O estudo estima que 245 milhões de euros poderiam ser poupados ao prevenir doenças como gripe, pneumonia e herpes zóster através da vacinação
Healthnews (HN) – Enquanto presidente da Sociedade Portuguesa de Saúde Pública e chairman do projeto +Longevidade, pode explicar-nos a importância de uma estratégia abrangente de vacinação dirigida especificamente ao adulto em Portugal?
Francisco George (FG) – A importância de uma estratégia abrangente de vacinação para adultos em Portugal é fundamental, considerando que cerca de 25% da população portuguesa tem mais de 65 anos, o que representa aproximadamente 2,5 milhões de pessoas. O nosso objetivo é, não apenas prolongar a vida, mas também melhorar a sua qualidade.
O projeto +Longevidade reuniu 25 especialistas durante meses para analisar esta questão. Concluímos que, além dos determinantes sociais que influenciam a saúde dos adultos e idosos – como alimentação, tabagismo e exercício físico – é crucial reconhecer o papel das novas vacinas que estão cientificamente comprovadas como eficazes.
Por exemplo, temos agora disponível uma nova vacina de alta eficácia para a gripe, indicada para adultos a partir de certas idades. Atualmente, esta vacina é recomendada para pessoas com 85 anos ou mais, mas há potencial para expandir esta recomendação para faixas etárias mais jovens, como 80 ou até 75 anos.
É importante salientar que o investimento em prevenção, incluindo a vacinação, pode resultar em ganhos significativos em termos de redução de mortalidade e melhoria da qualidade de vida. As vacinas disponíveis podem prevenir não só a gripe, mas também infeções respiratórias bacterianas (como as causadas por pneumococos), outras infeções virais e até mesmo condições como o herpes zóster (zona).
Ao investir na vacinação, podemos evitar doenças, reduzir a gravidade das infeções quando ocorrem, diminuir complicações, dias de hospitalização, necessidade de cuidados intensivos e uso de medicamentos. Todos estes benefícios compensam o investimento inicial na vacinação.
HN- O relatório menciona que Portugal é o quarto país da UE onde a população idosa tem menos anos de vida saudáveis após os 65 anos. Como é que uma estratégia de vacinação para adultos poderia melhorar este cenário?
FG – Uma estratégia de vacinação abrangente para adultos pode contribuir significativamente para melhorar este cenário, aumentando os anos de vida saudável após os 65 anos. Ao prevenir doenças evitáveis através da vacinação, estamos a reduzir a carga de doenças que afetam particularmente a população idosa.
As vacinas disponíveis para adultos podem prevenir uma série de doenças que frequentemente comprometem a qualidade de vida dos idosos, como a gripe, a pneumonia pneumocócica, o herpes zóster, entre outras. Ao evitarmos estas doenças ou reduzindo a sua gravidade quando ocorrem, podemos ajudar os idosos a manter uma melhor saúde geral e independência por mais tempo.
Além disso, ao prevenir complicações graves destas doenças, estamos a reduzir hospitalizações e períodos de recuperação prolongados, que muitas vezes levam a um declínio funcional nos idosos. Isto significa que mais idosos poderão manter a sua autonomia e qualidade de vida por mais tempo, efetivamente aumentando os anos de vida saudável após os 65 anos.
HN – O projeto estima custos diretos e indiretos de 245 milhões de euros para tratar patologias preveníveis por vacinação. Pode detalhar como chegaram a este número e quais são as principais doenças em causa?
FG – Os 245 milhões de euros estimados para tratar patologias preveníveis por vacinação foram calculados com base em vários fatores. Esta estimativa inclui os custos associados aos dias de hospitalização, utilização de cuidados intensivos e medicamentos que seriam necessários para tratar doentes que adquiririam estas doenças se não fossem vacinados.
• As principais doenças em causa incluem:
• Gripe sazonal
• Pneumonia pneumocócica
• Outras infeções respiratórias de origem bacteriana e viral
• Herpes zóster (zona)
Estes custos refletem, não apenas os gastos diretos com tratamentos médicos, mas também os custos indiretos associados à perda de produtividade e à necessidade de cuidados prolongados. É importante notar que este valor representa uma estimativa conservadora, pois os benefícios da vacinação vão além da prevenção direta destas doenças, incluindo a redução de complicações secundárias e a melhoria geral da saúde da população idosa.
HN – Entre as 21 recomendações propostas, qual considera ser a mais urgente ou impactante para melhorar a proteção vacinal na idade adulta em Portugal?
FG – Entre as recomendações propostas, considero que a mais urgente e impactante é a criação de um calendário vacinal para adultos que seja socialmente aceite, similar ao que temos para as crianças.
É fundamental desenvolver uma perceção pública da necessidade deste calendário vacinal para adultos. Assim como as mães e os pais aceitam a vacinação infantil desde o nascimento – contra doenças como hepatite B, difteria, tétano, tosse convulsa, poliomielite, sarampo, papeira, entre outras – precisamos criar uma aceitação similar para a vacinação em adultos.
Esta aceitação social é crucial porque muitos adultos de hoje não experienciaram diretamente algumas dessas doenças devido ao sucesso dos programas de vacinação infantil. Por exemplo, muitas mães de hoje não tiveram filhos com sarampo, embora elas próprias possam ter tido a doença na infância.
Portanto, é necessário incentivar a perceção da necessidade de um calendário de vacinação para adultos, tornando-o tão socialmente aceite e valorizado quanto o calendário infantil. Isso criará uma base sólida para a implementação efetiva de todas as outras recomendações do projeto.
HN – Quais seriam os principais desafios na implementação desta medida?
FG – A ampliação do Programa Nacional de Vacinação para incluir um calendário vacinal dirigido aos adultos enfrentaria vários desafios significativos:
Orçamental: O principal desafio seria a disponibilidade orçamental. Seria necessário um aumento significativo no investimento em prevenção, que atualmente representa apenas cerca de 1% do orçamento total da saúde.
Educação e conscientização: Seria necessário um esforço substancial para educar a população adulta sobre a importância da vacinação ao longo da vida e não apenas na infância.
Logística: A implementação de um programa de vacinação para adultos exigiria uma reorganização dos serviços de saúde para acomodar esta nova demanda.
Formação profissional: Os profissionais de saúde precisariam de formação adicional sobre as novas vacinas e esquemas de vacinação para adultos.
Monitorização e avaliação: Seria necessário desenvolver sistemas robustos para monitorizar a cobertura vacinal em adultos e avaliar a eficácia do programa.
Aceitação pública: Superar possíveis resistências ou hesitações em relação à vacinação na idade adulta.
Coordenação intersectorial: Garantir uma colaboração eficaz entre diferentes setores do sistema de saúde e outros ministérios relevantes.
Adaptação contínua: O programa precisaria de ser flexível para incorporar novas vacinas e recomendações à medida que a ciência avança.
Superar estes desafios exigiria um compromisso significativo de recursos e uma estratégia bem coordenada entre todos os stakeholders relevantes.
HN – Como vê o papel das Unidades de Cuidados na Comunidade e das Unidades de Saúde Pública no reforço da vacinação em adultos?
FG – O papel das Unidades de Cuidados na Comunidade e das Unidades de Saúde Pública é absolutamente central no reforço da vacinação em adultos. Na verdade, esta é uma vocação inerente a estas unidades.
As Unidades de Saúde Pública têm como missão fundamental promover e concretizar programas de vacinação. Elas desempenham um papel crucial na implementação, monitorização e avaliação de estratégias de vacinação a nível local e regional.
As Unidades de Cuidados na Comunidade, por sua vez, têm uma posição privilegiada para alcançar populações adultas que podem não ter contacto regular com os serviços de saúde. Elas podem:
• Realizar campanhas de sensibilização sobre a importância da vacinação em adultos;
• Identificar e alcançar grupos de risco que mais beneficiariam de certas vacinas;
• Administrar vacinas em ambientes comunitários, tornando-as mais acessíveis;
• Fornecer educação em saúde sobre prevenção de doenças, incluindo a vacinação.
Estas unidades podem trabalhar em conjunto para criar uma rede eficaz de promoção e administração de vacinas para adultos. E podem coordenar esforços para garantir que as informações sobre vacinação cheguem a todos os segmentos da população adulta e que as vacinas sejam administradas de forma eficiente e equitativa.
Além disso, estas unidades podem desempenhar um papel importante na recolha de dados sobre a cobertura vacinal em adultos, ajudando a identificar lacunas e a orientar esforços futuros.
Em resumo, as Unidades de Cuidados na Comunidade e as Unidades de Saúde Pública são peças-chave na implementação bem-sucedida de um programa de vacinação para adultos, aproveitando a sua proximidade com a comunidade e o seu conhecimento especializado em saúde pública.
HN – O relatório menciona a necessidade de novos modelos de avaliação e financiamento público para vacinas com indicação para adultos. Pode elaborar sobre como estes modelos poderiam funcionar?
FG – Os novos modelos de avaliação e financiamento público para vacinas com indicação para adultos devem ser desenvolvidos e implementados através de uma abordagem estruturada e baseada em evidências. Eis como estes modelos poderiam funcionar:
Comissão de Acompanhamento: Seria necessário estabelecer uma comissão dedicada para acompanhar o desenvolvimento e a aplicação do calendário vacinal destinado a adultos. Esta comissão deveria estar integrada nos serviços do Estado, incluindo a Direção-Geral da Saúde.
Adaptação da Comissão Técnica de Vacinação: O diploma que criou a atual Comissão Técnica de Vacinação, que se concentra principalmente na vacinação infantil, precisaria de ser alterado para incluir especialistas focados na vacinação de adultos. Isto garantiria que as decisões sobre vacinas para adultos fossem tomadas com base em conhecimentos especializados relevantes.
Avaliação Custo-Benefício: Os novos modelos deveriam incorporar análises robustas de custo-benefício, considerando não apenas os custos diretos das vacinas, mas também os custos evitados em termos de hospitalizações, complicações e perda de produtividade.
Financiamento Baseado em Valor: Em vez de simplesmente pagar por dose de vacina, o financiamento poderia ser baseado nos resultados de saúde alcançados, incentivando assim a eficácia na administração e na cobertura vacinal.
Orçamentação Plurianual: Considerando que os benefícios da vacinação muitas vezes se acumulam ao longo do tempo, poderia ser adotada uma abordagem de orçamentação plurianual, permitindo um planeamento financeiro mais flexível e de longo prazo.
Monitorização Contínua: Seria essencial estabelecer sistemas de monitorização contínua para avaliar a eficácia e o custo-benefício das vacinas ao longo do tempo, permitindo ajustes no programa conforme necessário.
Fundo Dedicado: Poderia ser criado um fundo específico para a vacinação de adultos, garantindo que os recursos sejam direcionados especificamente para este fim.
Integração com Outros Programas de Saúde: Os modelos de financiamento poderiam ser integrados com outros programas de saúde para adultos, maximizando a eficiência e o impacto global na saúde pública.
Estes modelos precisariam de ser desenvolvidos em colaboração com especialistas em saúde pública, economia da saúde e políticas de saúde, garantindo uma abordagem abrangente e sustentável para o financiamento e avaliação de vacinas para adultos.
HN – Considerando a recente campanha de vacinação contra a Gripe e COVID-19 e as discussões sobre a introdução da vacina contra o Herpes Zoster no PNV, como avalia o momento atual para a implementação das recomendações do projeto +Longevidade?
FG – A avaliação do momento atual para a implementação das recomendações do projeto +Longevidade é uma questão que envolve principalmente decisões de natureza política. O nosso trabalho no projeto foi de caráter eminentemente científico e não deve ser interpretado como uma forma de pressão política.
O que fizemos foi realizar uma análise científica baseada em dados comparativos, que agora está à disposição das autoridades competentes. A decisão de implementar ou não estas recomendações, e em que medida, recai sobre o poder político, que deve considerar diversos fatores, incluindo:
Vontade política: A disposição dos decisores políticos em priorizar a vacinação de adultos como uma estratégia de saúde pública.
Disponibilidade de recursos financeiros: A capacidade do orçamento de saúde para suportar a expansão do programa de vacinação.
Infraestrutura de saúde: A prontidão do sistema de saúde para implementar um programa de vacinação mais amplo para adultos.
Perceção pública: O nível de aceitação e demanda pública por um programa de vacinação mais abrangente para adultos.
Evidências científicas: A solidez das evidências que suportam a eficácia e o custo-benefício das vacinas recomendadas.
Prioridades concorrentes: Como a vacinação de adultos se compara com outras prioridades de saúde pública em termos de urgência e impacto potencial.
O sucesso das recentes campanhas de vacinação contra a Gripe e COVID-19, bem como as discussões em curso sobre a introdução da vacina contra o Herpes Zoster no Programa Nacional de Vacinação, sugerem que há um interesse crescente e uma maior consciencialização sobre a importância da vacinação em adultos. Isto pode criar um ambiente favorável para a consideração das recomendações do projeto +Longevidade.
No entanto, é importante salientar que a implementação destas recomendações requereria um compromisso significativo de recursos e uma estratégia cuidadosamente planeada. As autoridades de saúde terão que avaliar cuidadosamente os benefícios potenciais em relação aos custos e desafios de implementação.
Em última análise, o momento atual oferece uma oportunidade para um diálogo construtivo entre cientistas, profissionais de saúde, decisores políticos e o público sobre o futuro da vacinação de adultos em Portugal. As recomendações do projeto +Longevidade podem servir como um valioso ponto de partida para estas discussões, fornecendo uma base científica sólida para informar as decisões políticas futuras.
Entrevista de Miguel Múrias Mauritti
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