Cientistas afirmam que surtos de mpox em África são resultado de décadas de negligência

27 de Agosto 2024

Cientistas africanos afirmaram hoje que os surtos de monkeypox (mpox) em África resultam, em grande parte, de "décadas de negligência e de incapacidade mundial em travar epidemias esporádicas em pessoas com pouca imunidade".

Na opinião de Dimie Ogoina, que presidiu ao comité de emergência da Organização Mundial de Saúde (OMS) para o mpox, “a negligência levou ao aparecimento de uma nova versão do vírus, mais transmissível, em países com poucos recursos para travar os surtos”.

O vírus mpox espalhou-se sem ser detetado durante anos na Nigéria e noutros países antes de provocar o surto de 2022 em mais de 70 países, explicou Ogoina numa conferência de imprensa ‘online’.

“O que estamos a testemunhar em África agora é diferente do surto global de 2022”, declarou.

“Enquanto esse surto se concentrou esmagadoramente em homens homossexuais e bissexuais, o mpox em África está agora a ser transmitido através de contacto sexual, bem como através do contacto próximo entre crianças, mulheres grávidas e outros grupos vulneráveis”, disse.

De acordo com o investigador, embora haja uma forte probabilidade de as pessoas com mais de 50 anos terem sido vacinadas contra a varíola, o que pode proporcionar alguma proteção contra a doença, essa não é a realidade da população africana, caracterizada por uma maioria jovem e, por isso, mais suscetível de contrair a doença.

O mpox pertence à mesma família viral que a varíola, contextualizou.

“A doença propaga-se sobretudo através do contacto direto pele com pele e as pessoas com casos mais graves podem desenvolver bolhas proeminentes no rosto, nas mãos, no peito e nos órgãos genitais”, indicou.

No início deste mês, a OMS declarou os surtos de mpox na República Democrática do Congo (RDCongo) – país que faz fronteira com Angola – e em 11 outros países de África como uma emergência mundial.

De um total de 18.910 casos em 2024, 94% – ou seja, 17.794 – ocorreram na RDCongo, segundo os Centros Africanos de Controlo e Prevenção de Doenças, com 535 das 541 mortes registadas na semana passada.

Cerca de 70% das infeções por mpox na RDCongo ocorrem em crianças com menos de 15 anos.

O cientista congolês que ajudou a identificar a mais recente versão do mpox, Placide Mbala-Kingebeni, disse que os testes de diagnóstico utilizados no país nem sempre o detetam, o que torna difícil acompanhar a propagação da variante.

Em maio, Mbala-Kingebeni, que dirige um laboratório no Instituto Nacional de Investigação Biomédica da RDCongo, publicou uma investigação que mostra uma nova forma de mpox, que pode ser menos mortal, mas mais transmissível.

As mutações observadas na nova forma de mpox sugerem que está “mais adaptada à transmissão humana”, disse, mas a falta de testes na RDCongo, e noutros locais, está a complicar os esforços de monitorização dos surtos.

A nova variante foi detetada em quatro outros países africanos, bem como na Suécia e na Tailândia.

A OMS afirmou que os dados disponíveis até à data não sugerem que esta variante seja mais perigosa, mas que a investigação está em curso.

Uma virologista do Centro Médico Erasmus – nos Países Baixos – Marion Koopmans, disse que os cientistas estão agora a ver alguns impactos significativos da doença, observando que existem mulheres grávidas a perder os seus fetos e que alguns bebés estão a nascer infetados.

Segundo Ogoina, “na ausência de vacinas e medicamentos, os profissionais de saúde africanos devem concentrar-se na prestação de cuidados de apoio, como garantir que os doentes têm o suficiente para comer e recebem apoio de saúde mental, dado o estigma que muitas vezes vem com o mpox”.

Mbala-Kingebeni sugeriu que as estratégias anteriormente utilizadas para travar os surtos de Ébola em África podem ajudar, dado o número limitado de vacinas.

A OMS apelou, terça-feira, a um financiamento de 87,4 milhões de dólares (cerca de 78 milhões de euros) para os próximos seis meses para se travar os surtos de mpox.

LUSA/HN

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