Todos os artigos em: SNS - Sim é possivel

A minha Saúde, o meu Direito … O meu Dever.

04/06/2024
Orlando Monteiro da Silva 
Presidente da Associação Nacional dos Profissionais Liberais
Ex- Bastonário da Ordem dos Médicos Dentistas

O tema do Dia Mundial da Saúde 2024 comemorado a  7 de abril,“A minha saúde, o meu direito”, destaca a necessidade urgente de garantir acesso universal a serviços de saúde de qualidade e a um ambiente saudável.

Tudo muito bem. Não se poderia estar mais de acordo. Em Portugal, o artigo 64º da Constituição, no seu nº 1 refere, “Todos têm direito à proteção da saúde e o dever de a defender e promover”. Seguidamente o nº 2 descreve as formas pelas quais este direito é realizado, através de um serviço nacional de saúde universal e geral e, tendencionalmente gratuito e pela melhoria das condições económicas, sociais, culturais e ambientais.

Em fase inicial de implementação de políticas de saúde por um novo governo que acaba de tomar posse é fundamental focarmo-nos não apenas nos direitos, mas também nos deveres. Aliás, uma palavra deveria sempre estar ligada à outra. Onde há direitos, há necessariamente deveres implicados.
Em particular nas sociedades mais desenvolvidas, onde a saúde é frequentemente vista sob a lente da medicina e da ciência, é crucial relembrar que a saúde é, acima de tudo, um direito humano fundamental e inalienável de cada indivíduo, mas de igual forma um dever individual e coletivo. 

Vejamos alguns conceitos que genericamente serão com certeza levados em conta numa estratégia de governação que se pretende capaz de fazer do nosso SNS um sistema harmónico, responsivo que assegure com a ajuda de todos, públicos, privados e social, ao nível central e local acesso a cuidados de saúde e na doença, de qualidade, numa perspetiva inovadora, onde ninguém fique “pendurado” … Um exemplo, a prática privada liberal, convencionada com o SNS e financiada com base em resultados poderia ser uma resposta adequada ás listas de espera intermináveis no SNS para algumas áreas de especialidade médica, tais como psiquiatria e psicologia, otorrinolaringologia, dermatologia, oftalmologia e medicina dentária. 

A Saúde como Direito

Universalidade e Igualdade – a saúde é reconhecida como um direito universal nas Declarações dos Direitos Humanos. Tal significa que cada pessoa, independentemente da sua origem, estatuto socioeconómico, idade, género ou qualquer outra característica, tem o direito de aceder a cuidados de saúde de qualidade. Esta universalidade sublinha a igualdade fundamental entre todos os seres humanos em relação ao seu bem-estar e saúde.

Base para Outros Direitos – a saúde é a fundação sobre a qual muitos outros direitos humanos se apoiam. Sem saúde, a capacidade de uma pessoa participar plenamente na sociedade, trabalhar, aprender e viver uma vida plena e produtiva fica severamente comprometida. Assim, garantir o direito à saúde é também proteger e promover outros direitos humanos fundamentais.

Determinantes Sociais da Saúde – o reconhecimento da saúde como um direito implica a compreensão dos determinantes sociais que influenciam o bem-estar dos indivíduos. Estes incluem condições de vida e trabalho, acesso a educação, alimentação adequada, habitação, meio ambiente saudável e acesso à informação. Portanto, a saúde transcende a mera ausência de doença, abrangendo um estado completo de bem-estar físico, mental e social.

Determinantes Comerciais da Saúde-os agentes comerciais e industriais são relevantes para a saúde, bem-estar e qualidade de vida. As formas de atuação destes agentes comerciais, empresas, farmacêuticas e fabricantes de dispositivos médicos têm impacto na saúde das pessoas e das comunidades. Nomeadamente nas doenças crónicas mais prevalentes e sua prevenção e nas alterações climáticas a outro nível. É fundamental por exemplo envolver a indústria de nutrição, a do digital e das tecnologias de informação e comunicação para ajudar no combate à doença e promoção de estilos de vida saudáveis.

A Saúde como Dever

Responsabilidade Individual e Coletiva – responsabilidade individual de cuidar da própria saúde através de escolhas de vida saudáveis e comportamentos preventivos. Simultaneamente, é um dever coletivo, que envolve a sociedade em proporcionar condições que permitam e incentivem estilos de vida saudáveis para todos os seus membros. 

Solidariedade e Justiça Social – conceito de saúde como um dever reflete estes valores. Significa que os mais afortunados na sociedade partilham a responsabilidade de garantir que os menos privilegiados tenham acesso aos cuidados de saúde necessários. Isto é realizado através de sistemas de saúde pública financiados coletivamente, políticas de saúde que visam a equidade e programas que abordam os determinantes sociais da saúde.

Prevenção e Educação para a Saúde – um aspeto fundamental do dever para com a saúde é o foco na prevenção de doenças e na promoção da saúde. As autoridades de saúde pública, as organizações não-governamentais e cada indivíduo têm um papel a desempenhar na educação sobre saúde e na implementação de práticas de vida saudáveis. A prevenção, mais do que o tratamento, é a chave para uma sociedade saudável e sustentável.

Literacia para a saúde – a literacia em saúde traduz a capacidade de usar as competências de aceder, compreender e avaliar a informação em saúde, aplicando‐as no dia‐a‐dia para a tomada de decisão em diferentes contextos, tendo em conta as escolhas possíveis. Inclui ainda a capacidade de participação social dos indivíduos nas escolhas e decisões políticas dos sistemas de saúde. A literacia induz capacidade para tomar decisões de qualidade individuais e coletivas.

Autocuidados em saúde – representam a capacidade de indivíduos, famílias e comunidades promoverem saúde, prevenir doenças, manterem o bem-estar e lidar com doenças e incapacidades, quer contem com o apoio de profissionais de saúde, quer não.

Em suma, a saúde é tanto um direito humano básico como um dever coletivo e individual. O seu reconhecimento como direito enfatiza a necessidade de sistemas de saúde acessíveis, de qualidade e equitativos. Como dever, sublinha a importância da solidariedade, justiça social e prevenção. Juntos, estes princípios formam a base para sociedades mais saudáveis, justas e prósperas, onde o bem-estar de cada indivíduo é valorizado e protegido. 

0 Comments

Submit a Comment

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

ÚLTIMAS

Promessas por cumprir: continua a falta serviços de reumatologia no SNS

“É urgente que sejam cumpridas as promessas já feitas de criar Serviços de Reumatologia em todos os hospitais do Serviço Nacional de Saúde” e “concretizar a implementação da Rede de Reumatologia no seu todo”. O alerta foi dado pela presidente da Associação Nacional de Artrite Reumatoide (A.N.D.A.R.) Arsisete Saraiva, na sessão de abertura das XXV Jornadas Científicas da ANDAR que decorreram recentemente em Lisboa.

Consignação do IRS a favor da LPCC tem impacto significativo na luta contra o cancro

A Liga Portuguesa Contra o Cancro (LPCC) está a reforçar o apelo à consignação de 1% do IRS, através da campanha “A brincar, a brincar, pode ajudar a sério”, protagonizada pelo humorista e embaixador da instituição, Ricardo Araújo Pereira. Em 2024, o valor total consignado pelos contribuintes teve um impacto significativo no apoio prestado a doentes oncológicos e na luta contra o cancro em diversas áreas, representando cerca de 20% do orçamento da LPCC.

IQVIA e EMA unem forças para combater escassez de medicamentos na Europa

A IQVIA, um dos principais fornecedores globais de serviços de investigação clínica e inteligência em saúde, anunciou a assinatura de um contrato com a Agência Europeia de Medicamentos (EMA) para fornecer acesso às suas bases de dados proprietárias de consumo de medicamentos. 

SMZS assina acordo com SCML que prevê aumentos de 7,5%

O Sindicato dos Médicos da Zona Sul (SMZS) assinou um acordo de empresa com a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa (SCML) que aplica um aumento salarial de 7,5% para os médicos e aprofunda a equiparação com a carreira médica no SNS.

“O que está a destruir as equipas não aparece nos relatórios (mas devia)”

André Marques
Estudante do 2º ano do Curso de Especialização em Administração Hospitalar da ENSP NOVA; Vogal do Empreendedorismo e Parcerias da Associação de Estudantes da ENSP NOVA (AEENSP-NOVA); Mestre em Enfermagem Médico-cirúrgica; Enfermeiro especialista em Enfermagem Perioperatória na ULSEDV.

DGS Define Procedimentos para Nomeação de Autoridades de Saúde

A Direção-Geral da Saúde (DGS) emitiu uma orientação que estabelece procedimentos uniformes e centralizados para a nomeação de autoridades de saúde. Esta orientação é aplicável às Unidades Locais de Saúde (ULS) e aos Delegados de Saúde Regionais (DSR) e visa organizar de forma eficiente o processo de designação das autoridades de saúde, conforme estipulado no Decreto-Lei n.º 82/2009.

Ana Santos Almeida: ‘avançar na promoção da saúde da mulher

Em entrevista exclusiva ao Healthnews, a Professora Ana Santos Almeida revela como o projeto AGEWISE revoluciona a compreensão da menopausa, explorando a interação entre o microbioma intestinal e as hormonas sexuais. Com o uso de Inteligência Artificial, o projeto promove intervenções personalizadas para melhorar a saúde das mulheres durante o envelhecimento.

Défice de Vitamina K Ligado a Declínio Cognitivo

Um estudo da Universidade Tufts revela que a deficiência de vitamina K pode intensificar a inflamação cerebral e reduzir a neurogénese no hipocampo, contribuindo para o declínio cognitivo com o envelhecimento. A investigação reforça a importância de uma dieta rica em vegetais verdes.

Confiança: o pilar da gestão de crises na Noruega

A confiança foi essencial na gestão da pandemia pela Noruega, segundo o professor Øyvind Ihlen. Estratégias como transparência, comunicação bidirecional e apelo à responsabilidade coletiva podem ser aplicadas em crises futuras, mas enfrentam desafios como polarização política e ceticismo.

Cortes de Ajuda Externa Aumentam Risco de Surto de Mpox em África

O corte drástico na ajuda externa ameaça provocar um surto massivo de mpox em África e além-fronteiras. Com sistemas de testagem fragilizados, menos de 25% dos casos suspeitos são confirmados, expondo milhões ao risco enquanto especialistas alertam para a necessidade urgente de políticas nacionais robustas.

Share This
Verified by MonsterInsights