Trata-se de distúrbios neurológicos raros que afetam o equilíbrio, a coordenação e a fala e estima-se que, a nível mundial, em cada 100.000 habitantes, 26 sofra de uma das variantes desta doença. Em Portugal, dados mostram que 13 em cada 100.000 pessoas sofre de uma ataxia hereditária. “Apesar de ser pouco frequentes, têm consequências dramáticas, porque muitas delas afetam bebés e o diagnóstico é difícil. Há famílias que passam décadas sem um diagnóstico certo, dificultando a sua inclusão num grupo e a sua capacidade de reação ante a doença”, explica Federico Herrera, investigador de BioISI/CIÊNCIAS.
O financiamento de 12 mil euros, agora atribuído à equipa de Federico Herrera, vai permitir avançar no desenvolvimento de dois projetos que estudam duas doenças raras, que afetam bebés: Ataxia Espástica Autossómica Recessiva de Charlevoix-Saguenay (ARSACS) e Ataxia Espástica 8 (SPAX8).
Para o primeiro estudo – “Rumo a um modelo farmacológico de Ataxia Espástica Autossómica Recessiva de Charlevoix-Saguenay (ARSACS)”, a equipa de investigação da Faculdade de Ciências propõe estabelecer um modelo farmacológico para compreender e testar terapias para ARSACS que se destaca por ser mais económico e de fácil utilização.
Nesta doença rara, observa-se a perda da função da proteína sacsina, que, por sua vez, tem um importante papel na organização de estruturas celulares denominadas de filamentos intermédios, responsáveis pela construção do “esqueleto” das células (citoesqueleto) e que possibilitam a comunicação entre as células nervosas e as células musculares, levando a um correto movimento corporal. Este modelo estaria baseado na utilização de uma toxina natural – Withaferin A – que interfere com a formação dos filamentos intermédios, causando os mesmos efeitos que a inativação da proteína sacsina verificada no desenvolvimento desta ataxia.
A segunda parte do financiamento visa suportar o trabalho já em desenvolvimento no âmbito do projeto “Restoring NKX6-2 function by protein complementation: a proof-of-concept”, que pretende obter uma prova de conceito. Partindo do princípio de que a Ataxia Espástica 8 (SPAX8) é causada por mutações que levam a produzir versões truncadas (incompletas) da proteína NKX6-2, relevante durante o desenvolvimento do bebé, os investigadores esperam conseguir encontrar o menor fragmento que é simultaneamente não funcional per se e que se torna funcional quando se junta ao fragmento da proteína produzido pelo paciente.
Esta descoberta permitirá modificar a doença com terapias que não provoquem alterações permanentes no genoma dos pacientes e acelerar o avanço das terapias no pipeline de desenvolvimento de medicamentos.
De acordo com Federico Herrera, o impacto do conhecimento produzido com este financiamento será bastante relevante: “Estes fundos permitir-nos-ão lançar uma nova luz sobre duas doenças raras com pouco interesse para a indústria farmacêutica, mas que constituem dois elevados desafios científicos e biotecnológicos”.
Os dois projetos serão desenvolvidos a partir de setembro de 2024 e vão prolongar-se até setembro de 2025, no contexto de duas teses de doutoramento nestas áreas temáticas. A médio prazo ainda não estão estabelecidas parcerias, mas a equipa de investigadores mantém-se em contacto com a Associação Portuguesa de Ataxias Hereditárias (APAHE) e com a ARSACS Foundation, que acompanham o desenvolvimento dos projetos. Para dia 25 de setembro, data que assinala o Dia Internacional da Ataxia, está prevista a realização de um evento que irá juntar uma vasta comunidade de clínicos, investigadores, pacientes e associações interessados em ataxias e outras doenças motoras raras.
PR/NR/HN
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