma influência nesse aspeto?
FM- É importante frisar que não há nenhum país no mundo que, em cinquenta anos, tenha feito o que nós fizemos, sobretudo, a nível da melhoria da qualidade de vida. De qualquer forma, a literacia em saúde tem que ser melhorada. Portanto, uma das formas para que as pessoas adiram a alvos mais baixos é melhorando este aspeto e difundo a informação sobre os fatores de risco e sobre os benefícios do seu controlo.
HN- Agora sobre o problema da Insuficiência Cardíaca. Temos sido reús da fração de ejeção? Quando referenciar um doente com suspeita de IC a uma consulta de especialidade?
FM- Neste momento estamos a assistir a um aumento da Insuficiência Cardíaca. Há dois fatores que explicam de forma clara este aumento: o envelhecimento da população e o crescimento do número de doentes cardiovasculares que sobreviveram aos eventos agudos.
É evidente que a fração de ejeção é uma questão importante. Penso que sem sermos reféns do número mágico da fração de ejeção, dificilmente nos libertamos deles até porque as recomendações para certas terapêutica e colocar devices é feita com base na fração de ejeção.
Sobre a segunda pergunta, o médico de família pode iniciar a terapêutica, mas deve sempre referenciar o doente para uma consulta de especialidade. E porquê? Porque são consultas onde o Cardiologista pode otimizar a terapêutica do utente.
Com a pandemia verificou-se que os doentes com IC podem perfeitamente ser vigiados à distância.
HN- O problema da estenose aórtica é um outro problema do foro da Cardiologia e que é cada vez mais frequente. Quem são os doentes candidatos ao TAVI?
FM- A estenose aórtica prende-se com o envelhecimento da população, por tanto cada vez vamos ter mais doentes com este problema. Sobre o tratamento, temos duas vidas: a esternotomia (o tratamento convencional) e o TAVI (um procedimento novo). No hospital de São João do Porto, o que fazemos nos grupos etários com mais de 75 anos que apresentam muitas comorbilidades é recorrer ao TAVI. É importante referir que este procedimento só é feito nos casos em que há bons acessos vasculares.
Se o doente fizer parte de grupos etários mais jovens e sem comorbilidades, significa que é um doente que continua a ser candidato para cirurgia de substituição valvular biológica ou mecânica na forma clássica.
O TAVI só pode ser feito em centros de referência, pois pode existir uma complicação na colocação, sendo, por isso, necessário ter uma equipe cirurgia preparada para salvar a vida do doente.
0 Comments