PAFSE: ENSP NOVA Lidera projeto europeu de educação científica

08/21/2024
O PAFSE, liderado pela ENSP NOVA, visa reforçar a literacia em saúde, desmistificar estereótipos CTEM/STEM e preparar estudantes para currículos e profissões na área.

O PAFSE (Partnerships for Science Education) é um projeto europeu de educação científica, liderado pela ENSP NOVA (Escola Nacional de Saúde Pública – Universidade Nova de Lisboa), centrado no reforço da literacia em saúde, na desmistificação de mitos e estereótipos associados às áreas CTEM/STEM (Ciência, Tecnologia, Engenharia e Matemáticas) e na preparação dos estudantes para seguirem currículos e profissões ligados a esta área, com particular destaque para as ciências da saúde. Sob condução da investigadora e Professora Carolina Santos, o PAFSE tem como missão desenvolver as competências, curiosidade e o interesse nos estudantes em seguirem currículos e profissões nesta área, bem como prepará-los para serem embaixadores da saúde pública nos seus ambientes de vida. Em entrevista, a coordenadora do projeto fala-nos sob a génese do mesmo, o modelo adotado e os resultados esperados

HN- Qual foi a principal inspiração para o lançamento do projeto PAFSE e como se decidiu que Portugal iria liderar esta iniciativa?

Carolina Santos (CS) – A Escola Nacional de Saúde Pública da Univerisade NOVA de Lisboa (ENSP NOVA) defende que a preparação dos nossos jovens para para serem embaixadores da saúde pública nos seus ambientes de vida é um passo determinante para a transformação de que a sociedade precisa. Essa foi a principal inspiração para o lançamento do projeto Partnerships for Science Education (PAFSE), com a ENSP NOVA a identificar a oportunidade de financiamento do projeto pela Comissão Europeia e coordenar os trabalhos com vista à elaboração da candidatura e construção de um consórcio forte, adequado à implementação do projeto.

Avançámos no sentido de robustecer o currículo do ensino secundário com os principais desafios da saúde e de lançar projetos de base científica nos clubes ciência viva que tivessem um impacto positivo na saúde individual e coletiva, particularmente ao nível da promoção de saúde e prevenção de doença. Tínhamos consciência do poder transformador positivo dos alunos na escola, em casa e na comunidade, bem como da necessidade de fomentarmos a literacia em saúde desde uma fase precoce do seu desenvolvimento. Investimos nos desafios para os quais existia menos conhecimento e preparação, tais como doenças infecciosas, pandemias, doenças zoonóticas, objetivos de desenvolvimento sustentável e sistemas baseados em inteligência artificial. Para além deste objetivo, estávamos motivados em enriquecer a educação na área das ciências e tecnologia com atividades dinâmicas, dentro e fora da sala de aula, em parceria com universidades, centros de investigação, museus, indústria, sociedade civil, com potencial de aumentarem o interesse e curiosidade dos estudantes por currículos e profissões ligadas à área CTEM (Ciência, Tecnologia, Engenharia e Matemática). 

HN- Qual tem sido o trabalho do PAFSE para desmistificar mitos e estereótipos associados às áreas CTEM (Ciência, Tecnologia, Engenharia e Matemática), em especial nas ciências da saúde?

(CS) – Verificámos que, entre os alunos, ainda subsistem muitos estereótipos. As carreiras da saúde ainda estão predominantemente ligadas ao género feminino, e que as carreiras ligadas à engenharia, tecnologia e matemática estão predominantemente ligadas ao género masculino. Acresce a crença frequente de que seguir um currículo ligado à área das ciências, tecnologias, engenharia e matemática é complexo e inacessível para aqueles que não obtêm classificações muito altas em diferentes disciplinas, com particular destaque para a matemática.  Por outro lado, é muitas vezes difícil para os nossos jovens compreenderem a translação de muitas disciplinas e temas do currículo na resolução de problemas reais enfrentados pela nossa sociedade – a sua aplicabilidade, no fundo – ou saberem que um cientista não desenvolve apenas atividades no laboratório e faz investigação não-experimental aplicada a desafios emergentes, p. ex., construir modelos preditivos de novas pandemias ou estudar o comportamento de grupos e populações para atuar sobre os fatores de risco e determinantes da saúde. Muitos alunos só vêm a interessar-se por desenvolver estudos superiores na área das ciências e tecnologias da saúde quando têm a oportunidade de conhecer quem o fez, perceber o seu percurso académico e profissional e compreender o trabalho que efetivamente desenvolve no seu dia-a-dia. Esta oportunidade foi criada pelo PAFSE, através da construção das parcerias anteriormente referidas, permitindo assim que os alunos tivessem acesso a atividades com investigadores e outros profissionais da área das CTEM, desenvolvendo assim uma compreensão mais clara e realista das possibilidades neste domínio (tanto dos currículos como das profissões). Muitos dos alunos que contactaram com este projeto liderado pela ENSP NOVA têm hoje novas ambições para o seu futuro profissional.

HN- Qual o papel da ENSP NOVA na coordenação e execução do projeto?

(CS) – O PAFSE é liderado pela ENSP NOVA e tem sido para nós uma honra e uma responsabilidade a coordenação do consórcio composto por mais 8 entidades envolvidas no projeto. Assumimos as responsabilidades inerentes à liderança do projeto do ponto de vista científico, técnico e financeiro, sendo o elo de ligação com a Comissão Europeia. Assumimos também a gestão das competências, ferramentas e compromissos para cumprir os objectivos, produzindo os produtos do projeto, atingindo os impactos esperados, e consolidando todos os resultados com qualidade, de uma forma que salvaguarde também a sustentabilidade do projeto.

HN- De que forma a construção de clusters de educação de ciência com parcerias diversificadas potenciou a conexão entre o currículo escolar e os desafios reais da sociedade?

(CS) – A parceria estratégica com a Direção-Geral da Educação (DGE) garantiu que os temas/desafios explorados estavam alinhados com o currículo nacional e aprendizagens essenciais à saída do 3º ciclo.  Em relação à conexão com os desafios reais, foi possível através das atividades de educação com diversos parceiros, muitas vezes nas suas instalações, para proporcionar uma maior percepção da ligação do tema previamente explorado em sala-de-aula, ao negócio daquela organização e ao trabalho dos seus profissionais no dia-a-dia. Por exemplo, na visita ao Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge, os alunos puderam conhecer as noções básicas e os princípios gerais sobre Promoção da Saúde e Prevenção de Doenças Não Transmissíveis, pela mão de investigadores destes departamentos, conhecendo projetos em curso e estabelecendo contatos diretos e significativos com profissionais de várias carreiras na área da saúde.

HN- Como é que a interação com diversos profissionais CTEM impactou a perceção e a escolha de carreiras dos estudantes envolvidos no projeto?

(CS) – A interação com diversos profissionais da área CTEM estimulou a curiosidade dos alunos e proporcionou uma visão mais alargada, abrangente, realista e informada – com menos mitos e estereótipos – sobre as diversas possibilidades de carreira nestas áreas. Esta exposição direta às profissões e respetivos currículos permitiu que os alunos compreendessem melhor as competências necessárias e as oportunidades de carreira, bem como procurassem mais informação sobre elas. Para muitos, certas profissões foram totalmente novas. Por exemplo, ser epidemiologista, engenheiro biomédico ou economista da saúde. Por outro lado, os estudos que conduzimos mostraram também um impacto positivo do PAFSE nas atitudes relativamente à ciência e ao conhecimento científico. Temos definitivamente alunos mais informados e motivados para estas profissões.

HN- Quais são os principais recursos pedagógicos desenvolvidos e de que modo estão a ser utilizados para enfrentar desafios de saúde pública em sala de aula?

(CS) – Cada cenário de aprendizagem integra diversos recursos pedagógicos – mapas, simulações, jogos, imagens, textos, artigos, ferramentas de estruturação de pensamento, argumentação e debate – cujo conteúdo se ajusta a cada desafio de saúde pública a ser trabalhado. Os professores têm ainda acesso a um guião para facilitar a implementação do cenário e desenvolvimento dos projetos de investigação escolares, bem como uma lista dos parceiros e respetivas fichas de atividade, para poderem decidir sobre as atividades de educação cientifica, de natureza extracurricular, que mais se ajustam à sua realidade e objetivos. 

HN- Como a metodologia de Aprendizagem Baseada em Projeto (PBL) foi implementada no PAFSE e que resultados essa abordagem apresentou até ao momento?

(CS) – A implementação de cada cenário de aprendizagem envolve 3 fases: primeiro, 6 a 7 aulas sobre o desafio escolhido, em sala de aula, seguida de atividade de adoção CTEM com parceiro, finalizando com o projeto de investigação e apresentação dos resultados num evento público, em que a escola se abre à comunidade. Nas aulas, introduzem-se conceitos fundamentais que sustentam a atividade CTEM e o projeto de base cientifica, durante o qual os alunos aplicam os conhecimentos adquiridos no desenvolvimento de um projeto que segue as etapas do método científico. Nesta fase os estudantes têm como ponto de partida um desafio ligado à saúde pública na sua escola ou comunidade, e trabalham como um investigador na sua caracterização, resolução ou mitigação.  No final, desenvolvem recomendações com o apoio dos seus professores, criam o poster científico e outros formatos de apresentação de resultados, preparando-se também para a partilha e discussão das aprendizagens desenvolvidas e conhecimento criado no evento escola aberta. 

HN- Pode compartilhar um exemplo de projeto desenvolvido pelos estudantes que teve um impacto significativo na saúde e bem-estar da comunidade?

(CS) – Todos os projetos de investigação conduzidos pelos estudante trouxeram recomendações importantes para a saúde e bem-estar da comunidade que foram apresentadas e trabalhadas pela escola e seus parceiros, particularmente os municípios. Um bom exemplo foi o trabalho de colaboração entre a Escola Secundária da Ramada e o Município de Odivelas.  Mas a componente mais importante foi a capacidade de os projetos aumentarem a literacia em saúde dos alunos e, portanto, promoverem a tomada de decisão consciente e informada sobre diversos aspetos que afetam a saúde pública, tais como padrões de mobilidade, uso dos modos suaves de transporte, acesso e preservação dos espaços verdes, desperdício de água, desperdício alimentar, consumo de energia, consumo racional de antibióticos, utilização de serviços de saúde, etc. Relativamente a produtos concretos desenvolvidos no âmbito dos projetos, e a título de exemplo, salientar que na Escola Secundária da Ramada, os alunos desenvolveram um website e chatbot para responder a diversas questões relacionadas com a pandemia por COVID-19, e outros tópicos de saúde, que geravam muitas dúvidas na comunidade escolar. Criaram por isso um produto objetivo, promotor de literacia em saúde. 

HN- Quais foram os principais desafios enfrentados ao longo do projeto e como a equipe do PAFSE lidou com eles?

(CS) – Os principais desafios do projeto centraram-se, acima de tudo, na necessidade de adaptar o projeto à realidade e necessidade das escolas da rede PAFSE, o que exigiu boa gestão de projeto, por parte da equipa de investigação, professores e escolas envolvidas. A equipa de investigação procurou estar sempre pronta para ajudar, e apoiar as escolas nas diferentes fases. Algumas barreiras tiveram de ser ultrapassadas, tais como a reticência de alguns professores relativamente à implementação do PAFSE, por entenderem que poderia dificultar o cumprimento dos currículos das diferentes disciplinas e trazer uma sobrecarga laboral. Este aspeto foi desmistificado através da promoção da implementação multidisciplinar de cada cenário de aprendizagem, envolvendo equipas de professores de várias disciplinas, e todos os envolvidos ficaram motivados para implementar esta abordagem em mais áreas, conforme recomendado pela Direção-Geral da Educação. 

HN- Com o término do projeto previsto para agosto de 2024, quais os planos futuros para assegurar a continuidade e expansão dos esforços do PAFSE?

(CS) – Neste momento estamos a proceder à formalização das parcerias, para garantir que as escolas que decidirem implementar o PAFSE neste novo ano letivo possam continuar a usufruir das atividades sem ter custos associados. Para além disso, temos o repositório Photodentro PAFSE, que contém todos os recursos pedagógicos e cenários de aprendizagem desenvolvidos pelo consórcio. Procedemos também à publicação de workshops de professores nas nossas páginas (website e youtube), para que os professores possam continuar a expandir o seu conhecimento e implementar com confiança os cenários de aprendizagem. A ENSP NOVA entende que a abertura da academia à comunidade, onde se incluem as escolas, é o caminho adequado para lançar as sementes certas, promovendo-se depois a autonomia de todos os envolvidos para lá da duração dos projetos.

Entrevista Miguel Mauritti

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